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ToggleNo último dia 22 foi comemorado o centenário de Leonel de Moura Brizola, o grande estadista que o Brasil não soube aproveitar.
Sobre ele, publicamos na Diálogos do Sul artigo de João Pedro Stedile, dirigente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, MST, que dá um testemunho sobre quem foi governador de dois estados, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, e sua atuação política. A análise é quase completa, qualquer coisa que eu pudesse fazer seria redundante. Mas, tenho meu testemunho.
Stedile: Brizola fez o único governo realmente de esquerda em toda a história do Brasil
Em agosto de 1961, eu era correspondente da agência cubana Prensa Latina, em São Paulo, sob as ordens da sede central no Rio de Janeiro, onde atuavam Aroldo Wall, brasileiro, e o cubano José Prado.
No dia 21 de agosto, o presidente Jânio Quadros renunciou e os militares acreditaram ter chegado a hora para o golpe.
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No governo da Guanabara — cidade do Rio de Janeiro, antes Distrito Federal, então transformada em estado e governada pelo udenista-lambe-botas-dos-Estados-Unidos, Carlos Lacerda — também considerou que era chegada a hora para o golpe.
Hordas de fascistas, com o beneplácito do governo, saíram às ruas para depredar jornais, a sede da União Nacional dos Estudantes (UNE) e empastelam o que era a sede da Prensa Latina.
Com as comunicações cortadas, Aroldo consegue me telefonar e pedir para eu cobrir os eventos e passar, por telefone, as informações para os colegas da agência em Montevidéu. Quem tem um pouco de idade lembrará que as ligações interurbanas eram péssimas e internacionais, piores ainda.
pdt
Leonel Brizola, o grande estadista que o Brasil não teve
A resistência gaúcha
Leonel de Moura Brizola, no governo do Rio Grande do Sul, então se subleva em defesa da Constituição, o que significava entregar a presidência da República ao vice-presidente eleito, João Goulart.
Com apoio imediato da população gaúcha, a Brigada Militar adere à defesa da Legalidade e, sem outra alternativa, também o comandante do 3º Exército adere ao movimento. Do Palácio Piratini, Brizola ocupa uma emissora de rádio e começa a exortar em favor da resistência ao golpe, estava armada a Rede da Legalidade. Imediatamente, emissoras de todo o país passaram a fazer parte das transmissões de rádio.
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Ney Braga, no governo do Paraná, e Mauro Borges, no governo de Goiás, se pronunciaram também na defesa da legalidade. Em São Paulo, a sociedade civil, com apoio de oficiais da Força Pública, ocupa prédios públicos em defesa da legalidade.
As vozes ecoam por todo o Brasil pelas ondas de rádio. Por toda parte, jovens — e não muito jovens — se mobilizam e desembarcam em Porto Alegre para reforçar a resistência.
João Goulart então toma posse, mediatizada pela emenda parlamentarista que logo seria derrubada por plebiscito.
Brizola termina o mandato no Rio Grande do Sul e se elege deputado federal pelo Rio de Janeiro. Ele sabe que o equilíbrio de forças é precário e propõem à sociedade que se organizem em Grupos de Onze. Não houve tempo. O golpe veio antes. O que não conseguiram em agosto de 1961 conseguem em 1º de abril de 1964.
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No exílio, no Uruguai, Brizola apoia os primeiros brotes de resistência armada contra a ditadura, que se desencadearia principalmente no Nordeste das Ligas Camponesas. Primeiro no Sul, com um grupo de militares que tentam sublevar o Exército, logo abortado e em seguida, na Serra de Caparaó, fronteira entre Minas Gerais e Espírito Santo, abortada também antes mesmo de ter início.
Vale um registro aqui do comportamento dos militares. Os guerrilheiros estavam presos já pela PM de Minas Gerais, as forças armadas armaram um grande espetáculo, com força total sobre nada. Pura exibição.
Resistência armada
No Uruguai, Brizola os mais próximos a ele, como Neiva Moreira, mantinham contato e davam apoio aos movimentos armados que se sucederam no país. Não demorou muito para os militares implantarem ditaduras no Uruguai e na Argentina, tornando a vida impossível para os refugiados brasileiros.
O Chile, de Salvador Allende, foi refúgio seguro para muitos, mas também Peru, Panamá e países europeus como Itália, França, Bélgica e Suécia.
Em 1977, Brizola leu um discurso de Jimmy Carter, colocando-se como arauto dos direitos humanos e, munido disso, pediu proteção à embaixada dos Estados Unidos. Jogada de mestre! Tiveram que acolhê-lo.
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Neiva Moreira e Julião das Ligas Camponesas foram para o México. Eu, nessa altura, já estava no Panamá, desde que os militares me expulsaram do Peru, no mesmo ano.
Com Neiva Moreira e Beatriz Bissio estávamos fazendo a Revista Cadernos do Terceiro Mundo, que alcançou seu apogeu, editado em três idiomas, circulando por todo mundo. Neiva me mantinha informado sobre as articulações em torno da reorganização do trabalhismo no Brasil como via ao socialismo, tal como sonhara Getúlio Vargas. Brizola me convida, desde Nova York e Neiva insiste para que eu vá ao Encontro de Lisboa para a refundação do PTB.
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Eu não podia ir. Estava metido integralmente nos momentos decisivos da luta dos sandinistas contra Somoza. Vale registrar que a participação Panamá, sob o comando do general Omar Torrijos, um general de homens livres como foi Augusto César Sandino, foi decisiva para o triunfo sandinista. O Estado panamenho, solidário, colocou à disposição de Brizola algumas passagens aéreas com destino a Lisboa.
Retorno do exílio
Em 1980, de regresso ao Brasil, me estabeleci em São Paulo. Neiva, com os Cadernos do Terceiro Mundo, no Rio de Janeiro. Nos empenhamos em eleger Leonel Brizola governador, agora já com a nova sigla, PDT, do qual fiz parte do diretório estadual paulista.
Neiva, vale recordar, maranhense, conseguiu se eleger deputado federal. Quando cassado, em 1964, já era deputado por três legislaturas.
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Brizola realizou mais de um encontro com a social-democracia internacional. Eu o ajudava nesses encontros e também nos congressos do partido.
Quando Brizola foi candidato à presidência, o sociólogo Theotônio dos Santos coordenou a elaboração de uma estratégia para o desenvolvimento do Brasil e fez planos para seu governo. Ajudei no que pude nessa tarefa.
Ex-PDT
Com a morte de Brizola, o PDT foi sendo pouco a pouco reduzido a um conglomerado que nada tem a ver com o que era o partido sob orientação dele, Neiva Moreira, Darcy Ribeiro, Francisco Julião, Abdias Nascimento, entre tantos.
Com grande tristeza eu vi, reunidos em Convenção, evocando o centenário de Leonel Brizola, lançarem a candidatura de Ciro Gomes à presidência da República. Nada tenho nada contra Ciro, até admiro a coragem com que ele coloca o dedo na ferida, apontando a gravidade do momento atual e soluções, mas o partido que o lançou não é verdadeiro.
Basta ver o comportamento errático da bancada e da própria direção do partido, que parece eternizada em figuras que estão a anos-luz de distância dos fundadores. Ciro há anos em campanha não alcançou dois dígitos sequer nas pesquisas.
Para terminar, registro uma frase que tantas vezes tenho escutado, de vários setores políticos: “que falta faz Brizola!” É, ele se foi, mas ficaram as ideias, seu exemplo de como ser estadista a serviço da pátria.
Paulo Cannabrava é jornalista e editor da diálogos do sul
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