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Cannabrava | Conjuntura é de guerra, não dá pra improvisar: cassem a chapa Bolsonaro-Mourão

Povo precisa de quem lhe diga a verdade. Manifestações de ruas têm que ter o foco correto: mandar os militares de volta para os quartéis antes das eleições
Paulo Cannabrava Filho
Diálogos do Sul Global
São Paulo

Tradução:

É um escândalo atrás do outro, e cada um pior que o outro. Os crimes perpetrados são mais que evidentes. Porém, o que prevalece entre os frequentadores do “cercadinho” é o discurso de que o governo acabou com a corrupção, que os corruptos e os comunistas querem voltar ao poder e eles estão lá para impedir que isso aconteça.

Pedro Castillo, presidente do nosso vizinho Peru, levantou-se e saiu do plenário da Assembleia Geral da ONU assim que o representante do governo militar de ocupação brasileiro assumiu a tribuna para discursar. Atitude digna de quem teve a legitimidade de sua eleição posta em dúvida pelo governo. Este sim, um governo ilegítimo.

Para muitos, Bolsonaro desfiou uma série de mentiras e incongruências. Mas esse é o discurso que fica nos anais da Casa, ouvido por todos os representantes dos países membros, publicado no Diário Oficial da União. É a versão oficial que vale.

Temos dois Brasis, um do governo e outro real, o do pibinho, do povo com fome que gosta de ser enganado.

Intervenção militar no governo militar? Fechamento do STF com STF acovardado? Golpe no meio do golpe?

Na minha vida de jornalista tive oportunidade de cobrir importantes foros mundiais, reuniões da Untctad, da Onudi, dos Países Não Alinhados, Assembleias no âmbito da OEA.

Em nenhuma delas, nenhum representante tem muita mídia. Eles ditam as pautas para a mídia local e raramente se mostraram capazes de ditar as pautas para a mídia mundial.

A única jornalista da grande mídia que se deu conta do que realmente aconteceu foi Eliane Brum, do El País. Bolsonaro debochou da ONU e debochou do mundo.

“Bolsonaro debochou da democracia em palco global, teve suas mentiras traduzidas em várias línguas e voltou para casa aclamado por seus seguidores pela sua autenticidade e coragem de afrontar a parte do planeta que despreza”.

Povo precisa de quem lhe diga a verdade. Manifestações de ruas têm que ter o foco correto: mandar os militares de volta para os quartéis antes das eleições

wikimedia commons
Como a de 1964 a atual ditadura também é assassina

Comitiva de 50 pessoas

Outro grande deboche. Alguém pegou o coronavírus e está com a Covid 19. Justo o ministro da Saúde, o médico negacionista Marcelo Queiroga — que fez o gesto obsceno para o público que protestava. Resultado: Queiroga está quarentena em Nova York, ao custo de R$ 30 mil reais de diária. À custa do dinheiro público, claro, senão o deboche não seria completo.

Lembro que nos primeiros meses do mandato, Bolsonaro com comitiva fez uma visita a Trump, que estava de presidente dos Estados Unidos. Na volta, dos 48 viajantes, 28 estavam com  Covid. Na ocasião, chamei o SARS-CoV-2 de vírus do Trump.

No país da fraude pronta, instituições fingem não ver o golpe armado por Bolsonaro

Bolsonaro ficou internado, seguramente em tratamento. Sobre essa questão, se ele tomou vacina ou não tomou, decreto presidencial declarou segredo por 100 anos. E dá-lhe deboche. Eita povo que gosta de ser enganado.

Todos eles de um grande cinismo. Se divertiam com os protestos contra eles nas ruas de Nova York.

Estratégia de comunicação

André Singer, em artigo adverte que o objetivo da estratégia de comunicação empregada é causar confusão. Assim de simples. Quantas vezes advertimos sobre as técnicas de diversionismo?

Para o cientista político e professor da USP, a estratégia visa desorganizar os adversários e a sociedade, que não estão entendendo que este processo precisa ser parado. 

É isso aí, gente? Precisa acabar com essa farra. Farra do Boi, assalto à mão armada aos cofres públicos.

Enquanto isso, gente que se diz de esquerda não se une nem para dizer Fora Bolsonaro. Sequer foram capazes de identificar o caráter desse governo: um governo militar de ocupação; tropas pretorianas a serviço do império.

Paulo Cannabrava Filho: Para que serve o impeachment de Bolsonaro?

Dos banqueiros da Febraban e empresários da Fiesp aos sem-terra e sem-teto, passando pela Conferência Nacional dos Bispos e por várias denominações evangélicas e pentecostais, e ainda com mais de uma dúzia de partidos políticos, uma só voz a gritar: “Fora, Bolsonaro!”.

Há quem acredite que há consenso na sociedade civil sobre o impeachment.

Por que o governo não cai?

A CNBB se manifestou oficialmente e há vários vídeos nas redes de pastores evangélicos contrários à ditadura e ao governo de ocupação. Cansaram. Convivem no dia-a-dia com a miséria que grassa nas famílias das periferias.

Documentos da Febraban e de diferentes grupos de empresários afirmam que a sociedade brasileira não aceitará soluções autoritárias, mas insistem em uma terceira via que de terceira não tem nada, é apenas o mesmo do mesmo. Nunca se falou tanto em terceira via, mas são incapazes de apresentar um nome viável.

É cômico se não trágico, pois lhes falta um Ulysses Guimarães para conduzir o processo. Não contam com lideranças notórias que alcancem os dois dígitos nas pesquisas pré-eleitorais. Contam com mediocridades de oportunistas como Aécio Neves, João Dória ou com o vetusto Fernando Henrique. Procuram astros da televisão achando que com a notoriedade deles possam conseguir votos.

Contam com uma mídia que critica o governo pelo pouco que avançou na agenda neoliberal de acabar com as estatais e na desregulação da economia.

Que frustração!

Por outro lado, Lula, do PT, desde 1989, perdeu três eleições, ganhou duas, reelegendo-se e ainda mais duas, elegendo Dilma. Ganharia mais uma se competisse em igualdade de condições em 2018. Essa eleição lhe foi roubada, não só a ele e ao PT, mas à toda a nação brasileira, que tinha o direito de votar em quem quisesse. Lula tem, portanto, todo o direito de disputar em 22. A Nação lhe deve isso como uma reparação.

Os Tribunais Judiciais e Eleitorais têm de fazer o mea culpa. São responsáveis pela farsa eleitoral de 2018. Havia um general atuando como assessor do presidente do STF e foi em obediência aos comandantes das forças armadas que o STF manteve Lula fora da eleição.

Cannabrava | Brizola e Vargas se contorcem na tumba: o PTB virou a latrina da história

Uma possível terceira via, a verdadeira, passa por eles. Sem o Bolsonaro e as forças armadas na disputa, desfaz-se ad nutum a polarização. Qualquer poste servirá de segundo e de terceiro nome para uma disputa eleitoral em igualdade de condições para todos os candidatos.

O grande problema para a eleição de 2022 é o governo militar de ocupação. Eles planejaram a captura do poder e estão planejando a permanência à perpetuidade. Assim são os planos de guerra.

Só o peso do povo nas ruas muda isso. Isso é o quê? A vitória eleitoral através da fraude — farsa judicial tal qual fizeram em 2018. Por isso é imperativo derrubar o governo, não impichar Bolsonaro, mas derrubar todo o governo para que não sejam os militares a presidir o processo eleitoral. Há que repetir isso à exaustão. 

Michel Temer, o ilegítimo, assumiu o poder depois do golpe contra Dilma, um especialista em impeachment, já deu o veredito: em ano de eleição impeachment é brutal. Não é solução para crise. De fato, não é. Tem que tirar o governo inteiro, anular a eleição ilegítima de 2018, mandar os militares de volta para os quartéis.

Paulo Cannabrava | Militares estão se preparando para continuar no poder com ou sem Bolsonaro

Há quem diga que o capitão Bolsonaro está doente, sem condições de continuar no cargo. As vísceras o levarão de novo ao hospital e pode ser viagem sem volta. Por isso apela. Quer consolidar sua história como mito. O show que deu em Nova York corrobora com a imagem do mito.

Convenhamos, pautou a nossa mídia e inclusive a mídia estadunidense. Não há precedente de presidente algum a ter tanta mídia nos Estados Unidos. No Brasil só se fala nisso. Contudo, na calada da noite nos brindaram com nova lei de segurança e com a recriação do aparato do antigo SNI. A Abin é hoje uma réplica do SNI com ramificações em todos os órgãos públicos.

Com ele fora do pleito, acalma os representantes do PIB e da sociedade organizada, e a transição será conduzida por Mourão e os 15 generais para garantir a vitória eleitoral em 2022.

Observa-se que Mourão tem agenda própria, encontro com políticos, eventos com empresários, artigos publicados na mídia, boa acolhida dos meios de comunicação. Caso Bolsonaro renuncie ou morra, ou simplesmente seja impichado, Mourão assume com um discurso a satisfazer os “tércios” e os “nem-nem”, os empresários e os financistas preocupados com que Guedes não está cumprindo com a agenda prometida: mais privatizações, mais desregulações. 

Cannabrava: No Planalto, governo atua para destruir Estado brasileiro

Com um ano de governo e propaganda esperam mudar a cena política e os resultados das pesquisas. Asseguram também que sejam as forças armadas a presidir as eleições. Um grande trunfo. Afinal, se imporá o discurso: Lula é ladrão, Lula é comunista, vamos livrar o país do socialismo como fizemos em 2018.

Sobre Lula, observando sua trajetória desde os anos 1970, não é nem nunca foi revolucionário. Era anticomunista, anti-getulista, anti-brizolista, domesticou o movimento sindical. O resultado está aí. Pulverizado em 14 centrais sindicais. Foi incapaz de deter o desmonte dos direitos trabalhistas e do próprio movimento sindical. 

Porém, Lula é o que temos. Ter vivido intensamente essa última década o transformou para melhor. Só tinha que evoluir e evoluiu. Agora se reconciliou com Vargas e se deu conta de que por trás de todas as manobras para liquidar com ele politicamente estavam os Estados Unidos. A consciência anti-imperialista é fundamental para entender o Brasil. Essa consciência anti-imperialista faz dele um novo homem, capaz de entender que a luta é de libertação nacional. 

A frente de salvação nacional é uma frente ampla. Nela cabem todos os democratas, anti-imperialistas e antifascistas.

Cannabrava | Enquanto mídia diz que Lula não é democrata, Centrão se articula para formar mega partido e reeleger Bolsonaro

Lula quer voltar ao poder e tem todo o direito de querer. Quer governar para os pobres. Isso já basta como bandeira desde que associada à recuperação da soberania e construção da independência.

Mas, como vimos, a conjuntura não é para paz e amor. É uma conjuntura beligerante. O povo precisa de quem lhe diga a verdade. As manifestações de ruas têm que ter o foco correto: mandar os militares de volta para os quartéis antes das eleições.

Há uma nova convocação para o povo ir às ruas no dia 2 de outubro. Milhões de famílias estarão chorando os mais de 600 mil mortos pela Covid, consequência da necropolítica do governo. É correto associar os mortos à necessidade de derrubar o governo. Se cada família que perdeu um de seus membros pela pandemia for às ruas bateremos recorde de mobilização.

Paulo Cannabrava Filho é editor da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Paulo Cannabrava Filho Iniciou a carreira como repórter no jornal O Tempo, em 1957. Quatro anos depois, integrou a primeira equipe de correspondentes da Agência Prensa Latina. Hoje dirige a revista eletrônica Diálogos do Sul, inspirada no projeto Cadernos do Terceiro Mundo.

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