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ToggleCom o fardo de ser o país mais populoso do planeta e ter uma cultura milenar de quatro mil anos, a economia da China cresceu de forma brilhante e bem planejada, se unindo a potências importantes como a Rússia, com o objetivo de combater a desigualdade social para extinguir a população que vive na miséria e se tornar um líder econômico.
Para abordar o tema, a TV Diálogos do Sul recebeu a jornalista, cientista política e professora de história na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Beatriz Bissio. Ela concedeu uma entrevista ao editor da revista, Paulo Cannabrava Filho, antigo colega de trabalho da historiadora na extinta revista Cadernos de Terceiro Mundo, agora Diálogos do Sul.
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A cidade de Xangai, na China
“O mundo é outro depois dos anos 1980 e outro depois do século 21”
Cannabrava analisa que nos anos 1980 com a ditadura do capital financeiro, da qual “ainda não conseguimos nos livrar, e com o co-advento de uma nova direita internacional fascista, o mundo caminhava para ter a hegemonia de um único poder, mas apareceu a China e a Rússia, que estão rompendo com isso e impondo respeito as relações internacionais”.
“O que quer dizer isso? Quer dizer que agora tem que 'sentar na mesa e conversar', não pode chegar lá e querer mandar. Porque tem dois países muito bem organizados,que estão transformando o mundo em um mundo multipolar”, diz Cannabrava.
A bipolaridade existente durante a Guerra Fria, não existe mais. “Agora você tem um mundo multipolar e multi-ideológico também, e que é onde o império vai ter que se conformar”, ressalta o jornalista.
Bissio conta que, de fato, houve um “primeiro momento com a dissolução da União Soviética, período em que se falou até do fim da história”, onde parecia que a supremacia dos Estados Unidos, com a vitória do capitalismo com sobre o socialismo,era definitivas.
“Era um cenário que não iria se abalar com nenhuma nova circunstância e se falou desse mundo unipolar, que finalmente definiria o destino da humanidade”, explica a historiadora.
“A situação então que parecia eterna, o ponto final do dever da humanidade, na verdade começou a mostrar que havia nessa percepção alguns sinais, que já estavam presentes, e que ficaram muito mais nítidos no início do Século 21 e por isso esse novo patamar”, diz Bissio, frisando que nenhum processo histórico se dá de um dia para o outro.
A questão fundamental que precisa ser analisada, é o fato de que, com o fim da União Soviética em 1991, a Rússia passou por um período terrível de desintegração social e de caos econômico, e entrou numa fase de desestruturação, alerta Beatriz Bissio.
“É um país de uma história rica, milenar, então quando se pensa em um país com essa história, a gente tem que ter um respeito pela bagagem, pelo que tem, a densidade histórica, suas raízes, e esse processo se deu”, ressalta a cientista política, “e ficou mais nítido a partir de 2005, depois da primeira eleição da primeira eleição do presidente [Vladimir] Putin.
O sucesso do planejamento chinês
Coincidindo com a estruturação da Rússia, a China, que já vinha mostrando que estava em um processo “muito interessante de reestruturação com metas nítidas”, conta Bissio relembrando a primeira vez em que visitou o país em 1998, ainda como jornalista da revista Cadernos de Terceiro Mundo, onde cobriu a Conferência das Nações Unidas pela Mulher em Pequim e explica que o país naquele momento já era surpreendente. “Vindo da América Latina, mesmo com as nossas grandes metrópoles aquilo era uma questão de respeito, de nos deixar atônitos”, diz.
A jornalista relata que em uma de suas matérias no Ministério do Planejamento, com o vice-ministro, “uma pessoa com toda a cifras e o conhecimento do que era a perspectiva com a qual eles estavam trabalhando”, recebeu uma explicação da visão de planos quinquenais que vinham sendo aplicados. “A cada quinquênio os planos eram avaliados para ver quais foram as metas que alcançaram, as que não foram, quais foram os motivos, uma avaliação crítica”.
Essa projeção, com metas críticas por quinquênio em 1995, tinha o objetivo de atender até 2050. E como meta, uma das questões centrais era a erradicação da pobreza. “Com uma explicação, que eu achei brilhante, eles diziam: 'para que a China volte a ter um lugar no mundo, nós temos que acabar com a pobreza. Com essa China que nós temos hoje, não há como voltar a ser o que a China aspira a ser', diz Beatriz Bissio.
“Nós sabemos que isso vai conduzir a situação de uma relativa desigualdade social. Vamos gerar alguns milionários. Temos que contar com isso”, disse o vice-ministro. “Eles estavam com com cenário claríssimo do que iria acontecer, do que aconteceu realmente e de como eles teriam que lidar para que esse processo de erradicação da pobreza, não desvirtuar o que era, e acredito que ainda seja um valor importante na China, que é manter um grau decente de desigualdade”, explica Bisso.
“Não uma desigualdade que contrarie todos os princípios da Revolução de 1949, que está fazendo 70 anos, e que continua sendo, com tudo que evidentemente houve de mudança, de percepção, etc, uma referência fundamental sem a qual essa nova China não existiria. Estaria ainda submetida como passou tanto tempo ao imperialismo inglês”, disse Bissio.
A nova meta para a erradicação definitiva da pobreza é 2023. São 23 milhões de chineses que ainda precisam ser “resgatados” segundo a projeção e as metas atuais. E com o avanço, Beatriz conta que a China atual já tem outra meta, a inovação tecnológica.
“Com muito orgulho estão dizendo que estão equiparados, em termos de inovação tecnológica em relação aos que eram nossas referências, Estados Unidos e Alemanha. E em alguns sentidos já o ultrapassaram e estão mais avançados, particularmente em inteligência artificial”, explica a cientista política, afirmando que hoje a China possui o maior número de patentes tecnológicas anuais do mundo.
A nova Rota da Seda
O governo chinês, que comercialmente esteve presente nos cinco continentes e já investiu cerca de US$ 1,9 trilhão de reais, está levando adiante o projeto de infraestrutura transnacional chamado de “Nova Rota da Seda“, composto por uma parte marítima e outra terrestre, a Belt and Road Initiative (iniciativa do Cinturão e Estrada).
Beatriz Bissio explica que o projeto, apresentado pelo presidente Xi Jinping, considerado um grande líder da história chinesa, sendo comparado a figuras como Mao Tsé-Tung (26/12/1893 – 09/09/ 1976), ex-presidente e líder revolucionário para a China contemporânea, está alicerçado a uma filosofia de que a prosperidade da China e sua estabilidade depende também da prosperidade e estabilidade do seu entorno.
“Esse projeto, que tem o eixo pensado para a Ásia, África e Europa, e que na verdade já está chegando no mundo todo, possui 131 países, nos quais 19 da América Latina já estão fazendo parte da Nova Rota da Seda”, diz a historiadora.
No Brasil, os chineses possuem parcerias importantes em andamento, “inclusive com a Usina de Belo Monte, na agricultura e produção de motores elétricos”, afirma Beatriz, “eles estão em todo o mundo, já chegaram na Oceania, na Austrália”.
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