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Gerardo Szalkowicz | E se falarmos sobre os Direitos Humanos na Colômbia?

Nada na história contemporânea colombiana pode ser compreendido sem alertar sobre seu papel geopolítico como principal aliado dos Estados Unidos na região
Szalkowicz
Brasil de Fato
São Paulo

Tradução:

“Isto não é um país, é uma vala comum com um hino nacional”. Tal qual o clichê, às vezes uma carta também vale por mil palavras. Quase quatro anos após a assinatura dos Acordos de Paz, a história da Colômbia ainda está sendo escrita em sangue; uma espiral de derramamento de sangue que não tem lugar no Conselho de Direitos Humanos da ONU ou no conglomerado midiático dominante. A agenda do Norte se impõe e nos esmaga repetidamente com a Venezuela, enquanto varre debaixo do tapete, por exemplo, a descomunal e endêmica violência estatal e paraestatal na Colômbia.

Leia estes dados com atenção: só este ano, 226 líderes sociais foram assassinados e 48 deixaram as armas. Além disso, somente em 2020, já foram registrados 67 massacres (como as organizações de Direitos Humanos descrevem o homicídio de três ou mais pessoas sem defesa) nos quais 267 pessoas morreram. O que aconteceria se esse banho de sangue sistemático ocorresse na Venezuela? Por que a “comunidade internacional”, a OEA, o Grupo de Lima, a [Michele] Bachelet e seus peões da mídia não se indignam com a tragédia humanitária da Colômbia?

Nada na história contemporânea colombiana pode ser compreendido sem alertar sobre seu papel geopolítico como principal aliado dos Estados Unidos na região

Casa Fractal
"Isto não é um país, é uma vala comum com um hino nacional", diz cartaz.

Atualmente, mais de 10 mil povos indígenas estão se mobilizando “em defesa da vida, do território, da democracia e da paz”. A Minga social e comunitária exige, entre várias reivindicações, que parem de matá-los.  A exaustão dos cidadãos colombianos frente à repressão institucional já tinha levado a população às ruas em 9 de setembro, após a morte de um advogado que foi imobilizado e recebeu descargas de choques elétricos de uma pistola Taser em uma abordagem policial filmada. A centelha acendeu a fogueira dos jovens que saíram para protestar em massa, como tinham feito em novembro do ano passado. A resposta foi: outra repressão e 13 pessoas assassinadas em Bogotá e no município vizinho de Soacha, enquanto dezenas de postos policiais ardiam em chamas como símbolos comuns de prisões arbitrárias, tortura e violações.

Dias depois, a Suprema Corte emitiu uma decisão histórica na qual concluiu que a ação policial “apresenta traços sistemáticos nos ataques ao protesto pelo uso violento, arbitrário e desproporcional da força”. Segundo dados oficiais, a polícia de Bogotá cometeu 45 estupros e 10.071 agressões físicas entre 2019 e 2020.

 

Necropolítica de Estado

O assassinato do líder liberal e candidato presidencial Jorge Eliécer Gaitán, em 1948, abriu caminho para o período conhecido como “La Violencia” [A Violência], que, em uma década, deixou cerca de 300 mil mortos e foi o prólogo para a conformação das guerrilhas que lideraram o conflito armado mais extenso da América Latina. A oligarquia colombiana não precisou recorrer a um golpe de Estado – como em grande parte do Cone Sul – para implementar o paradigma neoliberal e conseguiu mantê-lo como um projeto hegemônico até hoje. Com a violência política em seu DNA, ela se alimentou dessa guerra crônica para justificar o pisoteamento dos direitos humanos e para a construção de uma democracia muito frouxa, na qual qualquer pensamento crítico ou ativismo social corria (e corre) perigo de extermínio.

O atual pico de violência tem suas raízes no não cumprimento dos Acordos de Paz – assinados em novembro de 2016 – e no retorno ao governo do Uribismo, uma expressão política que cristaliza a aliança entre a elite latifundiária e o poder narco-paramilitar.

Outro fator fundamental é a disputa pelo controle dos territórios deixados pelas FARC após a entrega de armas. Com ausência ou cumplicidade do Estado, grupos criminosos espalham o terror para assegurar não só o negócio das drogas, mas também a exploração madeireira, a mineração e o tráfico de pessoas. Não é coincidência que os assassinatos seletivos de líderes comunitários e ex-guerrilheiros (já são, respectivamente, 1.009 e 231 assassinados desde a assinatura do acordo de paz) ocorram comumente em áreas onde há tentativas de avançar nos pontos do acordo ligados à reforma rural e à substituição ilícita de culturas. A garantia de impunidade multiplica a magnitude do horror.

Por último, nada na história contemporânea colombiana pode ser compreendido sem alertar sobre seu papel geopolítico como principal aliado dos Estados Unidos na região (Israel da América Latina, como costumava ser dito). A assinatura do plano “Colombia Crece” [Colômbia Cresce], o desembarque das tropas americanas e a visita de Mike Pompeo, três eventos recentes, reafirmam o país como a principal base da ofensiva contra a Venezuela e dos interesses de Washington no continente.

Talvez as marcas desse vínculo entre o maior produtor de cocaína do mundo e o maior consumidor sejam a chave para um passado e um presente tão dolorosos. Talvez esse vínculo explique por que esse genocídio silencioso é intencionalmente silenciado. Mas talvez, também, nessa juventude que perdeu o medo, no crescente feminismo, na tenaz resistência camponesa e indígena e nesse bloco democrático com potencial de alternativa política apareçam as pistas para um futuro com uma Colômbia diferente.

* Gerardo Szalkowicz é jornalista e editor do Nodal.

Edição: Nodal


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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