A brutalidade parece ser cada vez mais aceitável nos Estados Unidos – tanto dentro deste país como em sua política exterior – e agora o futuro imediato depende de atos daqueles que insistem em defender a beleza.
A lista de exemplos tem que começar com Gaza, onde o governo estadunidense é cúmplice direto do genocídio em curso, mas não deixa de fingir que é o líder mundial do “bem”, e neste jogo macabro ocorreu ao presidente declarar que os Estados Unidos, em sua infinita generosidade, oferecerão muito mais ajuda humanitária aos palestinos que mal estão sobrevivendo às bombas e balas made in USA. Não se dá conta da obscena brutalidade desta declaração que não incluiu o fim da assistência militar e a demanda de um cessar-fogo?
Nesse mesmo discurso, o presidente festejou a ampliação da OTAN frente à Rússia, a qual qualificou, com grande saudade da guerra fria, como a maior ameaça à “ordem internacional”. Agora foi revelado que durante 2022 houve meses de incerteza em Washington sobre o possível uso de armas nucleares pela Rússia na Ucrânia.
A incerteza marcou a vida de todas as gerações desde que os Estados Unidos desenvolveram a bomba atômica e agora são chefe do clube dos “poderes nucleares” (vale recordar que Israel está entre eles). Continua sendo brutal que continuemos vivendo em uma era onde um grupo de políticos tenham o poder de ameaçar a todos com o fim do mundo. Não é irônico que o favorito a ganhar o Oscar fosse Oppenheimer, sobre o pai científico deste pesadelo apocalíptico.
Enquanto isso, dentro deste país, a brutalidade se manifesta com a chegada ao nível mais alto de desigualdade de riqueza na história moderna do país (3 multimilionários têm mais que 50% dos de baixo) e 800 pessoas morrem por pobreza a cada dia no país mais rico do mundo. Este é um governo que prefere dedicar milhões para sufocar Cuba, um país que tem a taxa de mortalidade mais baixa que os Estados Unidos, e uma taxa de alfabetização muito superior.
A brutalidade de uma direita cada vez mais poderosa se expressa em ações de governantes no nível estadual e local para continuar censurando livros, história e humanidades, a supressão do voto de minorias e dos pobres, a criminalização de aborto, frear toda tentativa de impor maior controle sobre armas de fogo, apesar de que agora as balas são a principal causa de morte entre menores de idade, medidas para criminalizar migrantes e anular direitos trabalhistas… Só na semana passada, a legislatura da Florida aprovou uma lei que proíbe a todo governo local neste estado adotar medidas para oferecer sombra, descansos e água para proteger do calor extremo trabalhadores da construção e no campo – uma luta que também se trava em outros estados como o Texas.
Todos os dias, milhares de judeus e muçulmanos, pacifistas e antissionistas, contra a barbárie que Tel Aviv e Washington desataram contra o povo palestino, se manifestam e não deixam em paz os políticos deste país. Todos os dias, bibliotecários, professoras e estudantes estão nas trincheiras de resistência contra a onda direitista que deseja queimar livros e histórias reais do país. Todos os dias avançam lutas trabalhistas e sindicais que se expressam no nível nacional, de Immokalee a Detroit, por Alabama e em centenas de cafés Starbucks, de hotéis de Las Vegas aos processadores de carne em Dakota. Todos os dias, os imigrantes – os mais vulneráveis da terra e sob ataque aqui – estão transformando o país mais poderoso do mundo.
A beleza de todo ato de resistência é cada vez mais vital ante a nuvem cada vez mais escura da brutalidade do neofascismo encabeçado por Trump. A biágrafa de Hannah Arendt, Samantha Rose Hill, escreveu que “se viver pelo totalitarismo ensinou alguma coisa a Arendt, foi que, no momento crítico, deve-se que agir. Ninguém vem para te salvar. E enquanto não se pode fazer história, pode-se optar por mudar o mundo”.
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