Pesquisar
Pesquisar

Com desmonte da Unasul, integração da América do Sul sofre mais um golpe

Revista Diálogos do Sul

Tradução:

O presidente do Equador, LenÍn Moreno, foi vice do ex presidente Rafael Correa e agora é seu desafeto, segue atuando na linha da destruição de tudo que foi feito de bom no governo de Correa e tem se apressado em apagar também todos os rastros da ligação do país com o bolivarianismo.

Elaine Tavares*

O presidente do Equador LenÍn Moreno foi vice de Rafael Correa e agora é seu desafeto.

Já deu claros sinais de que está tramando contra Julian Assange, asilado na embaixada do país em Londres, primeiro impedindo-o de se manifestar nas redes e depois retirando a segurança da embaixada. Essa movimentações estão provocando mais uma campanha mundial em favor da liberdade do criador da Wikileaks, visto que a probabilidade de Moreno tramar com os Estados Unidos sua extradição é cada vez mais possível.

Mas, seu golpe mais ousado foi a decisão de fechar as portas da sede da Unasul, construída em Quito, e entregar o prédio para os indígenas constituírem ali a sede da Universidade Intercultural. Um golpe de mestre, eu diria, pois, ao mesmo tempo em que apaga da vida do país a possibilidade de continuação dessa ideia tão poderosa criada por Hugo Chávez, de união sul-americana, estreita os laços com um dos setores que mais foi maltratado durante a gestão de Rafael Correa.

Os indígenas e suas entidades de representação tiveram grandes batalhas travadas durante o governo de Correa. Apesar de ele ter sido eleito na esperança de fazer caminhar o “bem-viver”, um conceito indígena que está inclusive plasmado na Constituição, os embates travados com os povos originários por conta da liberação da mineração foram violentos e marcaram o abandono do apoio indígena ao seu projeto de governo. A lei de mineração e a lei da educação foram fontes de muitos conflitos. E, como os índios se levantaram em protesto, o presidente Correa acabou aplicando duros reveses. Um deles foi impedir o funcionamento da Universidade Intercultural Amawtay Wasy, que vinha se destacando como importante espaço de formação indígena. Foi uma decisão que não encontrou perdão.

Por conta dessas batalhas e pela incapacidade de Correa em trabalhar com os indígenas, inclusive realizando campanha contra suas lutas, acusando-os de ser parte do jogo da direita, os históricos movimentos dos originários foram se afastando e fortalecendo a oposição à Correa.

Com a eleição de Lenín Moreno os indígenas retomam seu espaço. O governo tem sido pródigo em reuniões e negociações, buscando atrair os movimentos para sua órbita. De certa forma Moreno está sendo muito mais eficaz na relação com os movimentos indígenas porque aparentemente respeita as lideranças e considera suas demandas. Tanto que nomeou um ex-presidente da emblemática Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador (CONAIE), Humberto, Cholango,  como Secretário da Água, uma pasta estratégica para os indígenas.

Mas, se o governo consegue abrir espaços para as reivindicações históricas dos indígenas, tem sido pródigo também em colocar por terra a ideia central que comandou a grande política ou a política externa do Equador de Correa: a proposta da unificação latino-americana, ou o sonho de Bolívar de Pátria Grande. Lenín Moreno tem demonstrado que pretende fazer sumir todas as pegadas desse sonho, que assomou nos anos 90. Daí essa simbólica decisão de entregar o prédio da Unasul aos indígenas.

A crítica que chega de vários pontos do continente latino-americano não tem a ver com racismo, como apontou Humberto Cholango. A sede da Unasul tem uma simbologia poderosa nessa ideia de união do continente. Apagá-la é tomar posição pela separação, pela continuidade da fragmentação que se deu após a traição a Bolívar em 1830. Balcanizar a América Latina para melhor controlar.

O presidente insiste que a ideia da Unasul falhou e, portanto, não vai mais pactuar com ela. Mas a ideia não falhou, ela vem sendo atacada de maneira sistemática pelo império estadunidense com o apoio de pessoas como ele, o presidente da Argentina, Macri, e o presidente do Brasil, Temer. Portanto, o que causa indignação não é que ele tenha decidido doar o prédio para a universidade indígena, mas sim que ele tenha abandonado a proposta de integração, preferindo aliar-se aos velhos inimigos de sempre da América Latina, como é o caso dos Estados Unidos. Obviamente que isso se cristaliza na entrega do prédio que foi construído para simbolizar essa proposta integradora dos povos.

Os movimentos indígenas do Equador tem se mostrado bastante indignados com as críticas  e alegam que têm o mesmo direitos que qualquer equatoriano de desfrutar do que chamam de “luxo” do prédio da Unasul. Mas, talvez não tenham se dado conta de que a entrega do prédio é só a aparência imediata de uma proposta muito mais profunda.

O fato é que Correa não conseguiu estabelecer uma relação de respeito com os povos originários do Equador, acusando-os de comporem as forças conservadoras. E, aos indígenas, o debate sobre direita ou esquerda, neoliberalismo ou pátria grande, pouco se lhes diz. Durante esses 500 anos de invasão ou se tentou o extermínio ou a integração ao mundo ocidental burguês sem qualquer preocupação com a suas culturas. Por isso, talvez, agora, eles também não se importem muito com o diálogo ou com a Unasul.

É certo que a comunicação com os indígenas sempre foi truncada, mas também é fato de que no mundo capitalista jamais será dado aos povos originários o direito de viverem conforme suas culturas. Ou eles se inserem no processo de produção de mercadorias ou serão engolidos. Essa é uma reflexão que cabe tantos aos movimentos de esquerda da América latina quanto aos indígenas. Há muito em comum entre o sonho socialista e o bem viver. E essas devem ser as parcerias.

Aos socialistas seria necessária uma melhor compreensão do mundo indígena e aos indígenas caberia conhecer com mais profundidade o projeto socialista. Talvez aí pudesse realmente haver um encontro que confluísse para um mundo de justiça. Mas, no capitalismo, o mundo indígena jamais será levado em conta. Os capitalistas querem as terras originárias e querem transformar os indígenas em trabalhadores assalariados. Esse é o plano. Nada mais, nada menos. Se para atrair a confiança for necessário ceder alguns anéis, isso será feito. Vem sendo feito desde a conquista.

Nesse sentido, a decisão de Moreno sobre o prédio da Unasul deveria ser pensada nesses termos. Ele não está apenas entregando um prédio bonito. Está sepultando uma ideia.

Que os povos originários aceitem o prédio posso compreender. Mas, nos meus mais visionários sonhos, gostaria que eles pudessem também compreender que ao gritarmos contra o apagamento dessa ideia não estamos gritando contra eles, nem sendo racistas, nem achando que eles não merecem um prédio tão lindo. Pelo contrário. Possivelmente ali dentro, onde foram sonhados tantos sonhos de unificação e pensada com tanta força a generosa proposta de cooperação e socialismo, eles possam encontrar inspiração para uma aliança com as forças progressistas, que são as únicas que poderão avançar para um mundo onde eles não sejam carta fora do baralho.

No caminho muitos erros são cometidos, os cometeu Correa. Mas o sonho socialista não pode ser reduzido aos erros de alguns.

Original em: http://www.iela.ufsc.br/noticia/o-equador-e-o-apagamento-da-unasur


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Revista Diálogos do Sul

LEIA tAMBÉM

Equador derrotará Estado de exceção que agrava arrocho neoliberal”, afirma sindicalista
“Equador derrotará Estado de exceção que agrava arrocho neoliberal”, afirma sindicalista
Marco Rubio como chanceler de Trump é prenúncio de novos conflitos e golpes na América Latina
Novo chanceler de Trump, Marco Rubio é prenúncio de novos golpes na América Latina
Haiti denúncias por violência sexual contra menores aumentam 1000% em 2024
Haiti: denúncias de violência sexual contra menores aumentam 1000% em 2024
Argentina Milei aplica desmonte no exército em meio a crise com vice-presidenta
Argentina: Milei aplica desmonte no exército em meio a crise com vice-presidenta