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García Luna foi chave no crescimento do cartel de Sinaloa, aponta testemunha em julgamento

Ex-secretário de Segurança Pública do México teria atuado em controle de território, comércio de drogas e "eliminando rivais" do grupo
David Brooks
La Jornada
Nova York

Tradução:

Um sequestro expresso do então secretário de Segurança Pública Genaro García Luna e os pagamentos milionários mensais do cartel de Sinaloa durante nove anos era a maneira com a qual líderes dessa organização criminoso estabeleciam quem mandava no México, segundo declarações da primeira testemunha dos promotores no julgamento o ex-supremo policial e guerreiro antinarcóticos da vizinha nação. 

Sergio El Grande Villarreal, a primeira testemunha dos promotores federais neste julgamento continuou respondendo ao interrogatório de ambas as partes pelo segundo dia; revelou que a explodira a guerra interna no cartel de Sinaloa entre as facções dos Beltrán Leyva contra a encabeçada por Ismael El Mayo Zambada e Joaquín El Chapo Guzman, Genaro García Luna informou a Arturo Beltrán Leyva que se manteria “neutro”, o que o enfureceu e ordenou sequestrar o então secretário de Segurança Pública. 

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A testemunha informou que García Luna foi interceptado e “levantado” na estrada rumo a Cocoyoc em Morelos apesar de viajar com uma escolta e foi transferido a outro veículo donde sicários a levaram a um “escritório” para encontrar Beltrán Leyva.  Ai se queixou da prisão em 2008 de seu irmão Alfredo, e depois de alguns horas, o liberou e o regressou aonde a haviam “levantado”. Segundo El Grande, o sequestro expresso foi para mostrar “que não havia nada impossível para Arturo” no México. 

Esses pagamentos, segundo a testemunha em resposta tanto a promotores como à defesa, foram de aproximadamente um milhão e um milhão e maio mensais no início em 2001, quando García Luna era chefe da Agência Federal de Investigações (AFI), e ao longo dos seguintes nove anos, com o crescimento do cartel, chegaram às vezes até 3 milhões de dólares quando já era secretário de Segurança Pública no governo de Felipe Calderón.

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Segundo dia de debates

No segundo dia do debate judicial entre promotores federais e advogados defensores sobre se García Luna é ou não culpado de aceitar subornos multimilionários quando ocupava os máximos postos de segurança pública e participar de uma conspiração de narcotráfico, o interrogatório da primeira testemunha foi enfocado no período entre 2006 até 2012 quando o acusado ocupava o posto de gabinete. 

El Grande declarou que os pagamentos continuavam, mas que a partir de 2006 com a elevação de García Luna como secretário de Segurança Pública já não haviam reuniões pessoais e menos chamadas por rádio entre Arturo Beltrán Leyva e García Luna, e os pagamentos mensais agora se faziam através do braço direito do secretário. Luis Cárdenas Palomino.  Mas o negócio cresceu e com o cúmplice no novo posto, o cartel agora tinha mais controle sobre estradas nacionais, aeroportos e portos marítimos. 

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E o acusado continuava informando ao cartel sobre operativos, revistas e inteligência de outras agências, tudo através de Cárdenas Palomino.  Ofereceu como exemplo que lhes deram uma dica sobre um operativo que estava sendo preparado para prender Edgar La Barbie Valdés Villarreal em seu casamento. Ninguém foi ao casamento, nem ele. Só chegou o governo”, comentou El Grande. García Luna também facilitou a entrega de equipamento eletrônico para interceptar comunicações ao cartel, através de um contacto israelita no México. 

Mas também foi incrementada a violência entre rivais do cartel de Sinaloa, sobretudo com o cartel do Golfo e os Zetas.  “Sequestraram meu irmão”, contou El Grande, “então ou sequestrei o contador dos Zetas”, mas por fim se realizou uma negociação entre os Zetas e a Família Michoacana e seus outros aliados por um lado, e o cartel de Sinalou (sem El Chapo) do outro, em 2006, com os líderes reunindo-se em Cuernavaca: “se negociou [a trégua] e se repartiu o país” entre os presentes. 

Mas contou que uma série de incidentes não só romperam a trégua entre rivais, mas também se provou a ruptura violenta dentro do cartel de Sinaloa, a qual culmina com a eliminação em efeito dos Beltrán Leyva.


Captura de El Grande

El Grande seria capturado em sua casa em setembro de 2010 pela Marinha, e de imediato pediu a um almirante encapuzado que desejava falar com a DEA. Comentou que ao princípio não falou do que sabia de García Luna porque temia por sua vida. Em 2012 foi extraditado a Estados Unidos acusado de conspiração de tráfico de cocaína e lavagem de dinheiro, e se declarou culpado sob um acordo de cooperação com promotores federais estadunidenses. Foi sentenciado a 10 anos e com algumas reduções dessa condenação, já cumpriu o período de encarceramento e está livre sob supervisão.

Cesar de Castro, advogado do acusado, tentou mostrar a brutalidade extrema de El Grande e de seus sócios em seu contra interrogatório da testemunha, perguntado sobre se havia participado em assassinatos, torturas, sequestros, desparecimentos e agressões violentas de todo inimigo do cartel – tanto seus rivais como autoridades – perguntando se sabia “quantos já não respiram mais nesse mundo por você”. 

Os repetidos e terríveis “sim” da testemunha sobre se havia participado ou pelo menos testemunhado todo tipo de atos brutais, desde: “voar a cabeça a duas mulheres”, a estrangulamentos, enterros de vivos, alguns atos por seus amigos tão extremos que a própria testemunha os qualificou de “sádicos”, foi seguramente arrepiante para os jurados. A violência entre rivais e inimigos, declarou El Grande, “não foi pessoal, era sobrevivência”. Mas insistiu que em boa medida também “havia regras”. 

A aparente estratégia era pintar uma testemunha tão capaz de atos terríveis e que em troca de uma condenação reduzida está mais que disposto a participar no julgamento contra García Luna, é pouco crível.  

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Continuando com sua estratégia que anunciou na abertura, De Castro enfatizou que não existem provas que corroborem as acusações criminais contra seu cliente além das declarações de testemunhas como El Grande, e ao interroga-lo lhe recordou que em outro momento havia informado aos promotores de que seu chefe Arturo Beltrán Leyva costumava gravar conversações com sócios incluindo políticos, e que o havia feito em seus reuniões com García Luna, mas que Villarreal não havia entregado nenhuma gravação de áudio ou vídeo aos promotores. A testemunha só respondeu que “eu nunca os tive; não entreguei nada”. 

Com isso ficou concluída a sessão e foi convidada a segunda testemunha neste julgamento, o ex-narcotraficante Tirso Martinez Sanchez, El futebolista, operador de meio nível do cartel de Sinaloa encarregado de usar carros tanques em trens para ingressar toneladas de cocaína do México a Los Ángeles, Chicago e Nueva York.  Aparentemente ajudará os promotores a estabelecer como o acusado foi parte da conspiração para enviar cocaína a Estados Unidos, mas seu testemunho até agora deixou sonolento os jurados e o público (incluindo jornalistas).


Segundo Promotoria, Garcia Luna traiu México e EUA

A promotoria começou sua acusação contra Genaro García Luna dizendo que o então chefe policial nacional “traiu” tanto a México como a Estados Unidos ao tornar-se cúmplice do então cartel mais poderoso de sua país e apresentou um ex-narcotraficante que disse que testemunhou a entrega de subornos multimilionários ao acusado, enquanto a defesa argumentou que “não há provas” senão as dos narcos que o próprio ex-funcionário encarcerou e que este julgamento é de fato um ato de vingança desses criminosos e oficiais corruptos que o acusado perseguiu. 

Frente ao júri e apontando a García Luna – que estava sentado na mesa da defesa vestindo um terno cinza e que ao chegar saudou com uma mão sobre o coração e um sorriso a sua esposa e filha que estavam com o público atrás na sala -, o promotor assistente Phillip Pilmar acusou, no argumento de abertura da promotoria federal, que o ex-máximo funcionário de segurança pública no México “aceitou milhões de dólares de um cartel para permitir o traslado de toneladas de cocaína aos Estados Unidos”. Assegurou que ao final do julgamento, este júri determinará que “o homem que traiu seu país e o nosso é culpado de todas as acusações”.

A primeira testemunha convocada pela equipe de promotores federais foi o ex-policial e depois narcotraficante Sergio El Grande Villarreal Barragán, o qual detalhou múltiplas ocasiões em que acompanha seu chefe Arturo Beltrán Leyva em reuniões nas quais se entregava a García Luna, então chefe da Agência Federal de Investigações (AFI) durante o sexênio de Vicente Fox, aproximadamente um milhão e meio de dólares a cada mês em troca de que ele protegeria o negócio do cartel de Sinaloa. Estes pagamentos costumavam ser em bilhetes de 100 empacotados de uma maleta negra.  

Contou que uma ocasião, quando Villarreal e sua gente logrou interceder um carregamento de duas toneladas de cocaína  de seu rivais do cartel do Golfo, o acordo com a AFI nesse tipo de situação era que cada quem ficava com metade, e portanto entregaram pessoalmente a García Luna um pagamento entre 14 e 16 milhões de dólares, em bilhetes de 20 empacotados em caixas de papelão. 

Também havia presentes: Arturo Beltrán Leyva, o qual aparentemente gostava de vestira-se como rico, com roupa luxo “exótica” e joias, e ter autos como os Rolls Royce, Ferrari e Mercedes Benz, casas de luxo e animais como panteras negras e tigres brancos, lhe regalou uma motocicleta Harley Davidson edição especial a García Luna. 

El Grande, que mede uns dois metros de altura, declarou que o encarregado de pagar a García Luna quando era chefe da AFI desde 2001 por parte do cartel de Sinaloa era Arturo Beltrán Leyva.

Indicou que a participação de García Luna foi chave no crescimento do cartel tanto em controle de território como no volume de seu comércio de drogas, como também em “eliminar os nossos rivais”. Detalhou que o acusado, em troca dos subornos, “nos dava informação sobre operativos… nos ajudou a ter ou tirar agentes no México, compartilhou  informação para ajudar-nos a golpear rivais”, como também avisar quando estavam preparando um ataque de outras forças governamentais contra integrantes do cartel, incluindo os impulsados por inteligência de outros governos. “Sem seu apoio, teria sido impossível o crescimento do cartel”, repetiu várias vezes. 

Durante horas, guiado pelo interrogatória da promotora assistente Erin Reid, parte da equipe de promotores encarregados do julgamento, Villarreal Barragán brindou detalhes desta relação, informando que os pagamentos multimilionários a García Luna e sua gente eram uma “vaquinha” de vários líderes do cartel de Sinaloa – dos Zambada, El Chapo e os Beltrán Leyva, e depois de uma ruptura, diretamente dos últimos. Referiam-se ao chefe da AFI como El Compa ou El Tartamudo (por seu problema ao falar).  

El Grande detalhou que presenciou pelo menos 20 reuniões entre García Luna e Arturo Beltrán Leyva em uma casa de segurança no sul da Cidade do México onde entregavam a ele seu pagamento mensal. A casa era perto de Perisur, onde recolhiam o chefe da AFI  e alguns de seus homens como Luis Cárdenas Palomino, para trazê-los ao lugar, que também estava perto da igreja conhecida como La Paloma que o capo apreciava. 

A testemunha reportou que os chefes do cartel consideravam o negócio com García Luna “como o melhor investimento que tínhamos, não tínhamos nenhum problema”. 

A promotora usou sua testemunha para identificar um número de comandantes da AFI que foram parte do canal corrupto de García Luna, incluindo Cárdenas Palomino e Ramón Pequeño, também acusados neste mesmo processo.  

El Grande, que só abordou até agora o período de García Luna como diretor da AFI, continuará declarando nesta terça-feira por segundo dia, e só é o primeiro de vários ex-narcotraficantes  que se apresentarão neste julgamento.


“Não há provas”

A defesa, encabeçada pelo advogado de ofício ofício César de Castro, ofereceu seus argumentos de abertura sublinhando ao júri que o caso contra García Luna gira exclusivamente nas declarações de narcotraficantes que estão cooperando com o governo em troca de redução de suas sentenças ou que são testemunhas protegidas, todas culpadas de alguns dos “piores delitos” e que compartem outra coisa: todas as testemunhas do governo foram vítimas desta guerra encabeçada por García Luna”. 

Ainda mais, enfatizou que “não há provas” além dessas testemunhas. “Não há dinheiro, não há chamadas telefônicas, não há fotos, não há evidência crível”, no caso, insistiu. 

Em sua apresentação, De Castro ofereceu a biografia profissional de seu cliente, desde o CISEN  até secretário de Segurança Pública, em que foi “a cara pública da guerra contra as drogas”, comprovando com suas ações que foi “inimigo dos cartéis” e dos policiais e políticos corruptos.

Recordou que foi quem encabeçou a implementação da Iniciativa Mérida, e que foi reconhecido não só em seu próprio país, mas sim por suas contrapartes estadunidenses. Mostrou aos jurados fotos do secretário de Segurança Pública durante o sexênio de Felipe Calderón junto com a então diretora da DEA, a então secretária de Estados Hillary Clinton, senadores como John McCain e Lindsey Graham e até cumprimentando o presidente Barack Obama.

Acusou que no fundo, este julgamento é uma vingança de narcotraficantes e funcionários corruptos contra “o homem que mais odeiam”, e advertiu aos jurados que “os cartéis que ele caçou e os oficiais corruptos que ele tirou querem que os senhores lhes ajudem a buscar a vingança”. 

García Luna enfrenta cinco acusações criminais e se for declarado culpado por este júri enfrenta uma condenação máxima de prisão perpétua e mínima de 20 anos de prisão.  

O juiz Brian Cogan lembrou ao júri que o réu é presumido inocente até que o governo prove, sem dúvida razoável, as alegações contra ele.

David Brooks | Correspondente do La Jornada em Nova York.
Tradução: Beatriz Cannabrava.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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David Brooks Correspondente do La Jornada nos EUA desde 1992, é autor de vários trabalhos acadêmicos e em 1988 fundou o Programa Diálogos México-EUA, que promoveu um intercâmbio bilateral entre setores sociais nacionais desses países sobre integração econômica. Foi também pesquisador sênior e membro fundador do Centro Latino-americano de Estudos Estratégicos (CLEE), na Cidade do México.

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