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ToggleO feminicídio é um tema muito complexo para o presidente Andrés Manuel López Obrador e para o México, não só pela horrorosa quantidade de mexicanas assassinadas e a vulnerabilidade das mulheres, mas, além disso, por sua interpretação.
As cifras são assustadoras e é muito difícil que se repitam ou igualem em qualquer outro país: Nos últimos quatro anos e meio morreram de forma violenta 14 152 mulheres no México.
O que incomoda a população feminina é que, embora seja certo que as disposições legais exigem indicar de início os casos como possíveis feminicídios, na realidade só um de cada cinco casos é classificado dessa forma.
Em 30% desses casos a mulher foi assassinada dentro de sua própria casa, uma porcentagem que duplica a de homens. Há notórias disparidades na interpretação do crime, pois enquanto em alguns estados como Nuevo León tipificam de feminicídio 85% de casos, outros como Guanajuato só consideram assim 5%.
A interpretação divergente não é um problema semântico, mas encerra uma visão a favor do machismo que tergiversa o aspecto legal e a gravidade social de uma atitude execrável do comportamento humano atinente à sociedade e ao Estado de Direito.
Prensa Latina
Cifras do Observatório Cidadão Nacional do Feminicídio, indicam que do total de homicídios apenas 25,6% são investigados como feminicídios
Rebelião feminina
Aí é onde se rebelam as mulheres mexicanas porque a justiça ignora o fundo do problema, se incomodam e adotam atitudes que ultrapassam a fronteira do protesto pacífico e racional, e abrem caminhos para a infiltração de qualquer natureza, política, ideológica, do crime organizado ou inclusive de interesses econômicos espúrios.
Aceitam que nem todos os homicídios de mulheres são feminicídios, mas estão convencidas de que há uma subestimação do fenômeno que ignora critérios da Corte a favor de uma classificação discricionária das promotorias.
Com essa visão crítica, as mulheres pretendem que não se tergiversem os fatos nem se afete o esclarecimento de casos notoriamente feminicidas, nem se impeça que se retrate a dimensão do problema.
Ao governo de Andrés Manuel López Obrador dizem claramente que no primeiro ano de seu governo foram assassinadas pouco mais de três mil mulheres, segundo cifras do Secretariado Executivo do Sistema Nacional de Segurança Pública, e os resultados da ação contra o feminicídio e sua interpretação não as convencem.
Por exemplo, cifras do Observatório Cidadão Nacional do Feminicídio (OCNF), indicam que do total de homicídios apenas 726 (25,6%) são investigados como feminicídios, enquanto a maior parte são julgados como homicídios dolosos.
Observatório Cidadão Nacional do Feminicídio
O OCNF, uma entidade civil, denuncia, ao contrário, uma prevalência dos feminicídios e critica a ausência de um plano nacional integral para seu atendimento e prevenção, apesar do que expressa ou informa o governo.
É nesse contexto de interpretação conceitual jurídico-legal e de ações concretas do feminicídio que se produzem as marchas das mulheres e sua virulência escapa ao controle inclusive das próprias gestoras dos protestos, segundo interpretam alguns meios de comunicação e círculos diplomáticos.
As mulheres querem um freio visível e confiável do feminicídio, ou seja, que parem os assassinatos e os abusos, e embora expressem satisfação com as medidas do governo para evitar ataques sexuais, raptos, maus tratos, e a aprovação de leis contra a desigualdade de gênero tanto na administração pública como privada, não estão satisfeitas com os resultados.
As manifestações atuais foram provocadas por um diário nacional ao publicar imagens sensíveis do esquartejamento de uma bela jovem, Ingrid Escamilla, por seu ex-companheiro, um homem idoso ciumento. Foram fotos que ferem profundamente a sensibilidade do ser humano, disseram as feministas.
Mulheres querem uma reforma constitucional
Esse fato provocou a proposta na Câmara de deputados de uma reforma constitucional para adicionar ao Código Penal sanções aos servidores públicos que difundam imagens como as do caso de Ingrid.
Ao se sentir pressionado, e com os piquetes femininos na frente do Palácio Nacional que exigiam uma avaliação mais profunda do feminicídio, López Obrador lançou seu decálogo a favor das mulheres.
Em síntese, os 10 critérios são:
1) Estou contra a violência em qualquer de sua manifestações.
2) Deve-se proteger a vida de homens e mulheres, de todos os seres humanos.
3) Agredir uma mulher é uma covardia.
4) O machismo é um anacronismo, um ato de brutalidade.
5) As mulheres têm que ser respeitadas.
6) Digo não as agressões contra mulheres.
7) Digo não a crimes de ódio contra mulheres.
8) Castigo aos responsáveis de violência contra mulheres.
9) O governo vai se ocupar sempre de garantir a segurança das mulheres.
10) Vamos garantir a paz e a tranquilidade no México.
No entanto, apesar da importância e da necessidade de aplicar esses 10 compromissos, as mulheres o recusaram por considerar que ainda assim o executivo minimiza o tema. Buscam uma posição mais radical que acabe de uma vez com os assassinatos, a discriminação e a desigualdade de gênero.
*Luis Manuel Arce Isaac é correspondente de Prensa Latina desde a Cidade do México.
**Prensa Latina, especial para Diálogos do Sul — Direitos reservados.
***Tradução: Beatriz Cannabrava
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