1.461 dias. Quem mandou matar Marielle? E por quê? A pergunta continua sem respostas. O legado de Marielle, não. E uma das principais responsáveis por isso é Anielle Franco, irmã de Marielle. Mas não só. Diretora do Instituto Marielle Franco e doutoranda da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Anielle é também professora, jornalista, escritora, palestrante, ativista e mãe de duas meninas, como ela explica logo no começo da entrevista.
Assim como sua irmã, Anielle se tornou uma voz central nos debates sobre feminismo, com foco em feminismo negro, na América Latina. E comanda o trabalho do Instituto Marielle Franco, cujo propósito é “lutar por justiça, defender a memória, espalhar o legado e regar as sementes de Marielle”, conforme consta em seu website. Além de trabalhar pelo legado de Marielle Franco, a luta de Anielle e a do Instituto é também por justiça, é para saber quem mandou matar Marielle Franco e por qual motivo.
A entrevista foi feita na essência do que é esta série: resistência e solidariedade latino-america. Entrevistamos Anielle enquanto ela estava em viagem na Colômbia, onde desenvolveu articulações afro latino-americanas, como a campanha de Francia Márquez. Ela também visitou o Chile, onde participou do 8M chileno e encontrou o presidente eleito Gabriel Boric.
Nesta entrevista, Anielle fala sobre o status da investigação do assassinato de Marielle e Anderson, do trabalho do Instituto Marielle Franco, de feminismos, sobretudo feminismos negros, solidariedade latino-americana, política e eleições no Brasil e sobre as ações agendadas para o 14 de março deste ano, quando completamos quatro anos sem a presença física de Marielle. Isso porque a Marielle está presente, como é lembrado nos atos políticos quando seu nome é evocado. Mais do que retórica, este grito evoca a imagem e a presença do símbolo que Marielle se tornou. Hoje, é difícil estar em alguma manifestação de esquerda, ou pelo menos em manifestações feministas, e não se deparar com um adesivo, um cartaz ou uma blusa com a imagem da ex-vereadora do Rio de Janeiro que teve sua vida interrompida em 2018. Como disse Anielle: “a Mari vira esse símbolo de luta, ainda mais forte, infelizmente após o assassinato dela”.
Mídia NINJA – Flickr
É difícil estar em alguma manifestação de esquerda ou feminista e não se deparar com um adesivo, cartaz ou blusa com a imagem de Marielle
Le Monde Diplomatique Brasil – Em primeiro lugar, pedimos que se apresente e conte um pouco da sua trajetória de ativista.
Anielle Franco – Eu sou professora, jornalista, escritora, palestrante, ativista, mãe de duas meninas lindas. Sou irmã de Marielle Franco e a minha trajetória de ativismo, na verdade, começa desde que eu tive que aprender a sobreviver dentro da favela da Maré. De tudo que a gente passava na infância, na adolescência, de tudo, foi quando nós criamos e começamos a ter o entendimento político de quem éramos, da nossa vida.
Em 14 de março completamos quatro anos sem Marielle Franco. Poderia nos apresentar um balanço da situação atual das investigações de quem mandou matar Marielle e por quê?
Eu acho que tem avanços sobre a investigação do caso da Mari, mas ainda diria que falta responder a principal pergunta: “Quem mandou matar a Marielle?”. Enquanto estamos mantendo esse legado, seguimos também na expectativa de que, em algum momento das nossas vidas, teremos essa resposta. Visto que esse é um crime que traz várias situações à tona para a democracia brasileira. A investigação do assassinato da Mari já passou por muitas mudanças, trocas de comandos, tentativas de interferências, mas a gente segue na esperança de que vamos dar conta de manter esse legado, primeiro de tudo, e que vamos conseguir, em algum momento, descobrir quem mandou matar a Mari.
O que você gostaria de dizer para a sociedade neste momento de quatro anos sem Marielle Franco?
Eu diria para a sociedade que acredita em tudo o que a Mari defendia e em tudo o que o Instituto Marielle Franco tem feito para continuar cobrando justiça junto conosco. A gente não vai desistir de cobrar todos os dias enquanto a gente tiver sangue correndo nas veias e força de pedir para que esse crime seja desvendado. É inadmissível uma vereadora, que foi eleita com 46 mil votos, ser assassinada daquela forma e até hoje a gente não ter uma resposta.
Gostaríamos de ouvir um pouco sobre o trabalho do Instituto Marielle Franco. Quais são as principais ações do instituto neste momento? Como o trabalho do instituto se articula com as resistências latino-americanas? Há algum intercâmbio de informações com outros institutos de países vizinhos?
O Instituto Marielle Franco nasce dessa dor, desse feminicídio político, e a gente tem se mantido e tem estado presente na maneira de manter a memória e o legado da Mari. Começamos a pensar o instituto de 2018 para 2019. Ficamos um ano e pouco pensando nisso, até que, em 2020, a gente começa a colocar o instituto na rua. Então, hoje a gente tem pilares, missão e visão que nos movem para que a gente possa dar conta de tudo que o instituto tem a acrescentar, mas mantendo o que a gente acredita com educação e mulheres negras incidindo e alcançando lugares de poder, protagonizando suas histórias. É um pouco disso. A gente tem se articulado nesses últimos dias. A gente está aqui na Colômbia fazendo articulações afro latino-americanas. Então, a gente veio para compor a campanha de Francia Márquez, que é uma campanha que tem um significado emblemático para a gente. Uma mulher negra concorrendo à presidência na América Latina. Essa nossa conexão e esse trabalho têm sido muito importantes para a gente se estabelecer. Agora vamos diretamente para o Chile, para a posse do Gabriel Boric, para a qual fui nominalmente convidada e a gente espera, cada vez mais, seguir com o legado da Mari se fortalecendo.
Como você avalia a luta das mulheres e a luta feminista hoje no Brasil? E o papel do feminismo negro?
Feminismo tem papel central para a vida das mulheres, para a vida daquelas que não aceitam mais tanta opressão do patriarcado, tanto racismo, principalmente, para as mulheres negras. Temos um feminismo que tem se construído, se desconstruído, e tem que ser ressignificado a partir de tudo o que temos vivido. A luta das mulheres é essencial. A gente esteve no dia 08 de março marchando no Chile, com essas mulheres latino-americanas também. Mas, estamos conectadas com tudo o que está acontecendo no Brasil, principalmente, porque entendemos que a Mari é um símbolo de luta, ainda mais forte, infelizmente, após o assassinato dela.
Como você avalia as mudanças da política institucional no campo dos direitos humanos desde a eleição de Bolsonaro? E no campo das resistências? Quais são os principais desafios neste momento?
São inúmeros desafios. Mas, acho que um dos maiores desafios, a gente está conseguindo até agora que é de se manter viva. Infelizmente, tentaram calar a Mari, tentaram fazer com que a reputação dela fosse aniquilada, mas a gente segue firme, segue acreditando em tudo que temos feito, segue entendendo que estamos do lado certo da história. São muitas coisas, muitas vertentes, mas acreditamos que, coletivamente falando, vamos conseguir virar esse jogo. As pessoas falam que nós somos minorias, mas não somos. Tanto as mulheres, quantos os indígenas, quilombolas, mulheres negras, mulheres trans. Então, a gente está, cada vez mais, dando passos firmes para que a nossa realidade seja diferente e então, quem sabe, pensar para os próximos anos na primeira mulher negra candidata a presidente do Brasil.
Nas eleições de 2022, vocês enxergam a necessidade de se posicionar mais diretamente ou entendem que a política partidária institucional não está nos planos do instituto?
Ninguém do instituto é filiado a nenhum partido, mas sabemos com quem incidir nesse momento de eleição que, para manter a democracia, vai ser importante. Entendemos que esse ano de 2022 teremos alguns desafios, mas estaremos preparadas para isso. Estamos lançando nosso projeto estadual que é o “Estamos Prontas”. Mas, estaremos também apoiando outras organizações como a Coalizão Negra Por Direitos, Instituto Peregum, que irão lançar algo no âmbito nacional. Então, é trabalhar junto: movimento negro, movimento de mulheres negras, instituto e diversas organizações parceiras, Mulheres Negras Decidem, por exemplo. Trabalhar juntas para que a gente possa, cada vez mais, incidir e combater o que a gente tem enfrentado por aí.
Quais são os desafios para as resistências feministas no ano de 2022?
Quando a gente olha e vê o que o Brasil tem se tornado de 2018 para cá com o Bolsonaro no poder, é bem complicado de ver tanto ódio, tanta legitimação para o ódio, mas a gente tem respondido bem a isso. Seja denunciando, respondendo, estando firme para seguir na luta. Eu costumo dizer que a gente talvez vença essas eleições com um novo presidente em 2022. Mas, acho que o bolsonarismo, na verdade, vai ser algo para ser combatido aos poucos, mas com muita força. Porque não é possível e não é admissível que a gente entenda e aceite ódio, discriminação, preconceito e misoginia. Nada disso mais é possível. A gente não está pedindo permissão de nada para ninguém. A gente está entrando nos lugares que achamos que temos que entrar e vamos seguir entrando.
Como será o 14 de março de 2022? Há ações planejadas de protesto por justiça para Marielle e Anderson?
No 14 vai acontecer o Festival Marielle e Anderson. Justiça por Marielle e Anderson. A gente fez a primeira versão 2019 e foi muito incrível. Foi um dia inteiro de festival produzido por mulheres na frente da Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Estamos tentando reproduzir isso, agora, tentando entender todas as questões sanitárias de segurança contra a Covid-19, mesmo as pessoas dizendo que a partir do mês que vem tem um decreto permitindo o não uso de máscaras, mas a gente vai cobrar vacina e todos os cuidados. Temos várias artistas já confirmadas e teremos uma mesa incrível com mulheres negras que estão segurando a nossa mão há algum tempo, compondo esse espaço. Mas, eu acho que mais do que isso, o festival para além de tudo é uma resposta a tanto ódio que, às vezes, há contra a Mari. É óbvio que também há muito apoio, muito carinho e muito suporte, mas é uma resposta para dizer que a gente continua aqui e estamos prontas. Mais uma vez eu repito: não estamos pedindo permissão. Como uma companheira falou aqui na Colômbia, “a gente está adentrando lugares/ espaço que a gente sabe que tem que estar”. E seja na cultura, seja na política, seja na educação, seja na saúde, a gente vai estar. Eu acho que o festival é um pouco dessa prova.
Como você avalia a importância de um festival cultural para a luta por justiça para Marielle e Anderson?
É importante para a gente não só se manter viva, mas também reforçar o legado e, para além disso, também é dizer que a gente tá aqui, que a gente existe e que mesmo quando tentaram matar a Mari, conseguimos erguer nosso punho, estar firme, estar viva, estar incidindo e fazendo a diferença protagonizando mulheres negras.
Marco Antonio Teixeira é sociólogo, pesquisador de pós-doutorado do Instituto de Estudos Latino-Americanos (LAI) da Freie Universität Berlin (FU Berlin) e coordenador científico do Grupo de Pesquisa “Alimento para Justiça: Poder, Política e Desigualdades Alimentares na Bioeconomia” (LAI, FU Berlin). Twitter: @teixeiramas
Victor Moreto é historiador pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) e doutorando em Ciências Sociais pela Universidad de Buenos Aires (UBA). Twitter: @VictorMoretoST
Os autores agradecem pelo apoio de Alessandra Costa, assessora de Anielle Franco.
Leia os textos de Anielle Franco publicados no Le “Mulheres negras decidem: Para onde vamos”
Um futuro redesenhado pelas mãos das mulheres negras é possível
Leia também o texto de Marielle Franco, publicado na nossa edição de janeiro de 2018
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