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Fim do direito ao aborto é apenas início; até contraceptivos podem ser proibidos nos EUA

Luta antiaborto, que ataca lei existente há 49 anos, tem sido central na agenda de políticos conservadores e não possui precedentes no país
David Brooks
La Jornada
Nova York

Tradução:

Uma onda crescente de ira, apelos à ação e uma inicial explosão de protestos foram a reposta à insinuação de que uma maioria da Suprema Corte do país teria decidido anular a proteção constitucional do direito ao aborto, o que reverteria uma das maiores conquistas do movimento feminista há meio século teria graves consequências para os direitos civis das mulheres no nível nacional e já sacudiu o cenário político do país. 

O torvelinho de reação à notícia de que uma maioria dos nove juízes da Suprema Corte havia votado em privado e redigiu um rascunho de uma decisão revogando o direito ao aborto estabelecido no caso conhecido como Roe v Wade em 1973, incluiu denúncias, condenações, expressões de alarme e protestos em frente à Suprema Corte por defensores dos direitos da mulher e de liberdades civis e, por outro lado, regozijo em setores conservadores cuja luta antiaborto tem sido central em sua agenda política nacional e para quem essa decisão, se for emitida tal como está, seria um triunfo culminante de seus esforços do último meio século. 

A divulgação dos argumentos de uma decisão ainda não anunciada oficialmente não tem precedente em tempos modernos, e alguns questionavam se o documento era legítimo, mas nesta terça-feira a Suprema Corte confirmou a autenticidade do documento publicado primeiro pelo meio Politico.

Luta antiaborto, que ataca lei existente há 49 anos, tem sido central na agenda de políticos conservadores e não possui precedentes no país

Charles Edward Miller
A possível mudança na lei do aborto nos EUA gerou protestos no país

O comunicado da Corte advertiu que o documento era um rascunho de uma opinião em um caso ainda pendente e que “não representa uma decisão da Corte ou a posição final de qualquer membro sobre os assuntos no caso”.  

Ao mesmo tempo, o juiz chefe da corte, John Roberts, denunciou a divulgação como “uma traição” à confidencialidade do máximo tribunal e anunciou que solicitou uma investigação. A divulgação dos argumentos de uma decisão ainda não anunciado de maneira oficial não tem precedentes em tempos modernos.

Mas tudo indica que a opinião de pelo menos cinco juízes – três dos quais foram nomeados por Donald Trump com a intenção de conseguiriam justamente isto entre outras prioridades direitistas – será emitida como decisão oficial em algum momento antes de conclusão deste período de sessões do tribunal em julho.  

No rascunho se afirma: “Sustentamos que Roe v Wade… tem que ser negado… e retornar o tema do aborto aos representantes eleitos do povo”. 

As implicações de uma anulação de Roe v Wade são severas e em alguns casos imediatas no nível nacional. A decisão não criminaliza o aborto, mas sim traslada a decisão de como abordá-lo aos governos estaduais, já que não existe uma lei federal sobre o assunto. Diante disso, com as leis estaduais já em vigor, a anulação de Roe poderia levar a uma proibição do aborto em até 26 estados, embora permaneça legal em outro 21, por ora. Políticos republicanos já estão se preparando para impulsar uma proibição federal do aborto se retomarem o poder no Congresso.

Defensores do direito da mulher assinalam que as consequências de uma anulação de Roe afetará sobretudo a mulheres de baixa renda, em particular as afro-estadunidenses e as latinas. Mais ainda, pesquisas assinalam que elevaria a taxa de mortalidade materna, que está mais do que o dobro de todos os outros países “avançados” segundo cifra oficiais.

Da mesma forma, especialistas assinalam que tal decisão ameaça não só o direito das mulheres ao aborto. Se essa opinião for final, comentou o professor de leis em Harvard e especialista constitucional Laurence Tribe, “desentranhará muitos direitos básicos além do aborto”, incluindo direitos da comunidade gay e até o uso de contraceptivos.

Respostas

A revelação do rascunho da decisão impacta de imediato o processo eleitoral estadunidense a seis meses das eleições intermediárias na qual está em jogo o controle de ambas as câmaras do Congresso.

Políticos conservadores festejaram o que parece ser um momento culminante de sua ofensiva contra o aborto e outros direitos civis conseguidos durante décadas, enquanto aceleram seus esforços para impor proibições ainda mais extensas em vários estados que eles governam em preparação para a revogação do direito ao aborto no nível federal.

Democratas inclusive o presidente e líderes legislativos junto com o movimento de mulheres institucional, já começaram a usar o tema para apelar à mobilização massiva de mulheres nas eleições intermediários de novembro. 

Entre seus argumentos está que se a Suprema Corte emitir esta decisão nas próximas semanas tal como se espera, urge manter e até ampliar o controle democrata do Congresso para conseguir garantir o direito ao aborto no nível nacional através da codificação desse direito em lei federal. 

O presidente Joe Biden reiterou hoje sua crença no “direito da mulher a decidir”, deplorou o intento para reverter Roe v Wade, e declarou que se a Corte procede a fazê-lo, “a proteção do direito da mulher a decidir-lhe corresponderá a nossos oficiais eleitos da nação a todos os níveis de governo. E lhe corresponderá aos eleitores eleger oficiais que apoiam o direito a decidir” já que no nível federal são necessários mais legisladores para codificar em lei a Roe (não mencionou que esforços recentes para conseguir isso ficaram estancados, frustrados em parte por integrantes de seu próprio partido). 

Os direitos de todos os estadunidenses estão em risco… Este é o momento para lutar pelas mulheres e por nosso país com tudo”, declarou a primeiro mulher vice-presidenta Kamala Harris, a qual acusou os republicanos de “quererem castigar as mulheres e arrancar-lhes seus direitos de tomar decisões sobre seus próprios corpos”.

Os líderes democratas de ambas as câmaras do Congresso deploraram a aparente decisão da corte como uma manobra “extremista” e prometeram intentar codificar o direito ao aborto em lei federal.

A senadora democrata Elizabeth Warren declarou que com esta decisão a Suprema Corte está por “impor suas opiniões de extrema direita e não populares a todo o país. É horas de que os milhões que apoiam a Constituição e os direitos ao aborto e levantam e se façam escutar”. Recordou que ela conheceu a realidade antes da legalização do aborto, e proclamou que “não vamos a regressar a isto, não agora, nunca jamais”.  

Têm o respaldo da opinião pública, durante os últimos anos registrou-se em diversas pesquisas nacionais que uma maioria entre 57 e 70 por cento expressam que a Suprema Corte deveria deixar intacta a decisão de Roe v Wade. Na mais recente, realizada na semana passada pelo Washington Post/ABC News, uma maioria de estadunidenses, por uma margem de 2 a um, desejam que Roe se mantenha vigente tal como ficou estabelecido há 49 anos.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul.
David Brooks Correspondente do La Jornada nos EUA desde 1992, é autor de vários trabalhos acadêmicos e em 1988 fundou o Programa Diálogos México-EUA, que promoveu um intercâmbio bilateral entre setores sociais nacionais desses países sobre integração econômica. Foi também pesquisador sênior e membro fundador do Centro Latino-americano de Estudos Estratégicos (CLEE), na Cidade do México.

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