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García Linera entre nós

Niko Schwarz

Tradução:

Niko Schvarz*

Ciclo de atividades comemorativas em homenagem ao 36190scr_75a7f35c0e1338e no centenário de seu nascimento teve seu auge de altíssimo nível no ato realizado sexta-feira, 30 de outubro, no auditório da Universidade, que contou com a excelente participação de Álvaro García Linera, vice-presidente do Estado Plurinacional da Bolívia.

Sua exposição magistral foi precedida pelas intervenções do vice-reitor da Universidade, Hugo Calabria; do senador Marcos Carámbula; do representante do Partido Comunista, Jorge Mazzarovich; da ministra da Indústria, Energia e Minas, Carolina Cosse; e do vice-presidente da República, em exercício da Presidência, Raúl Sendic. No fim das exposições presenciamos uma atuação do diretor teatral Iván Solarich, dedicada especialmente à viúva de Massera, Martha Valentini, que no ato estava rodeada de seus familiares, destacando-se ainda a presença do ex reitor Rafael Guarga, em um auditório lotado.
O ato fora anunciado na véspera em conferência de imprensa pelo reitor da Universidade, Roberto Markarian (que foi discípulo de Massera) e pelo senador Marcos Carámbula, integrantes ambos da Comissão de Homenagem a Massera. Nessa oportunidade, o senador Carámbula destacou a personalidade de Álvaro García Linera, dizendo que era um matemático como Massera (o que para muitos de nós era uma novidade absoluta) e caracterizando-o como um grande lutador, militante pela liberdade e a democracia na Bolívia, e como um pensador sobre os processos que estão se desenrolando na América Latina. Na abertura do ato, o vice-reitor Calabria expôs seus pontos de vista sobre o assunto e leu uma mensagem alusiva do reitor Markarian, impedido de comparecer.
Seguiu-se-lhe no uso da palavra precisamente o senador Carámbula, que mencionou os fundamentos da homenagem a Massera, tendo sido o primeiro a recordar que nesse mesmo auditório universitário foi recebido em agosto de 1961 o Che Guevara, que pronunciou um discurso reproduzido no mundo todo depois de sua intervenção na Conferência do CIES (Conselho Interamericano Econômico e Social, dependente da OEA), em Punta del Este. Depois foi a vez de Jorge Mazzarovich, que lembrou os principais traços biográficos de Massera. A ministra Carolina Cosse, engenheira, anunciou que um empreendimento importante que será realizado proximamente pela Antel, denominar-se-á José Luis Massera. O vice presidente Raúl Sendic formulou uma conceituosa exposição sobre as contribuições científicas de Massera e abriu espaço para a intervenção central, de Álvaro García Linera.
Aprofundamento da democracia nos processos políticos da América do Sul
O vice-presidente da Bolívia fez uma longa exposição, muito meditada, com o seguinte título geral: “Aprofundamento da democracia nos processos progressistas da América do Sul”. Sua intervenção contemplou o conjunto dos processos políticos em nosso continente ao longo deste século XXI, com especial referência ao rico processo vivido por sua pátria boliviana. Insistiu, de forma muito didática, sobre alguns conceitos fundamentais, tudo isso depois de uma adequada referência à presença do Che Guevara nesse mesmo recinto, há mais de meio século (54 anos exatamente). Os principais conceitos, ilustrados de diversos ângulos, versaram sobre:

  • a democracia como ampliação de direitos e da igualdade entre os seres humanos;
  • a continentalização da democracia na América Latina neste século XXI (embora o processo se desenvolva em velocidades diferentes nos distintos países);
  • a América Latina começa a definir seu destino próprio nesta etapa que estamos vivendo;
  • a importância fundamental da unidade no bloco social das mudanças;
  • o objetivo central da integração continental.

Sobre o conjunto destes temas centrais, García Linera propôs que se desenvolvesse um processo de debate interno das forças progressistas em nível continental.
As ideias expostas pelo orador estão desenvolvidas em um folheto de sua autoria que circulou durante o ato e que se intitula: “As tensões criativas da revolução. A quinta fase do processo de mudança”. Trata-se de um trabalho sumamente valioso, e me apresso a dizer que deveríamos encontrar a forma de divulgá-lo entre as forças progressistas de nossos países. A simples menção de seus capítulos já é ilustrativa, e consiste no seguinte sumário: PARA UM NOVO HORIZONTE DE ÉPOCA. Do republicanismo proprietário ao republicanismo comunitário. AS FASES DO PROCESSO REVOLUCIONÁRIO. Primeira fase: explicitação da crise de Estado. Segunda fase: o embate catastrófico. Terceira fase: capacidade de mobilização transformada em presença estatal governamental. Quarta fase: o ponto de bifurcação o momento jacobino da revolução. Quinta fase do processo revolucionário: a presença das contradições criativas. AS TENSÕES CRIATIVAS DA QUINTA FASE. Primeira tensão: relação entre Estado e movimentos sociais. Segunda tensão: flexibilidade hegemônica frente à firmeza no núcleo social. Terceira tensão: interesses gerais frente a interesses particulares e privados. Quarta tensão: o socialismo comunitário do viver bem. As tensões secundárias criativas como forças produtivas do processo de mudança.
Este quadro conceitual surge da análise da história da Bolívia antes e durante os governos de Evo Morales. Encontra-se nessas páginas uma história da Bolívia, suas contradições internas, o processo de luta contra as tendências separatistas da “meia lua”, tudo o que esse povo viveu nas últimas décadas. E, sobretudo, encontra-se uma perspectiva de saída progressista para o governo do Estado Plurinacional, no quadro da nova situação gerada na América Latina com o acesso ao governo das forças progressistas e democráticas avançadas.
O ponto de partida está enunciado com total clareza desde o início, nestes termos: “Se alguém põe-se a pensar que até uns poucos anos atrás existia um apartheid institucionalizado que segregava as maiorias indígenas dos poderes do Estado republicano desde sua fundação, ou na turbulência e instabilidade política estrutural que a Bolívia viveu no período 2000-2005 (cinco presidentes em cinco anos), ou nas mobilizações pela demanda de autonomia que segmentos nacionalistas das velhas elites nacionais tentaram aproveitar, hoje, cada uma destas históricas divisões sociais foi superada pela consolidação de uma estrutura estatal plurinacional, autônoma e de um Governo Revolucionário que baseia sua solidez e sua estabilidade na unidade do povo boliviano, de suas organizações sociais indígenas/camponesas, operárias, comunitárias e populares.
“Durante os últimos cinco anos, começaram a ser demolidos, rapidamente, os mecanismos racializados das decisões estatais que marginalizavam as maiorias indígenas. Derrotou-se o neoliberalismo, recuperando-se o controle social e estatal da riqueza pública, anteriormente alienada em mãos privadas estrangeiras. Também se pôs fim a décadas de humilhante subordinação das decisões governamentais à Embaixada norte-americana e aos organismos financeiros internacionais. Hoje, como nunca na história coletiva da Pátria, indígenas e mestiços compartilhamos as decisões do Estado e temos as mesmas oportunidades na tomada de decisões públicas.
“Nestes anos começou-se a construir um tipo de Estado autônomo, resolvendo democraticamente uma demanda que ameaçou fissurar a unidade do país.
“Em conjunto, fraturas e demandas que confrontaram os bolivianos durante séculos, e que tinham subordinado o país a poderes externos durante décadas, foram resolvidas por métodos democráticos e revolucionários, tecendo a unidade soberana da sociedade e a solidez do Estado.
“Também foram derrotadas as castas políticas, ineptas e corruptas, que administraram um sistema de republicanismo-proprietário, e que tanto dano causaram ao desenvolvimento de nosso país. E, por último, triunfou-se sobre numerosas conspirações econômicas, políticas e até tentativas separatistas da unidade territorial de nossa Pátria”.
A conclusão da análise aponta para a organização das forças sociais para conseguir o objetivo superior do Viver Bem para toda a comunidade. Esta parte merece transcrição textual, e diz: “As forças produtivas comunitárias e a ética do trabalho rural incluem um olhar diferente da lógica capitalista com relação a como vincular-nos à natureza. Propõem-nos ver as forças naturais como componentes de um organismo vivo, total, do qual o ser humano e a sociedade são apenas uma parte dependente e que, portanto, o usufruto de suas potências produtivas naturais, compreendidas como tecnologias e saberes sobre a natureza, devem ocorrer no marco de uma atitude “dialogante” e reprodutora dessa totalidade natural.
“As formas comunitárias desenvolveram uma tendência de outra forma social do desenvolvimento das forças produtivas em que a natureza é concebida como o prolongamento orgânico da subjetividade humana, que se deve velar para sua continuidade criadora pois dessa maneira garante-se também a continuidade da vida humana para as gerações vindouras.
“Humanizar a natureza e naturalizar o ser humano” propunha Marx (no terceiro dos Manuscritos Econômicos e Filosóficos de 1844) como alternativa ao suicídio social e à destruição da natureza estimulados cegamente pela lógica capitalista. A isso chamava Marx de comunismo, a realização da lógica total do “valor de uso” da natureza no ser humano e do ser humano realizado na natureza. Nisso consiste o Viver Bem: em utilizar a ciência, a tecnologia e a indústria para gerar riqueza; de outra maneira com que se poderia construir estradas, levantar postos sanitários, escolas, produzir alimentos, satisfazer as necessidades básicas e crescentes da sociedade? Mas, ao mesmo tempo, precisamos preservar a estrutura fundamental de nosso meio ambiente para nós e as gerações que virão, que terão na natureza a realização de suas infinitas capacidades para satisfazer suas necessidades sociais”.
“Precisamos industrializar-nos mas também cuidar da natureza e preservá-la para os séculos seguintes. O capitalismo depreda-a, destrói, utiliza-a com finalidade de lucro e não para a satisfação das necessidades”.
Conclusão: “Esta tensão criativa é o que o presidente Evo chamou de socialismo comunitário do viver bem”.
Colaborador de Diálogos del Sur, de Montevideu, Uruguay – Tradução de Ana Corbisier


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Niko Schwarz

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