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Bolsonarismo e estupidez? Teoria explica por que semelhança não é mera coincidência

“Teoria da Estupidez”, descrita pelo teólogo Dietrich Bonhoeffer nos anos 1940, buscava entender na culta Alemanha o surgimento do nazismo
Carlos Russo Jr
Diálogos do Sul
Florianópolis (SC)

Tradução:

“A estupidez é um inimigo até mesmo mais perigoso do que o mal. Diferente da estupidez, o mal contem sementes de sua própria destruição”, defendia o teólogo antinazista Bonhoeffer.

Diferente da canalhice e do má-intenção, a estupidez não é uma falha no caráter ou súbita suspensão da razão: é uma categoria sócio psicológica objetiva, com origens no funcionamento da mente, sempre em busca de atalhos por meio de vieses cognitivos.

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A “Teoria da Estupidez”, descrita pelo teólogo Dietrich Bonhoeffer nos anos 1940, buscava entender na culta Alemanha o surgimento do nazismo.

Pois a mesma teoria ajuda-nos, nos dias de Sociedade Líquida, a entender o ressurgimento das várias vertentes do nazifascismo que vicejam em nosso século e, por aqui, se apossaram do poder central em 2018, e nas eleições de 2022 buscam a destruição de nossa alquebrada democracia.

A lei do menor esforço, base da estupidez e do efeito rebanho.

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Freud acreditava que a psiquê humana é regida pela lei do menor esforço: busca sempre atalhos mentais pela simples necessidade de economia de energia libidinal. Outro aspecto a ser considerado, na psicologia das massas, que o menor esforço está intimamente relacionado com novo tipo de padecimento psicológico, característico de uma era, que por motivos socioeconômicos, testemunha o declínio do indivíduo e seu enfraquecimento enquanto tal. Steinbock chamou de a “lei do menor esforço” freudiano às “tendência e vieses cognitivos” – tendências que podem levar a desvios sistemáticos de lógica e a decisões irracionais, do indivíduo, quando englobado pela massa.

E de todos os vieses, nos dias de hoje, o efeito de rebanho é o mais proeminente.

Na inserção no rebanho, a estupidez torna-se orgulhosa de si mesma, pois adquire a chancela do grupo, da “maioria” que constitui seu próprio entorno, tal qual o “cercadinho do Planalto” e as “motociatas” de um candidato a ser ditador de um Brasil despedaçado.

Voltando, então, para Bonhoeffer, conhecer a natureza da estupidez é urgente porque, ao contrário do mal, contra a estupidez não temos defesa.

“Teoria da Estupidez”, descrita pelo teólogo Dietrich Bonhoeffer nos anos 1940, buscava entender na culta Alemanha o surgimento do nazismo

Agência Brasil
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O tolo e o canalha

Para o teólogo alemão, apenas uma coisa explicava aqueles tempos sombrios de guerra total na Europa e de um regime totalitário controlando a pátria que havia sido a de Goethe, de Nietzsche, a de Beethoven: a estupidez do vulgo, definido por Spinoza no século XVII!

E contra a estupidez não temos defesa! Nem os protestos, nem a força podem afetá-la. O raciocínio é inútil.

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Fatos que contradizem preconceitos pessoais podem simplesmente ser desacreditados – na verdade, o tolo pode contra-atacar criticando-os e, se forem inegáveis, podem simplesmente ser deixados de lado, como exceções triviais.

Portanto, os tolos, diferentemente dos canalhas, estão completamente satisfeitos consigo mesmos. E eles podem facilmente se tornar agressivos!

E não tem nenhum sentido tentaremos persuadir a pessoa estúpida com razões, pois isso é sem resultado algum! Não se trata de um fenômeno a ser explicado apenas pela falta de caráter, embora este possa também estar presente.

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Para Bonhoeffer, a estupidez deveria ser considerada uma categoria psicossociológica em si mesma. Portanto, objetiva e cientificamente compreensível. A natureza da estupidez tem raízes profundas no psiquismo. E ela é impulsionada pela mecânica fundamental da experiência humana: somos animais sociais, antes de tudo aquele mais competitivo e gregário.

São a sociabilidade e a competitividade que estão na base da estupidez.

A sociabilidade na Sociedade Líquida

Na Sociedade Líquida, todos conectados pela internet, a sociabilidade virtual torna-se muito mais abrangente, o que transforma a estupidez tanto num problema psicológico quanto sociológico.

De toda forma, a estupidez segue caracterizando um fenômeno de grupo, pequeno ou até mesmo gigantesco. E quando um grupo real ou virtual age de forma estúpida, isso causa grande impacto nos outros indivíduos, agravando todo o efeito.

Daí o comportamento de rebanho, seguir sendo uma das causas mais importantes da estupidez! Os seres humanos individuais podem ser influenciados pela multidão a adotar posições que vão contra toda a lógica, abolem a razão.

Bonhoeffer dizia que “o poder de um, precisa da estupidez do outro”.

Parece que, sob o impacto avassalador do poder crescente dos hoje denominados influenciadores digitais, suas plataformas e seus robôs conectados, os humanos são privados de independência interior e, mais ou menos conscientemente, desistem de estabelecer uma posição autônoma em relação às circunstâncias emergentes.

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“O fato de a pessoa estúpida ser frequentemente teimosa não deve nos cegar para o fato de que ela não é independente, apenas e tão somente estúpida”, dizia o teólogo alemão.

“As pessoas dominadas pela estupidez agiriam como se estivessem possuídas. Sua parte lógica do cérebro está desligada. Tal pessoa passa a atuar como um zumbi político, com o qual falha qualquer tipo de lógica ou discussão de fatos. Em vez disso, os componentes de rebanho funcionam por slogans, palavras de ordem e gritos de guerra de baixo nível”. (1)

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“Em uma conversa com um estúpido, quase se sente que não se trata de maneira alguma de uma pessoa, mas de slogans e coisas do gênero que se apoderaram dele. Ele está enfeitiçado, cego, maltratado e abusado em seu próprio ser. Tendo assim se tornado uma ferramenta irracional, a pessoa estúpida também será capaz de qualquer mal e ao mesmo tempo incapaz de ver que isso é mau”. (1)

Os atalhos mentais e os rebanhos

Esse tipo de uso do processamento de informações, ou seja, os “atalhos mentais”, são criados pela nossa mente para produzir decisões ou julgamentos e nos ajudar a navegar por este mundo.

Porém, essas tendências podem se transformar em muitos vieses com uma variedade de formas: ruídos mentais, crenças, escalada irracional de compromisso, etc. Entre estes, seguir o rebanho é indiscutivelmente o mais proeminente e o mais fácil! Faz até sentido. Quando as informações são escassas e a indecisão predomina, fazer o que os outros estão fazendo é provavelmente o melhor curso de ação!

Infelizmente, isso não funciona o tempo todo, podendo trazer resultados catastróficos. Como a História nos mostra repetidas vezes.

Por esse motivo, para Bonhoeffer, lutar contra a estupidez é mais difícil do que contra o mal. O mal pode ser defrontado, exposto, denunciado. Ademais, o mal sempre deixa as pessoas inquietas, pode deixar “consciências pesadas. ”

Já contra a estupidez estamos indefesos!

O estúpido, o canalha e o mal-intencionado

Enquanto a estupidez é um fenômeno coletivo sócio psicológico, a canalhice e a má-intenção têm a ver com falha de caráter individual.

Um canalha é sempre um covarde, que busca tirar a melhor vantagem pessoal do infortúnio coletivo ou do outro. Logo, tanto o canalha quanto o mal-intencionado estão no campo da imoralidade: eles necessitam de máscaras, subterfúgios, uma sombra na qual possam se esconder e operar.

Já a estupidez se desloca para outro campo: o da amoralidade! Os estúpidos são orgulhosos da própria estupidez, porque têm a chancela do grupo, do coletivo. Sabe que não estão sozinhos, e isso já é mais do que suficiente para ele.

Freud expusera em “Psicologia de Massas e Análise do Ego”: mais do que a morte, o que o homem mais teme é a solidão. Os indivíduos nas massas permanecem unidos não pelo poder da hipnose do líder, como sugeriam antigos psicólogos como Gustave Le Bon. Mas por “amor a eles próprios”, aos outros que formam a massa ou o grupo.

As redes sociais apenas exponenciaram esse funcionamento interno de cada um de nós como farsa. Na forma virtual, “influenciadores” acionam robôs que impulsionam hashtags, versões e narrativas mal-intencionadas, falsidades, criando enxames e vieses cognitivos. E, como sempre, o efeito de rebanho se faz presente: oferece aos usuários o atalho mental que desperta a nossa ancestralidade, nossos arquétipos.

Umberto Eco tinha razão ao dizer que a Internet deu voz a uma “legião de imbecis”: as unanimidades virtuais acabaram criando a estupidez orgulhosa de si mesmo.

Bolsonaro, sua gangue, seus acólitos são a melhor tradução política da estupidez orgulhosa de si mesma. Esta estupidez elegeu não somente o Presidente do Brasil, como o pior e mais estúpido Congresso de todos os tempos da República, em 2018!

E agora este fenômeno insiste em se repetir e concluir a destruição de nossas frágeis e deterioradas instituições!

Mas as hordas dos estúpidos, dos canalhas e do mal-intencionados não vencerão em 30 de outubro! Não passarão!

Referências:
1. Publicação realizada pela Igreja Evangélica Luterana da Itália. “Benhoeffer, Profeta.”
2. Metaxas, E..Bonhoeffer. Thomas Nelson Publishers.

Carlos Russo Junior | Colaborador da Diálogos do Sul.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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Carlos Russo Jr Carlos Russo Jr., coordenador e editor do Espaço Literário Marcel Proust, é ensaísta e escritor. Pertence à geração de 1968, quando cursou pela primeira vez a Universidade de São Paulo. Mestre em Humanidades, com Monografia sobre “Helenismo e Religiosidade Grega”, foi discípulo de Jean-Pierre Vernant.

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