No Brasil, a Covid-19 se espalhou mais rapidamente que na Europa no primeiro mês de epidemia, e o aumento do número de casos de síndrome respiratória aguda grave (SRAG) entre pessoas de baixa renda indica uma possível subnotificação da doença no país.
As conclusões são de um estudo que analisou as características epidemiológicas e demográficas da epidemia, coordenado pelo Centro Brasil-Reino Unido de Descoberta, Diagnóstico, Genômica e Epidemiologia de Arbovírus (CADDE).
Os resultados da pesquisa, que teve a participação de pesquisadores da USP e de outras instituições de pesquisa brasileiras e britânicas, são apresentados em artigo publicado na Nature Human Behaviour.
“O estudo avaliou três bases de dados oficiais de notificação de casos de Covid-19 durante os três primeiros meses da epidemia no Brasil, entre março e maio”, afirma o pesquisador William Marciel de Souza, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, primeiro autor do artigo.
“Com estas bases de dados buscou-se analisar possíveis fatores que possam ter contribuído para que o Brasil se tornasse o segundo país no mundo com maior número de casos e mortes confirmados.”
Com base no histórico de viagens dos pacientes no primeiro mês de epidemia, a pesquisa mostra que os casos importados foram adquiridos principalmente nos Estados Unidos (28,6%), Itália (24,4%), Reino Unido (10,5%) e Espanha (8,3%).
“As primeiras notificações da Covid-19 foram registradas nos maiores centros populacionais do País, como São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, que possuem aeroportos internacionais, que foram provavelmente a porta de entrada do vírus por aqui”, explica o pesquisador.
“Em seguida, observou-se a disseminação da doença para municípios do interior do Brasil.”
Os pesquisadores também calcularam o número básico de reprodução, também conhecido como R0, usado para descrever a transmissibilidade de um determinado patógeno no início da epidemia.
“Com base nesse cálculo, foi comparado o R0 para o Brasil e outros países muito afetados pela Covid-19, como Espanha, França, Reino Unido e Itália”, afirma Marciel de Souza. “Observou-se que, no Brasil, duas pessoas infectadas transmitiam o vírus para outras seis, e nos países europeus, duas pessoas transmitiam para outras cinco. Este resultado indica que a epidemia no Brasil foi mais acelerada no primeiro mês.”
Foto: Montagem sobre Peter Ilicciev/Fiocruz e gráfico de Reprodução/Revista Nature
Estudo mostra que no primeiro mês de epidemia, a Covid-19 se espalhou mais rápido no Brasil do que na Europa; casos de síndrome respiratória
Possível subnotificação
O estudo mostra um aumento de 2,3 vezes nos casos de SRAG com origem desconhecida, em comparação com os casos confirmados de Covid-19 desde a introdução do vírus no Brasil. “Em seguida, avaliou-se se as diferenças socioeconômicas estavam relacionadas com este resultado”, relata o pesquisador.
“Para isso, foi feita uma análise geoespacial na região metropolitana de São Paulo, que incluiu a geolocalização dos casos de Covid-19 e comparou com a renda média das pessoas de acordo com sua região censitária (do censo demográfico).”
Os pesquisadores observaram que as pessoas que recebem diagnóstico de Covid-19 vivem em regiões censitárias com renda mais elevada que as diagnosticadas apenas com SRAG no primeiro mês da epidemia no Brasil.
“O resultado sugere que o número de casos notificados pode estar substancialmente subestimado, particularmente em regiões de menor nível socioeconômico”, ressalta Marciel de Souza.
De acordo com o pesquisador da FMRP, o estudo fornece informações sobre as características epidemiológicas e demográficas da Covid-19 no Brasil. “Estas informações podem ser subsídios importantes para a tomada de decisões dos responsáveis de saúde pública”, aponta.
“A pesquisa mostra uma necessidade urgente de diagnóstico universal, rastreamento dos contactantes e medidas coordenadas de distanciamento social para conter a transmissão de vírus.”
A pesquisa é uma iniciativa do CADDE e contou com um equipe multidisciplinar de virologistas, epidemiologistas, clínicos, sociólogos e estatísticos de instituições brasileiras (USP, Ipea, UFMG, Fiocruz, UFGD, Famerp) e estrangeiras, como a Universidade de Oxford e o Imperial College London (Reino Unido).
O trabalho foi desenvolvido com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e apoio das agências de financiamento internacional britânicas MRC e Wellcome Trust.
Os resultados do estudo são descritos no artigo Epidemiological and clinical characteristics of the COVID-19 epidemic in Brazil, publicado na Nature Human Behaviour em 31 de julho.
Júlio Bernardes | Jornal da USP
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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