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Foto: Jewish Voice for Peace / X

Gestores de universidades nos EUA usam táticas de Israel contra estudantes pró-Palestina

Cúpula política e acadêmica rotula protestos como "antissemitas", embora a maioria dos atos seja pacíficos e muitos tenham o apoio de cidadãos judaicos
David Brooks, Jim Cason
La Jornada
Washington, DC

Tradução:

Beatriz Cannabrava

Estudantes em mais da metade dos Estados Unidos seguem protestando com acampamentos e outras ações contra a guerra em Gaza e a cumplicidade de quase toda a cúpula política, empresarial e acadêmica estadunidense. Até agora, cada prisão em massa e repressão desses jovens apenas multiplicou os atos que ocorrem em mais de 100 universidades.

Os protestos, especialmente os acampamentos, têm preocupado e alarmado não apenas as autoridades universitárias, mas também os políticos locais e federais, incluindo governadores, líderes legislativos federais e até o próprio presidente Joe Biden, que denunciou a ocupação de um prédio universitário na Universidade de Columbia e disse que palavras como intifada são antissemitas.

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Os estudantes demandam que suas universidades retirem seus investimentos multimilionárias de empresas vinculados com Israel e se proclamem a favor de um cessar-fogo imediato. Os líderes universitários e políticos se recusam a aceitar as demandas dos estudantes e, com as cerimônias de fim de ano escolar prestes a começar, têm respondido enviando forças policiais e até a Guarda Nacional, que em vários casos tem usado balas de borracha, gás lacrimogêneo, força física e até mesmo o emprego de atiradores de elite, apesar de que a maioria dos protestos tem sido não violenta. Mais de 1.600 estudantes e professores foram presos em 33 universidades, mas apesar disso, na semana passada os protestos continuaram em mais de uma centena de unidades.

As fotos e vídeos de policiais com equipamento antidistúrbios segurando violentamente estudantes e alguns professores e os jogando no chão têm intensificado as tensões em muitas universidades. Na grande maioria dos casos, os estudantes têm mantido seu compromisso com a resistência pacífica e apontado que são as autoridades que têm respondido com violência.

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Embora a maioria dos presos tenha cooperado com a polícia, algumas confrontações foram relatadas e circulam imagens de alguns manifestantes ensanguentados. Apesar da ação de prisão em massa na Universidade de Columbia e da desmontagem do acampamento, o movimento tem recebido mais atenção da mídia. Estudantes instalaram novos acampamentos e mais ocupações em outras universidades como a Portland State, em Oregon, e a New School, em Nova York.

Grandes universidades públicas, como a da Carolina do Norte em Chapel Hill, a de Utah em Salt Lake City, a de Wisconsin em Madison, a Estadual de Ohio e a do Texas, também foram palco de protestos na semana passada que resultaram em prisões pela polícia.

Acusações de infiltração por parte das autoridades

Em muitas instituições, as autoridades acusam que os protestos foram “infiltrados” por “atores externos” e até sugeriram que há pessoas suspeitas de vínculos com organizações extremistas. As repressões mais agressivas provocam temores de uma repetição da história da violência oficial desencadeada contra estudantes nos anos 60 do século passado. De fato, está próximo o aniversário do assassinato de quatro estudantes pela Guarda Nacional destacada na Universidade de Kent State, em Ohio, em 1970.

Na Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), estudantes foram surpreendidos quando a polícia local se retirou justo antes que seu acampamento não violento fosse atacado por sionistas, que primeiro lançaram fogos de artifício e depois invadiram o acampamento batendo com paus. “Foi uma noite devastadora de violência”, comentou Benjamin Kersten, um estudante da UCLA e membro do Vozes Judaicas pela Paz, que acusou, em comentários à Reuters, os ativistas sionistas e os supostos agitadores externos pela violência. Pouco depois, a UCLA anunciou que estava cancelando as aulas por enquanto.

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Enquanto as autoridades dizem se preocupar com a “segurança” de estudantes judeus nas universidades, Kersten e outros como ele têm repetido que estudantes hebreus que fazem parte dos protestos contra a guerra de Israel estão entre os que sofrem ataques de manifestantes sionistas e da violência policial. No entanto, nem todas as universidades em que houve acampamentos foram palco de confrontas. Em algumas, como a Universidade Wesleyan e a Estadual Politécnica da Califórnia, as autoridades universitárias optaram por manter um diálogo com os estudantes e tentar negociar suas demandas. Ainda não foram anunciados acordos, mas as discussões continuam.

Em quase todos os casos, a cúpula política e acadêmica tem empregado a tática do governo de Israel de rotular qualquer opositor às políticas sionistas como “antissemita”, embora isso tenha sido repetidamente rejeitado pelos manifestantes, muitos dos quais têm amplos contingentes judaicos, bem como aliados externos, incluindo rabinos, sobreviventes do Holocausto, figuras públicas judaicas como Bernie Sanders e Joseph Stiglitz, e organizações como Voces Judías por la Paz.

Reeleição de Biden ameaçada

Os protestos e a resposta das autoridades em todos os níveis poderiam ter um impacto grave sobre as perspectivas de reeleição do presidente Joe Biden. Pesquisas divulgadas durante o último mês indicam que o apoio ao presidente entre os jovens está diminuindo.

“A ameaça real para Biden é que os eleitores jovens, especialmente os eleitores com educação universitária, não tenham votado nele na eleição”, alertou Jonathan Zimmerman, professor de história da educação na Universidade da Pensilvânia, em entrevista ao The Guardian. “Eu não esperaria que os manifestantes nos campi votassem hoje por Trump, quase nenhum o fará. Esse não é o perigo, o perigo é muito mais simples: simplesmente não votarão”. E nos estados-chave que foram ganhos por Biden com uma margem muito estreita da última vez, o voto jovem será essencial para sua reeleição em novembro.

“Os manifestantes estudantis em todo o país exibem uma coragem moral e física que deveria envergonhar todas as instituições superiores deste país. Eles são perigosos não porque invadem a vida universitária ou cometem ataques contra estudantes judeus – muitos dos que protestam são judeus -, mas porque expõem o fracasso abjeto das elites governantes e suas instituições em frear o genocídio, o crime dos crimes… Suas vozes e protestos são um poderoso contraponto à bancarrota moral que os rodeia”, escreveu o crítico e ex-correspondente de guerra vencedor do Prêmio Pulitzer do New York Times Chris Hedges.

Ecos históricos

56 anos após o acampamento e ocupação estudantil contra a guerra do Vietnã na Universidade de Columbia ter sido reprimido com violência pela polícia em 1968, na noite do último dia 30 centenas de policiais invadiram o mesmo prédio acadêmico no campus dessa prestigiosa instituição, prendendo mais de 100 estudantes.

O edifício Hamilton Hall foi ocupado por estudantes que desafiaram a ordem da reitora Nemat Shafik de desmantelar seu acampamento em 29 de abril. Ela declarou que a ocupação colocava em perigo a segurança da universidade e solicitou a intervenção da polícia, pela segunda vez nas últimas duas semanas. Pouco depois, centenas de policiais chegaram, estacionaram um caminhão do lado de fora do prédio, montaram uma ponte até o segundo andar, quebraram uma janela e entraram para prender estudantes que mantiveram a não violência.

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O prefeito de Nova York, Eric Adams, ex-capitão da polícia, declarou em 1º de abril que a ação foi realizada a pedido da reitora e justificou a repressão como necessária diante de táticas “inaceitáveis” dos estudantes, acusando que havia alguns “agitadores” externos e um clima antissemita. Mas observadores não detectaram, nem foi divulgada, a identidade dos supostos agitadores e a acusação de antissemitismo foi mais uma vez questionada por estudantes judeus que têm participado dos protestos.

Columbia é, como foi há 56 anos, berço do movimento estudantil antiguerra. Os estudantes realizaram um acampamento desde 17 de abril contra a guerra de Israel, com a demanda de que a universidade privada – uma das mais ricas do país – retirasse seus investimentos em empresas que têm negócios com Israel, se declarasse a favor de um cessar-fogo imediato e o fim da cumplicidade de Washington com esse conflito. Outras universidades se juntaram e esse movimento estudantil se multiplicou com a primeira repressão em Columbia.

Alguns dos manifestantes lembraram seus antecessores nos anos 60 e parte de seu acampamento foi montado em um local onde ocorreram protestos há mais de meio século; até usaram, de propósito, partes do vocabulário, por exemplo, declarando seu acampamento como uma “zona libertada”.

Renomeação do prédio

A ocupação de Hamilton Hall foi realizada por um grupo de estudantes e não foi uma decisão coletiva de todos os participantes do acampamento, embora tenha sido apoiada por eles diante da resposta negativa das autoridades às suas demandas e da ameaça da reitora de desmantelar o acampamento ou serem suspensos da instituição. Ao ocupar o prédio acadêmico, eles se trancaram e penduraram uma manta, renomeando o prédio para Hind’s Hall, em homenagem a Hind Rajab, uma menina palestina de 6 anos que morreu em Gaza por fogo israelense.

Há 56 anos, no mesmo campus, foi estabelecido um eixo do grande movimento estudantil nacional antiguerra. Em abril de 1968, os estudantes ocuparam cinco prédios e fecharam a universidade, e uma semana depois, a partir de 30 de abril, as autoridades universitárias optaram pela repressão, com a polícia entrando por túneis e liberando com violência os prédios ocupados, incluindo o Hamilton Hall. Naquela época, mais de 700 estudantes foram presos, com mais de 100 feridos pelo uso da força policial.

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As protestas em Columbia em 1968 culminaram em vários triunfos dos estudantes, incluindo o fim de um contrato com o Pentágono, e também motivaram a eventual renúncia do reitor e do vice-reitor da universidade.

Outro eixo do movimento estudantil dos anos 60 foi a Universidade da Califórnia, onde no mês passado também foi instalado um acampamento contra a guerra de Israel e a cumplicidade dos Estados Unidos em Gaza.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.
David Brooks Correspondente do La Jornada nos EUA desde 1992, é autor de vários trabalhos acadêmicos e em 1988 fundou o Programa Diálogos México-EUA, que promoveu um intercâmbio bilateral entre setores sociais nacionais desses países sobre integração econômica. Foi também pesquisador sênior e membro fundador do Centro Latino-americano de Estudos Estratégicos (CLEE), na Cidade do México.

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