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Foto: Otan / Flickr

Kremlin: ação da Ucrânia em Kursk prova que Otan atacaria Rússia

Segundo oficiais de Moscou e analistas independentes, Ucrânia não poderia atingir Kursk como fez sem imagens dos satélites espiões da Otan
Juan Pablo Duch
La Jornada
Moscou

Tradução:

Beatriz Cannabrava

Passada cerca de duas semanas desde o início da ofensiva da Ucrânia na região de Kursk, no sul da Rússia, e em meio à chegada de reforços russos que estavam em outras frentes no território ucraniana, a operação das tropas de Kiev confirmou no sábado (17) que chegou a um ponto em que não pode avançar mais do que um ou dois quilômetros por dia, enquanto a Rússia continua há meses sua própria ofensiva do outro lado da fronteira, de modo também lento, mas constante, nas regiões ucranianas de Donetsk e Lugansk.

Como uma breve síntese, este é o panorama que emerge depois de 12 dias de combates em Kursk e, a partir do momento em que não houver mais avanço ucraniano em solo russo, é praticamente impossível prever o que vai acontecer, ou melhor, qual dos cenários possíveis Moscou e Kiev vão escolher.

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Com base nas informações e análises fornecidas por especialistas de ambos os lados, o primeiro ponto que chama a atenção é que russos e ucranianos – embora os primeiros estejam cortando as estradas e caminhos para evitar os avanços ucranianos e estes tentem atacar pelos flancos – estão se preparando para fortificar suas posições, à espera do próximo passo que seu inimigo dará.

Nesse sentido, os russos cavam trincheiras a 45 km da fronteira e os ucranianos procuram desmantelar a logística do Kremlin, destruindo, como fizeram na sexta-feira (16), uma ponte sobre o rio Seima e bombardeando outras nos rios Volga e Vedma, informou o canal Rybar, próximo à inteligência militar russa.

Até quando?

Não está claro se o Kremlin vai aceitar que tropas estrangeiras ocupem parte de seu território por um tempo – para os comentaristas mais pessimistas em Moscou, como Oleg Tsarev (ex-deputado pró-russo do Parlamento ucraniano), até o próximo inverno, e para os mais otimistas em Kiev, como Mikhailo Podolyak, assessor da presidência, até que algum dia se celebrem negociações e isso sirva como moeda de troca – ou se vai tentar expulsá-los a todo custo.

O problema, do ponto de vista do analista militar Konstantin Mashovets, é que a Rússia transferiu como medida de urgência desde os fronts de Donetsk, Kharkiv, Kherson e Zaporíjia (a linha de frente abrange 1.200 km) cerca de 10 batalhões, o que equivale a cerca de 5 mil efetivos, para frear a Ucrânia em Kursk, levando em conta que Kiev utilizou apenas parte das 14 brigadas que estava preparando como reserva.

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Agora, a Ucrânia mantém na fronteira o restante das unidades que podem entrar em Kursk, em caso de necessidade ou esperar que mais tropas russas se concentrem ali para atacar em outro lugar, como Briansk, Belgorod ou a Crimeia, por exemplo. Para poder expulsar os ucranianos de seu território, a Rússia necessita – na opinião dos especialistas Yan Matveyev e Piotr Chernyk – de no mínimo 30 a 40 mil soldados, cerca de, segundo eles, 10% de seu contingente na Ucrânia.

A Rússia, consideram esses e outros analistas, não tem reservas disponíveis e tampouco quer, devido à rejeição na sociedade, enviar conscritos para combater ou anunciar uma mobilização geral, tentando reforçar as fileiras de seu exército oferecendo cada vez mais dinheiro àqueles que estão dispostos a assinar um contrato, mas os recursos não são inesgotáveis.

“Terra arrasada” em Kursk?

Se não deslocar esses 30 ou 40 mil soldados de Donetsk e Lugansk, onde se concentra o grosso das tropas russas na Ucrânia, e se propor a expulsar os ucranianos de seu território a qualquer custo, só lhe resta – na opinião do analista militar Valeri Shiriayev – “fazer o mesmo que fez em Bakhmut ou Avdiivka: bombardear incessantemente com aviação e artilharia até transformar as localidades ocupadas em ruínas”. Mas há dúvidas de que o Kremlin esteja disposto a arrasar seu próprio território, avalia Shiriayev.

Até o momento, o presidente Vladimir Putin – embora tenha posto à frente da operação para resgatar Kursk um dos homens de sua máxima confiança, Aleksei Diumin, membro de seu círculo atual como assessor, que começou sua carreira política como guarda-costas do presidente e a quem no futuro foi mencionado como possível sucessor – não autorizou o Estado-Maior a enviar mais efetivos de Donetsk e Lugansk para Kursk, confiando que os êxitos em solo ucraniano podem relegar a segundo plano os retrocessos em território russo.

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Participação da Otan

Segundo o Kremlin, que afirma que em Kursk se realiza uma “operação antiterrorista”, a ofensiva ucraniana em seu território – de acordo com a maioria dos blogueiros-Z, que apoiam a operação militar especial na Ucrânia e criticam a cúpula militar – é a melhor demonstração de que a Rússia seria atacada pela OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), tese que os comentaristas da televisão pública russa reproduzem.

Embora Washington e Bruxelas neguem ter participado na preparação do ataque ucraniano em Kursk, tanto porta-vozes oficiais de Moscou quanto analistas independentes concordam que, sem receber imagens dos satélites espiões da aliança atlântica, o comando militar da Ucrânia não teria conseguido desferir o golpe que pegou de surpresa a Rússia.

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Nesse sentido se pronunciou Nikolai Patrushev, ex-secretário do Conselho de Segurança da Rússia, em entrevista ao jornal oficialista Izvestia, como antes fizeram tanto o já citado especialista Valeri Shiriayev, quanto Ruslán Leviyev, copresidente do Conflict Intelligence Team, organização independente russa que se dedica a analisar as guerras a partir de todas as fontes abertas disponíveis.

Versões da Ucrânia

Na reunião diária do gabinete de guerra ucraniano, o comandante em chefe do exército, Oleksandr Syrskyi, informou na quinta-feira (15) ao presidente Volodymyr Zelensky que as tropas sob seu comando já ocupam 82 localidades e uma área de 1.150 km² na região russa de Kursk.

Agregou que, desde que começou a operação (em 6 de agosto), “até hoje (quinta-feira), nosso exército se encontra posicionado a 35 km da fronteira”, e assinalou que, “para manter o cumprimento da lei e da ordem, bem como garantir as necessidades prioritárias no território controlado, foi decidido criar o primeiro comando militar e nomear como seu titular o general Eduard Moskaliov”.

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Por sua vez, Irina Vereschuk, vice-primeira-ministra da Ucrânia, reiterou que o governo e o exército ucranianos “estão trabalhando para abrir um corredor humanitário” com o objetivo de que os civis russos que residem na zona de combate possam, se assim desejarem, ser evacuados para a região ucraniana de Sumy.

“Um corredor humanitário para a Federação Russa é possível, desde que a Rússia o solicite oficialmente. Até o momento, isso não foi feito”, precisou a funcionária.

O que diz a Rússia

O Ministério da Defesa russo, por sua vez, em seu reporte diário, indicou também na quinta-feira que impediu “as tentativas de avanço em profundidade no território russo” das unidades ucranianas nas localidades de Safonovka, Varvarovka, Shevtujovka, Kauchuk, Alekseyevskaya e Matveyevka.

Cabe notar que os dois primeiros povoados no distrito de Korenevo, Varvarovka e Safonovka estão localizados, respectivamente, a 25 e 29 quilômetros da fronteira, de acordo com a mídia independente. A instituição militar russa confirmou que as tropas ucranianas naquela localidade avançaram 2 quilômetros em um dia.

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Enquanto isso, ainda na quinta-feira entrou em vigor na região de Belgorod o “regime de emergência federal”, e o ministro da Defesa russo, Andrei Belousov, ofereceu em um encontro com o governador Viacheslav Gladkov o envio de “forças de reforço para proteger Belgorod, que também faz fronteira com a Ucrânia, ante o que está ocorrendo na vizinha Kursk”.

E lançou uma mensagem tranquilizadora: “O Estado-Maior já elaborou um plano específico e se trata, sobretudo, de aumentar a eficiência do comando das tropas e de proporcionar forças e recursos adicionais para poder cumprir as tarefas destinadas”, indicou Belousov.

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O comissário para os direitos humanos da Rada Suprema (Parlamento ucraniano), Dmytro Lubinets, disse na quinta-feira que entrou em contato com sua contraparte russa, Tatiana Moskalkova, para propor uma troca de prisioneiros de guerra. A representante russa não fez nenhuma declaração a respeito, mas o ucraniano comentou à imprensa de seu país que confia em chegar a um entendimento.

Explosão de avião

Embora não esteja relacionado com o conflito armado na Ucrânia, a Rússia perdeu na quinta-feira um de seus aviões mais importantes por sua capacidade de transportar bombas atômicas até os Estados Unidos, em teoria o “inimigo principal”: um bombardeiro hipersônico estratégico TU-22M3, que explodiu ao realizar “um voo regular” na região de Irkutsk, na Sibéria, segundo confirmou o ministério da Defesa, por “uma falha técnica”, depois que as redes sociais publicarem imagens do veículo em chamas. Os quatro membros de sua tripulação saíram ilesos ao se ejetarem.

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Juan Pablo Duch Correspondente do La Jornada em Moscou.

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