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Discípulo de Mussolini, Bolsonaro usa crise pandêmica para se tornar um ditador pós-moderno

A política totalitária é para eles um estupefaciente. O dinheiro não perde nenhum de seus atrativos, mas sua audácia nas lutas de rua depende de algo mais
Carlos Russo Jr
Diálogos do Sul Global
São Paulo (SP)

Tradução:

“Sou odiado por 9 em cada 10 ingleses. Mas que me importa se o 1 que sobra é o armado?”
(Cromwell, séc. XVII).

Em todos os degraus da escala social dormitam resíduos de mentalidade primitiva, pré-lógicos e alógicos. 

O fascismo forma-se fora de toda e qualquer discussão; tão pouco critica os programas políticos de seus adversários; contra a razão da política, o fascismo faz apelo aos instintos atávicos, à voz do sangue, à tradição, à mística dos rebanhos de ovelhas, à necessidade da massa em crer num chefe, à salvação corporal e espiritual baseada na obediência de ordens.

Os recrutas ideais de um empresário do terror: 

Os vencidos da vida, aqueles para quem a existência já não tem sentido e nem valor e que, contudo, se furtam ao suicídio, porque seu desespero não é individual, e porque se sentem interiormente agitados por uma vitalidade que pede que seja empregada nalguma prova excepcional. 

A política totalitária é para eles um estupefaciente. O dinheiro não perde nenhum de seus atrativos, mas sua audácia nas lutas de rua depende de algo mais. 

A tudo o que quiserem, mas nunca à razão! 

Saiba+
“Guia para entender e superar o fascismo no Brasil”

Para recrutá-los, um aspirante a ditador jamais deve fazer apelo ao espírito crítico, pelo contrário, um chefe fascista deve saber arrastar, inflamar, exaltar seus ouvintes, inspirando ódio e desprezo para com os intelectuais e os que discutem. 

A política totalitária é para eles um estupefaciente. O dinheiro não perde nenhum de seus atrativos, mas sua audácia nas lutas de rua depende de algo mais

Outras Palavras
Somente a desordem sistemática paralisa a vida da nação e faz brotar a revolta contra as instituições nos homens

As lições de Mussolini para seu discípulo, Bolsonaro

Mussolini, o primeiro tirano fascista do século XX, disse em 1920, antes da tomada do Poder: “Abaixo o Estado em todas as suas formas e qualquer que seja sua encarnação. O estado de ontem, de hoje, de amanhã, o estado tradicional burguês e o socialismo. Nada mais resta a nós, últimos sobreviventes do individualismo, do que a religião agora absurda, mas sempre consoladora, do anarquismo.” 

“O século da democracia terminou, um século aristocrático, o nosso, sucede ao passado. As novas gerações proíbem à democracia de impedir as novas vidas do futuro.” 

Para as milícias fascistas armadas chegarem ao poder, em 1923, bastava que o Exército se mantivesse “neutro”, e isto ocorreu! Mussolini foi nomeado primeiro ministro pelo rei, e deu-se o título de “Il Duci”, o líder, sob o poder miliciano.

Em 1924, já com o poder total nas mãos, disse Il Duci: “Para o fascismo, o Estado é absoluto, ante o qual os indivíduos e os grupos não são mais que o relativo.” O ciclo estava concluído!!!!

O “mito fascista”

O chefe, o mito, não é normalmente um grande orador no sentido tradicional, lembra um propagandista de guerra, que incita os soldados antes de um ataque e, noutras, um improvisado chefe de soldados amotinados. Aliás, esta foi a vida no Exército Brasileiro do Capitão Bolsonaro.

De todo modo, ele é um ator e como tal sabe que representa um jogo. E esse modo veemente, inculto e chulo de falar serve para se aproximar ainda mais da massa que acaba por ouvir nele sua própria voz!

Uma voz falsa e artificial, mas repleta da violência!

Pois o destino do candidato a futuro ditador é o tudo ou o nada! 

A coragem de um aspirante a ditador mostra-se principalmente na fria calma com que ele sabe expor seus sequazes e seus adversários ao perigo, mantendo-se a si mesmo a salvo, sem que o pareça, evidentemente. No seu íntimo, ele é um covarde.

Ao contrário dos partidos políticos cujo duelo é verbal e de papel, e nas eleições, os fascistas são normalmente homens da violência, que no passado eram veteranos de guerra, hoje, policiais e milicianos ativos.

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Para eles, a política é a continuação de uma guerra que já travam nas favelas e subúrbios das cidades.

O General Fuller, um estudioso americano do nazi fascismo escreveu: “A nova técnica de guerra baseia-se no princípio do terror, consiste em provocar o terror, em tornar o inimigo completamente louco.”

O terror começa quando a luta já não exclua qualquer tipo de violência, quando já não se observam mais nem leis, nem regras e nem costumes. O terror não tem regras, nem regulamentos e não pretende senão aterrorizar, sendo puro arbítrio. Visa não tanto destruir fisicamente certo número de adversários, como destruir psicologicamente o maior número possível, enlouquecê-los, diminui-los, amedronta-los, privá-los de qualquer resíduo de dignidade humana.

O totalitarismo no poder

O fascismo como qualquer outro governo totalitário não surge para corrigir os defeitos da democracia, mas para levar ao paroxismo seus defeitos. 

Qualidades democráticas a abolir: pluralidade de partidos, liberdade de imprensa, liberdade de ensino, liberdade religiosa, organização independente dos trabalhadores, pluralidade de opiniões, razão científica, etc., etc..

O líder nazista Goebbels foi claro: “A massa é um fraco, preguiçoso e vil aglomerado de homens. A massa é matéria amorfa, só por obra de um homem de estado pode tornar-se povo e o povo, nação”. Pois foi a preocupação em se aproximar das massas operárias que levou Hitler a inventar o nome de seu partido. Na realidade ele plagiou Mussolini que na década de 1920 batizara seu partido de “Partido Fascista do Trabalho.”

A desordem é o húmus do fascismo

Somente a desordem sistemática paralisa a vida da nação e faz brotar a revolta contra as instituições nos homens. Por outro lado, nunca se viu uma tirania se implantar agitando outra bandeira que não a da sua “verdadeira liberdade.” 

Como de tão comum a mentira tornou-se vulgar, os movimentos totalitários são obrigados a levar as mistificações ao extremo. 

Acontece que então, setores cada vez mais numerosos do exército, da polícia, da magistratura e da burocracia estatal começam primeiro em segredo, e depois, abertamente, a apoiar o líder fascista. 

A desgraça do Brasil

A desgraça nacional que dizima o povo brasileiro, ou seja, a pandemia provocada pelo coronavírus, foi transformada, desde sua aparição há mais de ano, em uma aliada pelo governo Bolsonaro.

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Ele e seu séquito transformaram a pandemia em um alimento para o caos e o descrédito social. Fermento da dissolução social, ele dela se aproveita para a destruição cotidiana das instituições democráticas, até sua completa desmoralização.

Mas Bolsonaro, pese sua paranoia, é esperto o suficiente para não enveredar por um golpe de Estado clássico, aquele dos anos 1960/1970. 

Ele luta por tornar-se um ditador pós-moderno e para isto precisa qualificar seu regime como uma forma superior de democracia, em que ele encara a Pátria e incorpora sem si “o povo”. 

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E ele saberá apreciar a vantagem de ser declarado Messias por seus pastores, o Homem da Providência Divina e sempre colocará sobre sua cabeça a proteção de um Senhor. Um “deus” pessoal,  de culto depravado, que abençoa as “arminhas das mãos” acima de todos! 

Entretanto, Bolsonaro também sabe que sua popularidade está decadente, e em breve, a maioria da população desejará vê-lo fora do poder! Mas ele conta com empresários aproveitadores endinheirados, com um exército de sequases e com o apoio irrestrito de um quarto do povo brasileiro.

Por isso jamais deveremos esquecer a lição que nos foi legada por outro ditador, lá no século XVII, o inglês Cromwell, que disse ao Parlamento subjugado: 

“Sou odiado por nove em cada dez ingleses. Mas que me importa se o um que sobra é o armado?”

Carlos Russo, colaborador da Diálogos do Sul


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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Carlos Russo Jr Carlos Russo Jr., coordenador e editor do Espaço Literário Marcel Proust, é ensaísta e escritor. Pertence à geração de 1968, quando cursou pela primeira vez a Universidade de São Paulo. Mestre em Humanidades, com Monografia sobre “Helenismo e Religiosidade Grega”, foi discípulo de Jean-Pierre Vernant.

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