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O novo “mix econômico” de Guedes: corte de direitos, dependência e desigualdade social

Segundo o ministro, nas últimas décadas o Brasil possuía um desajuste na sua economia, com gastos públicos excessivos e juros elevados para financiá-los
Daphnae Helena
Esquerda Diário
Florianópolis (SC)

Tradução:

O ministro da economia Paulo Guedes deu diversas entrevistas durante a última semana destacando a mudança de mix entre política fiscal e política monetária que está ocorrendo no seu governo.

Segundo o ministro, nas últimas décadas o Brasil possuía um desajuste na sua economia, com gastos públicos excessivos, juros elevados para financiá-los — por meio da emissão de títulos da dívida pública — e, consequentemente um câmbio excessivamente valorizado.

Agora, para o economista de Chicago, isto está em modificação, com o ajuste fiscal e o corte de direitos, a redução das taxas de juros e a desvalorização cambial que vieram para ficar.

Em entrevista ao site Antagonista, Guedes reafirmou a sua visão liberalizante dizendo que a pós o fim da ditadura militar o Brasil iniciou, mas não concluiu o processo de liberalização econômica e que seu objetivo, portanto, é avançar nisso. 

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Quando a retórica neoliberal está justamente sendo questionada ao redor do mundo, temos aqui no Brasil um ministro que quer fazer voltar à roda e colocar de pé um neoliberalismo senil, cujas consequências sociais vem dando exemplos com o estouro da luta de classes por toda América Latina.

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Os aspectos mais estruturais de projeto econômico de Guedes e Bolsonaro e os três elementos do mix da política econômica — ajuste fiscal, câmbio e juros — é o que iremos abordar.

Segundo o ministro, nas últimas décadas o Brasil possuía um desajuste na sua economia, com gastos públicos excessivos e juros elevados para financiá-los

Agência Brasil
Bolsonaro e Guedes

Ajuste fiscal: o elemento estratégico para os capitalistas

O ajuste fiscal, ou seja, a retirada de direitos dos trabalhadores e da população é um elemento central, certamente o mais estratégico para os capitalistas nacionais e estrangeiros,porque diz respeito a medidas para a elevação de produtividade do trabalho e da garantia de aumento dos lucros. Este elemento é conseguido, por um lado, pela redução dos direitos trabalhistas e a reforma da previdência que visam aprofundar o nível de exploração da classe trabalhadora com aumento da sua jornada diária de trabalho, os anos trabalhados e diminuição os salários. Para este elemento, as elevadas taxas de desemprego que o Brasil apresenta, em patamares históricos, são funcionais para garantir a elevada rotatividade do trabalho e os salários mais baixos.

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Neste sentido, vale destacar que embora o Brasil tenha visto uma elevação no consumo e no investimento que levaram ao aumento no PIB do último trimestre em 0,6%, as taxas de desemprego vão demorar para cair significativamente, em especial se for levado em conta as taxas mais amplas que englobam também as pessoas subocupadas – que poderiam trabalhar mais horas- e aquelas que estão desalentadas – que por não encontrar, desistiram de procurar emprego.

Alguns analistas apontam também que como parte das empresas realizaram, durante a crise, mudanças internas tecnológicas para o aumento da produtividade, este elemento também deve impactar no nível de emprego. É por isso que crescimento do PIB não significará diminuição do desemprego no mesmo ritmo.

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A outra face das políticas para aumento de produtividade é a redução dos impostos aos empresários e os investimentos em infraestrutura, que são considerados pelos investidores como os gargalos da economia brasileira,o objetivo é aumentar a capacidade de escoamento de mercadorias do país.Recentemente foi lançado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) um estudo sobre o Brasil que se chama “Fazendo mais com menos: como o Brasil pode promover o desenvolvimento com consolidação fiscal?”que aponta soluções para como o Brasil poderia investir em infraestrutura num momento de ajuste fiscal e restrição dos gastos governamentais.

A base da proposta é que com cortes ainda maiores na educação e na saúde seria possível abrir espaço fiscal para investimentos públicos em infraestrutura – em especial estradas- e elevar a produtividade do país. Segundo os economistas do FMI, seria possível, com maior eficiência estatal, obter melhores resultados em saúde e educação realizando gastos menores.Para isso, as medidas sugeridas são mais ataques aos trabalhadores, envolvendo, por exemplo, a redução dos salários dos professores em proporção do PIB que, de acordo com o estudo, está numa média elevada em comparação internacional.

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Em suas conclusões, o artigo publicado pelo FMI aponta para o sentido mais estratégico de algumas medidas que o governo Bolsonaro e o ministro Paulo Guedes tentam implementar pela via das Propostas de Emenda Constitucionais recentemente encaminhadas ao Congresso Nacional, sugerem que o governo poderia implementar medidas de cortes em gasto em outras despesas, além do que está previsto no teto, em particular atacando o salário do funcionalismo público, e diminuindo a rigidez do orçamento público para liberar espaço para gastos em infraestrutura.Como aponta um dos membros da equipe econômica do governo em entrevista ao Valor Econômico, quando tiver completo os ajustes fiscais estruturais exigidos o governo poderia aumentar os investimentos “não adianta só fazer concessão. Há investimentos que precisam ser feitos pelo governo”.

Saída recorde de dólares do país e liberalização cambial: de volta ao modelo clássico de crises cambiais?

As mudanças na política cambial é outro elemento da política econômica fundamental de ser analisado. Para além da desvalorização que esteve nos noticiários econômicos nas últimas semanas que iremos abordar mais a frente, é importante aprofundar o sentido geral do projeto econômico que é a liberalização completa do setor financeiro. Duas medidas refletem este processo, a primeira é a intenção da equipe econômica do governo Bolsonaro de autorizar contas bancárias em dólar no Brasil; a segunda é a utilização das reservas internacionais para pagar a dívida pública.

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O processo de liberalização financeira, ou seja, da retirada de controles aos fluxos de capitais internacionais no Brasil foi iniciadona década de 1980 no governo Collor. Em 1999, parte importante deste processo foi desenvolvida com a eliminação de diversas restrições aos fluxos de capitais e a garantia dos mesmos direitos para o capital nacional e estrangeiro. No entanto, o Brasil ainda manteve algum nível de controle sobre os fluxos a moeda estrangeira como, por exemplo, a proibição de existência de contas em dólar no país. A autorização de contas em dólares para pessoas físicas e jurídicas, como apontado por alguns economistas, se implementada, aumenta a dependência do país dos fluxos de capitais internacionais, no sentido de que como o dólar é uma moeda mais segura do que o real, sempre que houver abalos internacionais, as contas brasileiras tenderão a serem transformadas em contas em dólares, aumentando a necessidade de dólares no país. Este tipo de autorização existe em países como, por exemplo, a Argentina, que vive hoje um processo de dolarização da economia.

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Ao mesmo tempo, Paulo Guedes afirma que o nível de reservas internacionais no país está muito elevado, neste sentido está defendendo o uso destas para pagar a dívida pública, dando ainda mais dinheiro para os banqueiros e capitas estrangeiros detentores da títulos públicos brasileiros. A diminuição das reservas internacionais também é um elemento que aprofunda a dependência externa brasileira, estes dois elementos combinados diminuem a capacidade do país de resistir achoques externos e saídas de capitais e, aumenta, portanto, as chances do Brasil viver uma crise cambial.

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A atual desvalorização cambial, que levou Trump a ameaçar taxar as importações de aço e alumínio brasileiro e argentino, está relacionada com diversos elementos, mas é importante destacar que a saída de dólares do país em 2019 já é maior, em volume, do que em 1999, ano que o Brasil viveu uma crise cambial.A atual conjuntura de guerra comercial entre Estados Unidos e China, bem como a situação de luta de classes na América Latina trazem incertezas e afastam o capital estrangeiro do país. Além disso, o setor privado de conjunto, em especial o setor exportador, estão mantendo os dólares no exterior para pagar sua operação e empréstimos externos contraídos, o que diminui a entrada de dólares no país. A Petrobrás, por exemplo, anunciou que foram gastos durante este ano US$ 14,72 bilhões em operações do tipo no exterior. Como uma última razão, as taxas de juros mais baixas também contribuem, uma vez que as operações de “carry trade” de especulação com a moeda brasileira – uma das mais voláteis do mundo- geram ganhos menores.

Quais as bases da recuperação do PIB?

Vimos nesta semana os resultados do último trimestre com o crescimento do PIB em 0,6%. Este foi puxado pelo crescimento de 0,8% no consumo – com a liberação de FGTS e aumento do crédito para as famílias- e pelos investimentos privadosque aumentaram 2%. O setor público e o setor externo encolheram, sem contribuição ao PIB, pelos ajustes fiscais e devido à crise Argentina e a guerra comercial entre Estados Unidos e China, respectivamente. Vale ressaltar que, embora haja crescimento no investimento, ainda está muito aquém do esperado, na análise do banco Credit Suisse aponta uma estimativa de crescimento de 3,6% a formação bruta de capital fixo – índice que destaca o investimento em bens de capital- para este ano e de 5,8% para 2020, no entanto reforçam que em recuperações de crises anteriores estas taxas cresciam de forma muito mais intensa, com dois dígitos.

Já o consumo está sendo estimulado pela liberação de recursos do FGTS e um novo endividamento das famílias, uma vez que as taxas de juros estão mais baixas. Por outro lado, a desvalorização cambial tende a aumentar os preços os produtos no Brasil, pelo encarecimento das importações, além disso, o aumento em itens de consumo básico como a carne, está atingindo mais fortemente as famílias de menor renda. Segundo o índice de inflação da FGV, o IPC Classe 1 de famílias que ganham até 2,5 salários mínimos cresceu de forma mais do que o IPC BR que engloba famílias de até 33 salários mínimos. No acumulado do ano até novembro o índice IPC Classe 1 foi de 3,64%, enquanto o IPC BR foi de 3,31%.

Embora conjunturalmente a tendência é que haja melhora na capacidade de consumo dos trabalhadores, o crescimento do PIB vem, como já apontamos, com a manutenção das taxas de desemprego, aumento do trabalho precário – em 2018 cresceu em 104% o número de trabalhadores em aplicativos de entrega- e uma tendência ao aumento e aprofundamento da desigualdade social marcante da sociedade brasileira. Qualquer crescimento econômico, ainda que apresentado nos índices, virá com estas marcas cada vez mais aprofundadas, pois são fundamentais para o projeto de país de Guedes e Bolsonaro. Além disso, num horizonte de tempo maior, a entrega completa pela via de privatizações e a liberalização da economia brasileira aos fluxos de capitais estrangeiros e interesses imperialistas no país, podem levar a elementos mais clássicos de crises cambiais.

Os cenários externos de convulsões de luta de classes mostramo caminho para barrar esse projeto de Paulo Guedes de jogar nas costas dos trabalhadores a crise econômica.Quando perguntado na palestra no Peterson Institute for International Economics nos Estados Unidos sobre as convulsões no Chile e os impactos em relação ao Brasil e o eu o governo está fazendo para que isso não ocorra no país, o ministro acaba por não responder, dizendo apenas que isso é democracia desde que não haja ataques a propriedade privada. Mas o fato é que as disputas interimperialistas num mundo que caminha para mais protecionismo, com guerra comercial e menos liberalização e as convulsões da luta de classes como pudemos ver em diversos países com o perigo de que cheguem ao Brasil são alguns dos principais entraves para a realização deste projeto.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Daphnae Helena

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