Pesquisar
Pesquisar

Luis Nassif | Mídia está alheia às grandes discussões sobre nova etapa da economia

A recuperação do nível de atividade, através de políticas de sustentação dos empregos e de salvação das empresas, deveria ser a prioridade central
Luís Nassif
GGN
Brasília (DF)

Tradução:

Desde o início da financeirização da economia brasileira, nos anos 90, criou-se um padrão de análise econômica torto. Consiste em cobrir pavloviana os fatores que influenciam o mercado no curtíssimo prazo. E a tratar com visão dogmática temas como rigor fiscal, privatização, papel do Estado.

Esse falta de espírito crítico permitiu a disseminação do chamado terrorismo econômico. Qualquer gasto social já estimula matérias alertando para o desequilíbrio fiscal e os horrores que acometerão o país se a relação dívida/PIB superar determinados limites. Sempre se coloca um limite que é superado sem que a economia exploda.

No início, até se justificava. O país saía de um longo período de fechamento econômico, com praticamente todas as atividades reguladas. O país completara o ciclo de amadurecimento industrial e os novos tempos exigiam flexibilização nos controles e estratégia para uma inserção competitiva no mercado internacional.

A recuperação do nível de atividade, através de políticas de sustentação dos empregos e de salvação das empresas, deveria ser a prioridade central

Google Fotos
A mídia econômica está absurdamente alheia às grandes discussões que se processam em todo mundo

Esse modelo foi atropelado pelo Plano Real, com uma combinação irresponsável de juros altos e câmbio apreciado que praticamente destruiu o modelo econômico que, até a crise da dívida externa, nos anos 80, transformara o país no emergente com maiores índices de crescimento e industrialização.

O país perdeu o bonde da industrialização. Agora, o país – e o mundo – entram em uma nova dinâmica, totalmente diversa do período anterior. O modelo econômico anterior deixou o mundo em uma encruzilhada.

De um lado, o meio ambiente passa a ser um condicionador essencial do crescimento. Consumidores e investidores de países centrais deflagraram a tolerância zero para a destruição ambiental, o que mudará totalmente a forma de planejamento do crescimento.

O segundo ponto é a mudança radical do modelo econômico que vigorou até então.

Esse modelo se baseava em um ciclo produção – emprego – consumo – investimento. Ou seja, o aumento de vendas promovia um aumento do emprego; que resultava em um aumento do mercado de consumo; que induzia a um aumento do investimento ampliando a capacidade produtiva e os empregos.

O modelo foi baleado em duas frentes.

Em uma delas, a China transformando-se no fabricante global e sugando os empregos dos países centrais. Em outra, o aumento excessivo da liquidez internacional, definindo o novo padrão de investimentos a partir do crédito e não da reinversão de lucros.

O crédito barato beneficiou as empresas globais em geral, mas beneficiou mais as empresas maiores, induzindo a um profundo processo de concentração econômica. De outro lado, cada vez mais os interesses das grandes empresas passaram a se concentrar no mundo, deixando de lado a defesa do mercado interno e do emprego.

Esse movimento produziu um enfraquecimento das centrais sindicais, e, junto com a informática e a robotização, quebrou a espinha do mercado de trabalho.

Com a pandemia, o quadro se torna mais drástico.

As empresas estão sem fôlego para a retomada pós-pandemia. A renda das famílias implodiu com o desemprego. Sem consumo, não há vendas. Sem vendas, não há emprego, nem receita fiscal.

Portanto, a recuperação do nível de atividade, através de políticas de sustentação dos empregos e de salvação das empresas, deveria ser a prioridade central. O próprio Fundo Monetário Internacional, guardião implacável da ortodoxia, deu a mão à palmatória.

Em documento recente, diz ele:

  • Regiões que ainda enfrentam lockdowns, as autoridades continuem a “amortecer” as perdas de renda das famílias, além de apoiar as empresas forçadas a reduzir suas atividades devido às restrições impostas.
  • Onde as economias estão reabrindo, o apoio direcionado deve ser gradualmente desfeito à medida que a recuperação está em andamento, e as políticas devem fornecer estímulo para elevar a demanda e facilitar e incentivar a realocação de recursos de setores que provavelmente emergirão permanentemente menores após a pandemia.
  • É essencial  uma forte cooperação global durante a pandemia, observando que os países que enfrentam a crise e também enfrentam uma queda no financiamento externo, ou outro tipo de financiamento, precisam urgentemente de “assistência de liquidez”.

Mesmo assim, a mídia econômica está absurdamente alheia às grandes discussões que se processam em todo mundo, sobre a nova etapa da economia. O jornalismo se move como nas colunas sociais. Repetir mantras de mercado é “moderno”; questionar é pobreza de fontes. Colocam o equilíbrio fiscal – impossível no quadro atual – como condicionante central para a atração de investimentos, quando os critérios dos investidores se concentra exclusivamente na capacidade de recuperação da economia.

É de uma mediocridade exasperante.

Aliás, um dos grandes vícios desse tipo de pensamento pavloviano – que acomete economistas e jornalistas – é a incapacidade de identificar momentos de corte, nos quais as receitas convencionais não tem o menor valor. Foi assim no pós-Real, com a crise cambial que explodiu poucos meses depois de iniciado o plano. Foi o que ocorreu também em 2015, com o plano Joaquim Levy.

Assista, a propósito, o 1o capítulo da série “O Brasil fracassou como Nação”, levado a cabo na TV GGN, com o economistas Luiz Gonzaga Belluzzo e o executivo Gabriel Galípolo, presidente do Banco Fator.

De certo modo, a tragédia brasileira tem três pontas:

  1. As loucuras de Jair Bolsonaro.
  2. O ideologismo emburrecedor de Paulo Guedes.
  3. A incapacidade da mídia de realizar uma discussão minimamente racional sobre os novos tempos.

Luís Nassif é jornalista e editor do portal GGN


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

Veja também


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Luís Nassif

LEIA tAMBÉM

Com Trump, EUA vão retomar política de pressão máxima contra Cuba, diz analista político
Com Trump, EUA vão retomar política de "pressão máxima" contra Cuba, diz analista político
Apec Peru China protagoniza reunião e renova perspectivas para América Latina
Apec no Peru: China protagoniza reunião e renova perspectivas para América Latina
Reunião ministerial
Membros do governo jogam contra Lula e sabotam entrada do Brasil na Nova Rota da Seda
Reforma previdenciária na China por que país decidiu aumentar idade para aposentadoria
Reforma previdenciária na China: por que país decidiu aumentar idade para aposentadoria?