Pesquisar
Pesquisar

COP27: desafiar mudança climática inclui lutar contra estrutura da própria cúpula

Conferência avançou na criação de um fundo de perdas e danos para países vulneráveis, mas deixou estagnadas medidas para descabornização

Nilma Bentes
Combate Racismo Ambiental
São Paulo (SP)

Tradução:

Falar de Mudanças Climáticas Globais (MCG) implica, basicamente, envolver os temas Aquecimento Global (AG) e Efeito Estufa (EE), sendo que este, como se sabe, é a capacidade natural de a atmosfera reter calor (necessário para nosso viver), e que aquele (AG), resulta da intensificação da emissão de gases de Efeito Estufa (principalmente CO2 – gás carbônico e CH4-gás metano).

A intensificação das emissões, para muitas pessoas ligadas às pesquisas, tem causas tanto naturais (oceanos; vulcões, que liberam enorme quantidade de CO2; inclinação do eixo da Terra, este bem discutível, etc.), e por ações humanas: produção de lixo; monoculturas agrícolas (soja, dendê e outras, com forte uso de agrotóxicos); pecuária (extensiva); extrativismo (vegetal, animal e mineral); queima de combustíveis fósseis, desmatamentos, queimadas, hidrelétricas e outras ações.

As consequências danosas do Aquecimento Global são principalmente: aumento da temperatura, aumento do nível dos oceanos, de derretimento de geleiras, de tornados, furacões, tufões, ciclones, secas em alguns lugares e inundações em outros. Conseguir que a meta de aquecimento não ultrapasse a 1,5 ºC está sendo o desafio maior, até porque os países-potências mundiais capitalistas têm seus interesses e querem manter suas posições. Esse tema quase não avançou, até porque mais de 600 lobistas ligados a defesa de combustíveis fósseis atuaram intensamente nessa COP – Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, versão 27.[1]

Sem governança global contra crise climática, COPs seguirão produzindo “blá, blá, blá”


Egito – Sharm el Sheikh

Penso ter fundamentos as críticas ligadas à escolha do local dessa COP27, uma vez que, entre outros aspectos, por informações, soube-se que o atual governo do Egito mantém cerca (ou mais) de sessenta mil presos políticos; que a cidade Sharm el Sheikh é uma cidade montada num deserto (há menos de 40 anos; dita por alguns como cidade – Disney), para fins turísticos[2]. Além de incluir acesso ao Monte Sinai (da bíblia: onde Moisés recebeu a tábua dos 10 mandamentos), fica às margens do Mar Vermelho (da bíblia: onde águas foram separadas por Moisés), tendo fortes investimentos euro-estadunidenses na rede de resorts luxuosos e nas inúmeras atrações turísticas. Cidade ostentação, com investimentos de grandes empresas como Coca/Pepsi Cola, Lamborghini , Novo Hotel/Ibis. Ou seja, muito longe do que se pensa sobre um Egito dos desertos e de religião muçulmana.

Conferência avançou na criação de um fundo de perdas e danos para países vulneráveis, mas deixou estagnadas medidas para descabornização

Foto: COP27
Caso próxima COP seja na Amazônia, é de se esperar que a participação seja maior que os 20 mil participantes sinalizados no Egito




Contradições, certos problemas e avanços explícitos

Enormes galpões com paredes de material tipo Duratex, fortemente climatizados por sistema de refrigeração gigante; todos os espaços acarpetados, inclusive as praças abertas. Os estandes de cada país (inclusive os espaços oficiais do Brasil), super luxuosos, iluminação colorida e dinâmica, móveis de alta qualidade – para alguns países do Oriente Médio, mais amplos e luxuosos.

O espaço de Informações localizado em lugar de difícil acesso; espaços mais confortáveis que outros, sinalizando uma certa hierarquia social. Forte assédio sexual à mulheres tidas como bonitas [3]. Censura fortíssima: para serem realizadas ações de protestos, havia exigência de se preencher formulários e ser em local determinado pela organização da COP.

Com muito esforço e mesmo por pouco tempo, consegui dar alguma visibilidade aos pequenos banners que levei, com as frases (em inglês): “Metade da humanidade são mulheres e a outra metade são filhos delas” (muito fotografada e elogiada por mulheres); “Diga não ao racismo, inclusive ao racismo ambiental” ; “Amazônia: Desmatamentos e Queimadas Zero” . Segundo informações, essa COP27, talvez por sua própria localização, foi a que teve maior presença de africanos subsaarianos (negros-pretos).

Em muitas avaliações, não houve avanços significativos do ponto de vista geral: “o documento da Conferência não avança na descarbonização e na transição energética”[4][5]


Brasileiras, brasileiros, o Brasil-Lula e Amazônia

Ao contrário do espaço oficial[6], o espaço/estande/hub do Brasil ligado à sociedade civil, montado e coordenado pelo ICS – Instituto Clima e Sociedade, IPAM – Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia e Instituto ClimaInfoesteve bem movimentado diariamente[7], com bons debates – deve ser lembrado que Conferências são espaços de decisões oficiais, onde a sociedade civil, praticamente, só pressiona.

Patrocinada por multinacionais e em país hostil a ativistas, qual a credibilidade da COP27?

Parte da sociedade servil estava na delegação oficial, sendo que alguns se disseram lá, por obrigação e, certamente, houve presença de bolsorentos/bolsonarentos/boisorentos fanáticos; sabe-se que a maior parte da sociedade servil só o é por falta de informação política, diferente da citada ala nazi-fascista lá presente. Penso que Lula da Silva acerta ao insistir que a ONU sofra modificações e que o Conselho de Segurança não fique só com os países vencedores da 2ª Guerra Mundial.

Como de costume, pessoas ativistas indígenas e negras estiveram em número bem reduzido, mas tentaram exercer algum protagonismo efetivo; a juventude periférica (Thuane Nascimento, jovem negra do Perifa Conection), fez uma forte e bela fala no encontro com Lula da Silva, o qual sinalizou positivamente, porém se sabe que como o leque de alianças foi muito aberto, imagina-se que poderá fazer uma gestão na corda bamba.

Entretanto, os movimentos indígena e negro não devem recuar em suas demandas – a população negra que costuma ser só Geni e o Zepelim[8]. A Coalizão Negra por Direitos (Douglas Belchior também fez uma fala forte), a AMNB – Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras, a Rede Fulanas NAB – Negras da Amazônia Brasileira e outras organizações negras, devem lutar firmemente para garantir avanços no combate às desigualdades sócio-raciais, de gênero e outros segmentos discriminados.

O estande do Consórcio de governadores da Amazônia também foi muito frequentado inclusive por indígenas e quilombolas – Érica Monteiro, da Malungu/CONAQ, teve muito boa participação, assim como Puyr Tembé. Penso ser absolutamente necessário impedir que empresas ligadas ao mercado de crédito de carbono continuem com o forte assédio que têm feito sobre comunidades quilombolas e indígenas. Também deve ser estabelecido que as grandes empresas, o que inclui multi-transnacionais extrativistas e do agronegócio, não só eliminem as externalidades negativas às populações e ambiente amazônicos.

COP27: Maduro propõe cúpula com Lula e Petro para retomar defesa da Amazônia

Infelizmente, a Lei Complementar N. 87, de 13 de setembro de 1996, faz isenções danosas: “A Lei Kandir é uma lei proposta durante o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, pelo então deputado federal Antônio Kandir, o qual deu nome a lei. Foi publicada no dia 13 de setembro de 1996 e entrou em vigor em 01 de novembro do mesmo ano. Ela isenta do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) as exportações de produtos primários e semielaborados, ou seja, não industrializados”[9]

No estande do Consórcio, estiveram o presidente eleito Lula da Silva e sua esposa. Lula foi muito bem recebido em todos os espaços. Nas ações dos governadores da Amazônia, foi nítida a liderança do governo do Pará, Helder Barbalho, o qual – tudo indica, apoiado pelo senador Randolfo Rodrigues – propiciou a que o presidente eleito Lula da Silva informasse que iria pleitear que a Amazônia seja sede da COP30 (2025).

Apesar de não se saber em qual estado deverá ser realizada (se aprovada a proposta), espera-se que o Pará seja escolhido. Em qualquer estado que possa vir a ser, certamente, será um desafio enorme (de logística, sobretudo, e para que algumas instalações não virem elefante branco), pois, segundo dizem, o nome Amazônia, em termos de publicidade só perde para a Coca-Cola; então, é de se esperar que a participação possa ser maior que os 20 mil participantes sinalizados em Sharm el Sheikh.

Referências:
[1] ONU – Organizações das Nações Unidas
[2] Pode parecer estranho que em países desérticos haja necessidade de importação/exportação de areia, havendo já alertas para crises de abastecimento de areia https://brasil.elpais.com/brasil/2018/05/14/eps/1526299463_273121.html
[3] Vereadora Tainá de Paula (RJ) foi uma das vítimas
[4] https://www.tnc.org.br/conecte-se/comunicacao/noticias/cop27-final-acordo-perdas-e-danos/
[5] https://www.tnc.org.br/conecte-se/comunicacao/noticias/cop27-final-acordo-perdas-e-danos/
[6] Estandes do governo federal meio vazios e o fato do Sr. Joaquim Leite (ministro do Meio Ambiente) ter ido fazer mergulho recreativo no momento de decisões importantes, sinalizaram o pouco interesse oficial nessa COP27
[7] Pelo menos nessa 2ª semana de COP27
[8] No sentido de ser usada e descartada
[9] https://www.fazcomex.com.br/exportacao/lei-kandir/

Nilma Bentes | Combate Racismo Ambiental
Belém-Pará-Amazônia Brasil
25 de novembro de 2022


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

Assista na TV Diálogos do Sul


Se você chegou até aqui é porque valoriza o conteúdo jornalístico e de qualidade.

A Diálogos do Sul é herdeira virtual da Revista Cadernos do Terceiro Mundo. Como defensores deste legado, todos os nossos conteúdos se pautam pela mesma ética e qualidade de produção jornalística.

Você pode apoiar a revista Diálogos do Sul de diversas formas. Veja como:


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

Nilma Bentes

LEIA tAMBÉM

Ecoansiedade como devastação climática impacta saúde mental na América Latina
Ecoansiedade: como devastação climática impacta saúde mental na América Latina
O Presidente Jair Bolsonaro esteve em Sertânia (PE), na manhã desta sexta (19), para participar da cerimônia de acionamento das comportas do 1º trecho do Ramal do Agreste
PPP para administrar canais do São Francisco é privatização disfarçada, aponta Roberto Malvezzi
Gigante verde como México pode se tornar campeão global de indústria renovável
Gigante verde: como México pode se tornar campeão global em indústria renovável
Em 10 anos, 8 em 10 assassinatos de ambientalistas no mundo foram na América Latina
Em 10 anos, América Latina foi palco de 8 em 10 assassinatos de ambientalistas no mundo