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EUA: Convenção Republicana parece nova temporada do reality show "O Aprendiz"

Trump surpreendeu ao oferecer um primeiro discurso na convenção. Ele não ofereceu um projeto de governo e sim questionou a legitimidade das eleições
David Brooks
La Jornada
Nova York

Tradução:

Donald Trump é “o único que está entre a liberdade e o socialismo” nos Estados Unidos e que está freando a invasão imigrante e recuperando a “grandeza” deste país. Estas são as mensagens centrais da Convenção Nacional Republicana que começou nesta segunda-feira.

O espetáculo político poderia haver sido melhor chamado de Convenção Nacional Trump, ou ainda melhor, a “Convenção do Aprendiz” já que parece mais um “reality show” (de fato entre os encarregados deste show político estão alguns dos produtores do Aprendiz), já que tudo está exclusivamente dedicado não ao partido, senão ao mandatário.  

Trump e sua família ocupam quase a metade do programa de oradores durante uma hora e pouco em cada uma das quatro noites – o presidente apareceu nesta noite, como fará ao longo da semana (afinal de contas, é seu show).

Trump surpreendeu ao oferecer um primeiro discurso na convenção pouco depois de ser ratificado como candidato republicano e não ofereceu um projeto de governo, mas sim questionou a legitimidade do processo eleitoral, acusando que “os democratas estão usando a Covid-19 para roubar a eleição”. Também advertiu que se ganhar a agenda da “esquerda radical” dos democratas “teu sonho americano estará morto”

O tema oficial da convenção é “Honrar a grande história estadunidense” e ao longo da semana será enfatizado o tão “grandioso” que se tornou o país depois de quatro anos de seu governo, afirmam. 

O roteiro oficial da convenção apresenta Trump como “o único” que pode defender “a liberdade contra o socialismo” neste país. Joe Biden será qualificado “como um recipiente vazio recheado pela esquerda radical” promovida por figuras como o senador Bernie Sanders, a deputada Alexandria Ocasio-Cortez e a candidata democrata à vice-presidência Kamala Harris, segundo informações oficiais da campanha. 

A política anti-imigrantes continua como outro eixo da mensagem da convenção e da campanha de Trump, com imagens e vozes repetindo que os democratas favorecem “fronteiras abertas” onde “estrangeiros ilegais” chegam para competir por empregos e por seguros de saúde com estadunidenses. 

Esta convenção, como a democrata da semana passada, é um evento virtual como consequência da pandemia, embora Trump e seu vice-presidente Mike Pence tenham se apresentado fisicamente nesta segunda-feira na sede da arena em Charlote, Carolina do Norte, onde estava programado este evento originalmente. 

Aí se repetiram declarações extraordinárias, por sua falsidade, elogiando a resposta do governo de Trump à pandemia. 

Nesta primeira noite da convenção, sob o tema “Terra de Promessa”, o desfile de oradores incluiu exclusivamente os fiéis aliados do presidente – familiares, assessores, legisladores e cidadãos – que lhe renderam tributo elogiando sua liderança. Isso se repetirá ao longo da semana, sem nenhum espaço para outras correntes críticas de Trump dentro do Partido Republicano. 

Trump surpreendeu ao oferecer um primeiro discurso na convenção. Ele não ofereceu um projeto de governo e sim questionou a legitimidade das eleições

YouTube | Reprodução
Trump e sua família constituem quase metade do programa de palestrantes

Os ausentes

De fato, o mais notável da convenção desde esta primeira noite são os ausentes: o único ex-presidente republicano vivo, George W. Bush, não se apresentará, nem tampouco figuras proeminentes como o ex-secretário de Estado Colin Powell (que endossou o democrata), o candidato presidencial republicano de 2012 e agora senador Mitt Romney e o ex-presidente da câmara baixa, Paul Ryan.

Não estão no programa vários legisladores federais proeminentes, nem vários ex-governadores republicanos. Ademais, há cada vez mais republicanos dissidentes como os mais de 70 ex-altos funcionários republicanos de segurança nacional que denunciaram a liderança de Trump e endossaram seu opositor democrata Joe Biden na semana passada, e hoje mais de 24 ex-legisladores republicanos lançaram uma campanha de “republicanos por Biden”.

Também não foram convidadas algumas das ex-figuras proeminentes do governo de Trump, entre eles seu ex-assessor de Segurança Nacional John Bolton, seu ex-chefe de gabinete John Kelly, seu primeiro procurador geral Jeff Sessions e até mesmo seu ex-advogado pessoal, Michael Cohen, entre vários outros colaboradores que fugiram ou foram expulsos da Casa Branca. 

Outros seis colaboradores de Trump não podem comparecer porque estão encarcerados, enfrentando processos judiciais ou sob investigação, o mais recente, foi seu estrategista eleitoral Steve Bannon preso na semana passada por desfalque de fundos destinados ao famoso muro fronteiriço. 

Existem ainda outros que caíram em desgraça, como o aliado evangélico mais proeminente do presidente, o reverendo Jerry Falwell Jr., chave na convenção de quatro anos atrás, que teve que pedir licença como reitor da Universidade Liberty, ultraconservadora cristã, depois de provocar um escândalo com uma foto dele com uma jovem e suas calças meio abertas. 

E embora grande parte da família Trump fará uso da palavra, estarão ausentes a sobrinha do presidente, Mary Trump que acaba de publicar um livro com revelações negativas sobre seu tio, e a irmã do mandatário, a ex-juíza Maryanne Trump Barry, cujos comentários privados sobre seu irmão vazaram e foram publicados pelo Washington Post há alguns dias, nos quais afirma que “ele não tem princípios, nenhum” e o qualificou de “cruel”.

Os presentes

Entre os que chegaram para elogiar seu líder nesta noite estava o casal que se fez “viral” quando ambos saíram armados de sua casa no Missouri enquanto passava uma manifestação pacífica da Black Lives Matter, e segundo a campanha “exerceram seu direito constitucional às armas para defender-se contra uma multidão de esquerda que os ameaçou”, encabeçados por “marxistas”.  

Estava o deputado ultraconservador Matt Goetz que advertiu que os democratas “te desarmarão, esvaziarão as prisões, te encerrarão em sua cada e convidarão o MS-13 para morar na casa ao lado da tua”. A presidenta do partido nacional, Ronna McDaniel, declarou que “os democratas optaram pelo caminho do socialismo”. Kimberley Guilfoyle, uma “latina orgulhosa”, advertiu contra o “socialista Biden”, que deseja trazer o modelo cubano e venezuelano aos Estados Unidos, como também permitir o ingresso de “violadores e criminosos” pela fronteira sul, e apelou pelo apoio ao “emancipador” Trump.

Outros oradores incluíram o único senador republicano afro-estadunidense, uma professora antissindical e um imigrante cubano que advertiu dos perigos da esquerda – “eu vi ideias como estas antes… e estou aqui para dizer-lhes que não podemos permitir que tomem o controle do nosso país”, concluindo que Trump está combatendo as forças do “anarquismo e do comunismo” nos Estados Unidos.  

O programa culminou com a ex-embaixadora na ONU, Nikki Haley e o filho de Trump, Donald Trump Jr. que diretamente acusou o Partido Comunista Chinês pelo vírus, enquanto o filho e neto de multimilionários acusou os democratas de serem uma “esquerda radical” que busca “esmagar” os trabalhadores. 

Vai ser uma semana longa.

David Brooks, correspondente de La Jornada em Nova York.

Prensa Latina, especial para Diálogos do Sul — Direitos reservados.

Tradução: Beatriz Cannabrava


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.
David Brooks Correspondente do La Jornada nos EUA desde 1992, é autor de vários trabalhos acadêmicos e em 1988 fundou o Programa Diálogos México-EUA, que promoveu um intercâmbio bilateral entre setores sociais nacionais desses países sobre integração econômica. Foi também pesquisador sênior e membro fundador do Centro Latino-americano de Estudos Estratégicos (CLEE), na Cidade do México.

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