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ToggleO Brasil vive neste momento uma escassez de imunizantes para o novo coronavírus, consequência de equívocos em logística que têm comprometido a vacinação.
O primeiro desses erros foi ter apostado todas as fichas numa única vacina, a do Laboratório AstraZeneca, da Universidade de Oxford, que acabou atrasando a importação do Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA). Faltou planejamento integrado, que teria antecipado todos os cenários possíveis, inclusive os mais catastróficos, o que daria ao País um leque de possibilidades para contornar a crise atual. É o que apontam especialistas ao Jornal do Engenheiro.
Atuando há 15 anos nesse segmento, sendo os últimos seis como gerente no setor farmacêutico, Eder Frois explica: “Existem quatro grandes macroprocessos na logística: compra, produção, distribuição e logística reversa. Um quinto processo integra todos esses, que é o planejamento integrado.”
Mestrando do Programa de Engenharia de Produção e Manufatura da Faculdade de Ciências Aplicadas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), ele considera um “erro grave” o Brasil não ter efetivado a compra das vacinas no momento em que os fabricantes sinalizaram com resultados positivos nas primeira e segunda fases de testes clínicos, entre julho e agosto de 2020.
“Tão importante quanto o desenvolvimento da vacina é fazer com que ela chegue à população. Antes da parte operacional, deveria ter ocorrido o planejamento”, reforça o especialista em análise de processos logísticos.
O médico sanitarista Gonzalo Vecina Neto, ex-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), ratifica que assumir o compromisso de aquisição naquele momento era um risco necessário. “Ninguém comprou vacina sem no mínimo saber como estavam os primeiros resultados. Em geral, quando as fases 1 e 2 dão certo, já é um indicativo que a fase 3 também dará”, aponta ele, que é professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP).
No Brasil, Instituto Butantan e Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), respectivamente dos governos estadual e federal, correram esse risco ao assinarem acordos de compra de IFA e de troca de tecnologia, prevendo envase do insumo e produção local. O primeiro apostou na Coronavac, do laboratório chinês Sinovac Biotech, e o segundo, na do Laboratório AstraZeneca, da Inglaterra.
Atraso e desorganização
No País, estão sendo vacinadas em média 250 a 300 mil pessoas por dia. Número inexpressivo, se comparado a campanhas nacionais. Em 2010, na imunização contra o vírus H1N1, foram 100 milhões de pessoas em três meses. Em 2020, vacinaram-se quase 80 milhões contra a gripe, também em um trimestre. Uma média de 1 milhão ao dia.
Agravante em meio à pandemia são os adiamentos e recusas feitos pelo Ministério da Saúde (MS). Seu Plano Nacional de Imunização de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19, publicado em 16 de dezembro último, já está na quarta edição, sofrendo diversas modificações. A principal delas diz respeito à disponibilização das vacinas, espinha dorsal do plano.
Isso porque o Ministério segue em negociação com diversas farmacêuticas, sendo elas Janssen, Moderna, Gamaleya, Pfizer, Sputnik V, dentre outras. Ainda assim, a Campanha Nacional de Vacinação contra a Covid-19 teve início no dia 18 de janeiro de 2021.
No plano, o MS prevê obter 350 milhões de doses para o ano, sendo 102,4 milhões até julho próximo e mais 110 milhões (já em produção nacional) entre agosto e dezembro da vacina proveniente da parceria da Fiocruz com o laboratório de Oxford. Também conta com 46 milhões de doses da Coronavac no primeiro semestre deste ano e 54 milhões no segundo semestre.
Na primeira versão do plano havia previsão de que o Brasil receberia 70 milhões de doses da Pfizer-BioNTech, cujo registro definitivo foi dado somente em 23 de fevereiro pela Anvisa, a qual estendeu a autorização para importação às clínicas privadas. Na atual situação emergencial, o Sistema Único de Saúde (SUS) deve usar inclusive as que não forem adquiridas diretamente pelo governo, de acordo com a Constituição Federal.
Naquele momento inicial, o governo brasileiro recusou a remessa, alegando falta de garantias. A Pfizer fez uma segunda oferta de 2 milhões de doses. No entanto, o MS divulgou nota em 23 de janeiro afirmando ter novamente recusado, desta vez por ser pouca quantidade, o que “causaria frustração em todos os brasileiros”. O total, porém, é exatamente o mesmo que foi importado da AstraZeneca.
Devido à falta de vacinas, o Brasil precisou recorrer ao Covax Facility, consórcio de nações ricas, liderado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), para ajudar países em situação de vulnerabilidade econômica e social como Nigéria, Congo e Haiti. Segundo o governo federal, serão disponibilizadas 42,5 milhões de doses, sendo 10 milhões até julho. Mais 20 milhões foram negociadas para obtenção da Covaxin, da Precisa Medicamentos, em parceria com o laboratório indiano Barat Biotech.
O governo brasileiro também recusou lotes maiores que foram ofertados pelo Butantan no ano passado. O primeiro ofício encaminhado à pasta, em 30 de julho de 2020, propunha 60 milhões de doses de vacinas prontas para entrega ainda em 2020 e 100 milhões para 2021, conforme afirmado pelo diretor do instituto, Dimas Covas, em coletiva de imprensa no dia 19 de fevereiro último.
Mau uso do sistema
“Nesse ritmo atual, vamos levar mais de quatro anos para vacinar toda a população alvo da campanha. Temos um sistema eficiente na cadeia logística da imunização, reconhecido internacionalmente, poderíamos ter feito melhor uso”, diz Frois, referindo-se ao Programa Nacional de Imunização (PNI), criado pelo governo federal em 1973.
Até agora, as vacinas só podem ser aplicadas em pessoas maiores de 18 anos, já que não foram feitos testes em crianças, adolescentes e gestantes. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), esse grupo soma 159,1 milhões de brasileiros.
O PNI viabiliza a logística de aproximadamente 300 milhões de doses dos 47 imunobiológicos distribuídos anualmente, segundo dados do Ministério da Saúde. A rede conta com uma central nacional, 27 estaduais, 273 regionais e aproximadamente 3.342 municipais, além de 38 mil salas de imunização, que podem se ampliar para 50 mil, e 52 Centros de Referência para Imunobiológicos Especiais (Crie).
Alguns desses centros nas capitais teriam capacidade de se estruturar rapidamente para receber por exemplo a da Pfizer-BioNTech, que exige um armazenamento a menos 70 graus celsius. É o que afirma a epidemiologista Carla Domingues, que coordenou o PNI de 2011 a 2019.
Além disso, a fabricante desenvolveu um contêiner pequeno que mantém a vacina por até 30 dias com gelo seco, que precisa ser reposto. Depois desse período, a vacina pode ficar em uma geladeira comum, de dois a oito graus celsius, por até cinco dias. Com isso, os grandes centros urbanos poderiam usar as vacinas da Pfizer. As da AstraZeneca e Coronavac, armazenadas em geladeira comum, seriam enviadas para regiões afastadas.
Outra medida que poderia ter dado agilidade e confiabilidade neste momento seria um pré-cadastro bem feito, que coibiria os fura-filas e evitaria o desperdício, como vem ocorrendo em cidades como Rio de Janeiro, que, por falta de um planejamento diário na convocação do público-alvo, perdeu doses da vacina da AstraZeneca, que vem numa ampola de 10ml e só pode ser aplicada até seis horas após aberta.
As vacinas em geral possuem duas doses, têm tempos de intervalo diferentes e não são intercambiáveis. Ou seja, é preciso ainda ter o cuidado de fazer o registro nominal para garantir que a pessoa, quando retornar ao posto, tome a mesma vacina. Uma medida simples que facilitaria esse controle teria sido o envio de doses de um mesmo fabricante.
Outras estratégias
Domingues é categórica: “Para ter celeridade diante dessa situação pandêmica, precisaríamos vacinar entre 1,5 milhão e 2 milhões por dia.”
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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