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Nacionalismos de direita ameaçam democracias: só 4% têm liberdades garantidas

O multilateralismo não é só “uma opção que é bom ter”, mas sim uma necessidade, que determinará a sobrevivência e o bem-estar das futuras gerações
Thalif Deen
IPS
Nova York

Tradução:

O constante deterioro do multilateralismo, somado ao crescimento do unilateralismo, põe em risco as democracias, e especialmente a liberdade de imprensa, a governança global, a participação cívica e os direitos humanos na Ásia, África, América do Sul e Oriente Médio. 

As ameaças, diretas ou indiretas, são produto do surgimento do nacionalismo de direita nos Estados Unidos, que se reflete em exaltados discursos patrióticos procedentes de distintos países como Brasil, Filipinas, Hungria, Polônia, Áustria, Turquia, Birmânia (Myanmar) e Egito.

O secretário geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, declarou à imprensa em dezembro que o multilateralismo sofre ataques de diferentes setores, precisamente “quando mais o necessitamos”.

“Em diferentes áreas e por distintos motivos, a confiança dos cidadãos em suas instituições, a confiança dos Estados entre si e a confiança das pessoas nas organizações internacionais se desgastou e o multilateralismo está debaixo de fogo”, se queixou

Com a sociedade civil fará para sobreviver neste duro ambiente político em 2019?

IPS conversou com Lysa John, a nova secretária geral de Civicus, a aliança global de organizações da sociedade civil, com sede em Joanesburgo, sobre as perspectivas para o sector este ano.

“Por desgraça, no atual contexto político, os governos destroem décadas do trabalho realizado por cidadãos e líderes de todo o mundo com o fim de construir um marco efetivo para a cooperação global”, lamentou-se.

Em especial, mencionou a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris sobre mudança climática, de 2015, assim como do Conselho de Direitos Humanos da ONU, como “claro recordatório de que vivemos em um mundo em que os governos operam em um estado ativo de negação”. 

No mundo, há indignação com os governantes, inclusive de grandes países como o Brasil e a Índia, porque defendem os interesses das elites enquanto reduzem os dos cidadãos, assim como dos movimentos comunitários que trabalham para garantir a participação cívica e uma governança responsável, observou John, que trabalha também em temas de justiça social desde 1988. 

Há pouco tempo trabalhou com a organização Save the Children Internacional, onde foi diretora de campanha e estratégias de promoção, e antes havia encabeçado o setor de divulgação do Grupo de Alto Nível da ONU sobre a Agenda de Desenvolvimento posterior a 2015.

Ao ser consultada sobre como as organizações da sociedade civil enfrentarão a crescente tendência contra o multilateralismo, opinou que “as soluções aos novos e complexos desafios, como conflitos, mudança climática e desigualdade, estão muito interligadas”. 

“Necessitamos governos que adotem um enfoque de ‘um mundo’ que lhes permita combinar recursos de forma ativa, partilhar lições e redobrar as inovações para enfrentar as mudanças sociais, ambientais e econômicas que se desenvolvem com rapidez”, explicou.

Nesse contexto, o multilateralismo não é só “uma opção que é bom ter”, mas sim uma necessidade urgente, que determinará a sobrevivência e o bem-estar das futuras gerações. 

IPS: Quais serão os temas políticos e socioeconômicos fundamentais na agenda de Civicus para este ano?

Lysa John: 2019 começou com alguns sinais alarmantes para o surgimento do espaço global que reclamamos há um ano. 

No Brasil, o novo governo de (Jair) Bolsonaro ameaçou fechar as organizações de direitos humanos, enquanto no Zimbabwe, ativistas e organizações estão submetidos a um grau surpreendente de repressão e intimidação. 

Em geral, aumentam o bloqueio de Internet e o uso da violência como forma de silenciar o dissenso. Nesse contexto, continuará sendo uma prioridade assegurar-se de que os governos tomem medidas para proteger e ampliar o direito da cidadania global a se organizar e expressar sua discordância. 

No mundo, jornalistas e ativistas são os que mais denunciam de forma visível as falhas e as violações dos governos, o que os converte em alvos fáceis dos interesses que buscam mantê-los calados. 

Também seguiremos trabalhando para conectar, ampliar e fortalecer o grande trabalho que a sociedade civil faz em todo o mundo. 

Em um mundo hiper-conectado, é ridículo que os governos continuem usando leis e políticas arcaicas para reprimir o fluxo de conhecimento, a tecnologia e os recursos que podem ajudar milhões de pessoas que vivem na pobreza e sofrem discriminação para aproveitar os benefícios do desenvolvimento moderno.

Além disso, será uma parte importante do nosso trabalho deste ano garantir que os doadores e os Estados invistam em criar um ambiente propício para o trabalho da sociedade civil, onde ela possa ser a mais inovadora possível, diversa e responsável. 

Como o deterioro do multilateralismo impactará a sociedade civil e a Civicus em particular? 

Ali onde os governos não agem defendendo os interesses das pessoas comum, a sociedade civil tem que intervir e redobrar esforços. 

As organizações voluntárias se convertem na primeira linha de refúgio para as comunidades mais marginadas. 

Isso inclui ampliar a assistência vital para que possam fugir de conflitos violentos, lutar para mudar práticas e leis que perpetuam a discriminação contra comunidades tradicionalmente excluídas, ou atuar como primeira linha de defesa. 

Resulta perturbador que nesse contexto, muitos governos optem por aumentar a vigilância e criminalizar a sociedade civil, em vez de reconhecer e apoiar seus esforços tão necessários. 

Nossa pesquisa sobre o espaço cívico através do Monitor de Civicus mostra que os ataques contra a sociedade civil no mundo são comuns, como era de se esperar, e muitas vezes, graves. 

Na atualidade, só 4% da população mundial vive em países onde as liberdades de expressão, de associação e de reunião pacífica estão bem protegidas. 

Seis de cada 10 pessoas vivem em países onde há graves restrições ao espaço cívico. 

Sem os mecanismos nacionais e globais para proteger e ampliar as liberdades cívicas, a sociedade civil e as cidadanias de distintas partes do mundo ficarão mais vulneráveis.

Por isso é importante continuar lutando para proteger o multilateralismo atual, mas também para que nossas instituições sejam mais democráticas e inclusivas.

IPS de Nações Unidas especial para Diálogos do Sul

Tradução: Beatriz Cannabrava


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
Thalif Deen

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