Tom Lehrer, o grande satirista dos anos 1960, dizia que estava na moda falar incessantemente sobre a dificuldade de comunicação entre os seres humanos como o grande problema, e concluiu: “eu penso que se você não pode se comunicar, pelo menos cale-se”.
Ao observar o primeiro debate (ninguém quer pensar no segundo programado para setembro) entre os dois, por ora, principais candidatos presidenciais, não poucos rogavam que se calassem, mas continuavam ouvindo por morbo. O espetáculo foi doloroso para muitos anti-trumpistas que tiveram que sofrer o balbucio e articulação incoerente de quem supostamente ocupa o cargo mais poderoso do mundo (pelo menos, militarmente) e cuja razão para buscar a reeleição é porque assegura que ele é a melhor esperança para frear a ameaça que seu oponente representa à democracia estadunidense. Os fanáticos de Trump festejaram sua vitória, que na essência foi um triunfo da mentira e da mediocridade. Mas para muitos a reação mais comum foi: estes dois são o melhor que se pode oferecer neste país de mais de 300 milhões de habitantes?
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Outros não encontravam nem um pouco de humor no ocorrido, preocupados de que o desempenho patético do presidente Biden favorecia não só o retorno do bufão perigoso e ex-presidente, mas também ao projeto explicitamente neofascista que ele encabeça.
Parece que a cada dia há notícias do avanço da ultradireita neste país, o que não conseguiu contrariar com esse debate. Depois que o governo da Louisiana ordenou a exibição obrigatória dos 10 Mandamentos em cada sala de aula de suas escolas, na semana passada o superintendente de educação estadual de Oklahoma ordenou o ensino bíblico obrigatório em todas as instituições de ensino de seu estado. Enquanto isso, Trump vende, entre outras coisas, Bíblias (assinadas por ele, não por Deus).
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Tudo isso faz lembrar a advertência do músico Frank Zappa, que comentou em 1986, em um foro na CNN, que “a maior ameaça aos Estados Unidos hoje em dia não é o comunismo, são os Estados Unidos avançando para uma teocracia fascista“.
A ultradireita, além de sequestrar o cristianismo para sua causa, teve a oportunidade de prosseguir sem problema com sua outra grande arma, com Trump proclamando que os imigrantes são o diabo, a fonte de todo mal neste país, enquanto o católico no palco fracassou completamente em rejeitar tal obscenidade. Os imigrantes, os “outros”, sempre foram um fundamento da ofensiva neofascista nos Estados Unidos e na Europa, e permitir isso no debate terá consequências imediatas para os que promovem crimes de ódio, o que piorará ainda mais se ao final isso permitir a eleição do bufão perigoso.
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Por sua vez, Biden teve problemas não só em contra-atacar as barbaridades de seu opositor, mas ainda mais alarmante, não podia oferecer razões para suas políticas, incluindo as bélicas. O veterano jornalista de guerra Seymour Hersh escreveu após o debate que é possível que Biden já não esteja bem inteirado das contradições de suas próprias políticas bélicas nos casos de Israel e Ucrânia. “Os Estados Unidos não deveriam ter um presidente que não sabe o que autorizou. As pessoas no poder têm que assumir responsabilidade pelo que estão fazendo, e a noite [do debate] mostrou aos Estados Unidos e ao mundo que temos um presidente que claramente não está nessa posição hoje”.
A crítica social progressista Rebecca Solnit, assinalando entre outros os ataques direitistas para criminalizar ainda mais o aborto, reduzir regulações ambientais sobre a indústria privada e medidas para fazer o mesmo com os sem-teto, entre outros, afirma: “É sobre isso que estamos votando, não sobre qual avozinho é mais brilhante frente às câmeras de televisão”.
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Mas por ora, politicamente lembra aquela canção de Dylan: “Como se sente, estar sozinha, sem direção para casa, um completo desconhecido, como uma pedra rolando”.
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