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Kamala Harris e Donald Trump (Ilustração: Patriotic CyberPunk / Flickr)

EUA: De cada 10 indecisos, 6 declaram voto em Trump e 3 em Kamala após debate

Apesar dos absurdos ditos por Trump, sua estratégia de reforçar a ideia de que Kamala não representa uma mudança real parece ter surtido efeito
Jim Cason, David Brooks
La Jornada
Nova York

Tradução:

Beatriz Cannabrava

O consenso entre os especialistas políticos foi que a vice-presidenta Kamala Harris dominou e, portanto, “ganhou” o debate com seu opositor Donald Trump na última terça-feira (10), mas a oito semanas da eleição, essa contenda continua muito indefinida e ganhar o debate pode não ter grande efeito sobre o número muito reduzido de eleitores que, no final, determinarão o resultado (é preciso repetir que sob o sistema estadunidense, onde não existe o voto direto para presidente, um candidato pode ganhar a maior quantidade de votos, mas perder a eleição).

O debate transmitido ao vivo pela televisão alcançou uma audiência de 67 milhões de pessoas, muitos mais do que em debates anteriores. Quase desde o início, Harris colocou Trump na defensiva, fazendo com que ele oferecesse algumas das declarações mais bizarras na história dos debates presidenciais.

Por exemplo, Trump de repente afirmou que imigrantes indocumentados famintos em Ohio estavam comendo os animais de estimação de cidadãos, ou que os democratas são tão extremos que até abortam bebês já nascidos (literalmente), e repetiu que ganhou as eleições de 2020, que nunca incitou seus seguidores a invadir o Capitólio, e que todos os processos legais contra ele são “lawfare” dos democratas para tentar frear sua candidatura; ah, e que nunca ninguém vai embora de seus comícios antes que terminem, nunca.

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Os comediantes em programas noturnos de televisão desfrutaram imensamente do material que o ex-presidente lhes deu de presente, e nas redes sociais há uma torrente incessante de memes e imagens, sobretudo em torno de seu comentário sobre imigrantes comendo gatos e cachorros dos cidadãos. “Os imigrantes comem nossos cães” é o novo letreiro da fachada de um restaurante de hot dogs em Chicago, que se tornou viral, junto com vídeos de gatos armados para se defender.

O republicano continuou alimentando a controvérsia ao voar para Nova York para o monumento que homenageia os ataques de 11 de setembro de 2001 acompanhado por Laura Loomer, uma direitista que promove a ideia de que o 11/9 foi uma conspiração interna realizada por elementos do governo de George W. Bush.

Trump memes e seguidores

Apesar do debate, do cômico e do trágico das declarações, as pesquisas e entrevistas posteriores sugerem que não houve muitas mudanças nas tendências, por ora. E, apesar de sua atuação muito elogiada no debate, algumas das primeiras pesquisas ainda registram dúvidas dos eleitores sobre Harris. De fato, parece que o ataque de Trump ao fim do debate foi eficaz ao sugerir que Harris não representa uma mudança real, já que agora promete várias coisas que não promoveu durante os quase quatro anos de sua vice-presidência.

Na verdade, houve surpresas: de cada dez eleitores indecisos que assistiram ao debate, seis disseram que Trump os convenceu a votar nele, e apenas três em Harris, relatou a Reuters. Devido à estrutura pouco democrática das eleições presidenciais, onde os votos são tabulados por estado com o ganhador recebendo todos os delegados do chamado Colégio Eleitoral desse estado (com algumas exceções), é muito provável que algumas centenas de milhares de votos em sete estados determinem o resultado nacional. Ante essa realidade, ambas as campanhas estão investindo quase todo o seu tempo e recursos em Pensilvânia, Arizona, Nevada, Michigan, Wisconsin, Geórgia e Carolina do Norte.

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Harris, por exemplo, na quinta-feira (12) fez campanha na Carolina do Norte e na sexta-feira voltará à Pensilvânia para se apresentar em seu sexto evento público em sete dias naquele estado. O eleitorado nessas unidades da federação tem repetido que as principais preocupações são sobre a economia e a disfunção do sistema político. Jedediah Britton Purdy, professor da Universidade Duke, dedicado ao estudo do sistema político estadunidense, aponta que quase 70% das pessoas nesses poucos estados acreditam que “o sistema político e econômico do país requer mudanças maiores ou deveria ser desmantelado por completo, enquanto uma porcentagem semelhante opina que a economia serve acima de tudo para beneficiar os mais ricos e poderosos”.

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“As pessoas se sentem impotentes, acham que os monopólios as roubam tudo, de serviços de telefone a ingressos para shows. Acreditam que não podem avançar em uma economia onde os salários reais se encontram atrás dos investimentos dos mais ricos, os quais aumentaram muito de valor”, escreveu Britton Purdy em um artigo no The New York Times esta semana. Ele argumenta que, embora muitos democratas vejam Trump como um chefe do caos, seus simpatizantes o veem como um defensor real de sua segurança econômica. Suas propostas para elevar taxas sobre todas as importações e disciplinar empresas que não reduzem preços podem ser irreais, “mas são promessas concretas para agitar o sistema em nome das pessoas comuns”, explicou.

A campanha de Harris está atenta a essas percepções e, com muito mais vigor do que o presidente Joe Biden, a vice-presidente tem repetido que muitos no país enfrentam dificuldades econômicas, e está oferecendo algumas propostas, desde créditos para a compra de moradias, apoio a famílias com crianças e medidas para reduzir certos custos. Harris também enfrenta as consequências do apoio de seu governo à guerra genocida de Israel contra os palestinos e sua relutância em condená-la, como também o abandono de seus compromissos com a mudança climática, sobretudo entre os setores jovens e em estados-chave como Michigan. Por ora, sua campanha tem buscado mobilizar ONGs e milhares de voluntários para impulsionar o voto nesses sete estados com o argumento de que, mesmo que não seja perfeita sobre esses assuntos, é uma melhor opção que Trump.

Efeito dos swifties pró-Kamala

Ao mesmo tempo, Harris usufrui de algumas vantagens significativas, por exemplo, o amplo apoio das mulheres em torno de direitos básicos, incluindo o aborto, assim como de sindicatos nacionais, e também porque agora ela é a candidata jovem enfrentando – com a retirada de Biden da contenda – o candidato presidencial mais velho da história.

E, embora ainda não tenha sido medido o impacto real dos apoios de figuras famosas, não se pode descartar o efeito da expressão de apoio de Taylor Swift a Harris na semana passada. Sabe-se que nas 48 horas após sua declaração, mais de 300 mil pessoas visitaram um site oficial com informações sobre como se registrar para votar.

La Jornada, especial para Diálogos do Sul – Direitos reservados.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Jim Cason Correspondente do La Jornada e membro do Friends Committee On National Legislation nos EUA, trabalhou por mais de 30 anos pela mudança social como ativista e jornalista. Foi ainda editor sênior da AllAfrica.com, o maior distribuidor de notícias e informações sobre a África no mundo.
David Brooks Correspondente do La Jornada nos EUA desde 1992, é autor de vários trabalhos acadêmicos e em 1988 fundou o Programa Diálogos México-EUA, que promoveu um intercâmbio bilateral entre setores sociais nacionais desses países sobre integração econômica. Foi também pesquisador sênior e membro fundador do Centro Latino-americano de Estudos Estratégicos (CLEE), na Cidade do México.

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