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Muito além do 5G: EUA e China terão que escolher se tecnologia vai aproximar humanidade ou ser fonte de conflito e violência

Começo do governo Biden consolidou a imagem da China como uma rival, o que torna mais difícil imaginar cenários de cooperação sino-americana no futuro próximo
Murilo Motta
Diálogos do Sul Global
São Paulo (SP)

Tradução:

A competição entre China e Estados Unidos pela liderança no desenvolvimento de novas tecnologias, como o padrão 5G, é uma disputa pelo poder de moldar as estruturas da economia política internacional.

A inauguração da infraestrutura de redes de comunicação móvel de quinta geração (5G), e a hiperconectividade proporcionada por ela, permitirá um aumento exponencial do volume e disponibilidade de dados que circulam nas redes digitais, bem como das possibilidades de trabalhá-los e monetizá-los, ao serem vendidos como modelos preditivos do comportamento humano para empresas de anúncios, ou para governos nacionais.

Este aumento da geração de dados também aumenta a demanda por armazenamento e disponibilidade das informações, exigindo ampliação das redes de data centers, oferecidos principalmente por algumas poucas empresas estadunidenses e chinesas.

Os desdobramentos destas novas tecnologias em aspectos militares, de controle e de vigilância, faz com que sejam elementos centrais para a estratégia de qualquer potência internacional.

Começo do governo Biden consolidou a imagem da China como uma rival, o que torna mais difícil imaginar cenários de cooperação sino-americana no futuro próximo

Wikimedia Commons
Disputa entre China e EUA terá como resultado caos ou fim da hegemonia estadunidense

Rivalidade tecnológica e relações internacionais

Em 2018, o então presidente dos Estados Unidos Donald Trump iniciou uma “disputa comercial” contra a China, impondo tarifas sobre a importação de commodities do país, motivado pela balança comercial desfavorável entre os países, que ele culpava pelo desemprego doméstico e pela perda de competitividade internacional dos EUA.

Com o aumento das tensões, Trump proibiu que empresas de telecomunicações estadunidenses instalassem equipamentos estrangeiros em seus produtos, determinou a redução da oferta de vistos para pesquisadores chineses e restringiu os investimentos da potência asiática nos EUA.

Os esforços do republicano também objetivavam evitar que parceiros tradicionais do país, como o Brasil, adotassem a tecnologia 5G da Huawei, empresa chinesa que detém grande fatia do mercado mundial de equipamentos deste tipo.

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Segundo Samantha Power, apontada pelo novo presidente como administradora da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID, na sigla em inglês), o entendimento do governo Biden é que “a China usa essa infraestrutura tecnológica para fins de segurança nacional e para fazer espionagem comercial” e que isso deixaria os países que adotassem sua tecnologia vulneráveis “aos caprichos do governo chinês e do aparato de segurança nacional deles”, posicionamento muito similar ao adotado pelo governo Trump.

Ainda assim, Power destacou que Biden se diferencia de seu antecessor por priorizar abordagens multilaterais nas negociações com a China e por considerar o combate ao aquecimento global um ponto de convergência dos interesses das duas potências.

Competição pelo futuro

Em 10 de fevereiro de 2021, o presidente Biden se pronunciou oficialmente ao pessoal do Departamento de Defesa (DoD) para apresentar sua agenda de governo.

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Além de ter anunciado o fim das medidas discriminatórias de Trump, que baniram as pessoas transgêneros do serviço militar, e destacado a importância do DoD no controle da pandemia da covid-19, no combate às mudanças climáticas e na luta pela justiça racial no país, seu discurso destacou os perigos e as oportunidades que acompanham as novas tecnologias e identificou a China como principal rival dos EUA no sistema internacional.

O novo presidente destacou que a competição pela supremacia global no século 21 está intimamente ligada ao desenvolvimento de tecnologias cibernéticas de ponta.

O ciber poder pode ser entendido como a capacidade de um ator de utilizar tecnologias digitais de comunicação e informação para modular as ações e as preferências de outros atores.

Nos conflitos internacionais, refere-se também à capacidade de um Estado de utilizar essas tecnologias digitais para incapacitar as comunicações e outras infraestruturas críticas, mas também espionar e coagir outros Estados.

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Neste mesmo pronunciamento, Biden também anunciou a criação de uma Força-Tarefa do DoD para assuntos relacionados à China, de modo a garantir que os EUA “estejam em posição de liderar a nova era de competição [tecnológica]”, posição que é ameaçada pelos “crescentes desafios postos pela China para a manutenção da paz e a defesa de nossos interesses no Indo-Pacífico e globalmente”.

Segundo ele, é através da ampliação das capacidades estadunidenses no ciberespaço — por meio do desenvolvimento econômico e tecnológico, para além da capacidade militar tradicional — que sua gestão espera “estar à altura do desafio representado pela China e garantir que o povo americano vença a competição pelo futuro”.

Embora Biden se distancie do vocabulário xenófobo que marcou a gestão de seu antecessor, ao consolidar a imagem da China como o principal desafio para a manutenção da hegemonia estadunidense no sistema internacional, o novo presidente utiliza a mesma estratégia de Trump para justificar maiores gastos em pesquisa e desenvolvimento de tecnologias e no setor militar, perpetuando uma dinâmica perigosa de rivalidade que tem sido associada ao aumento de ataques racistas contra pessoas chinesas e asiáticas nos EUA.

“Desafio Chinês”

Estas duas potências internacionais têm objetivos geopolíticos concorrentes, ao mesmo tempo em que apresentam forte complementaridade produtiva e interdependência econômica.

Nos EUA, há uma percepção crescente de que a acoplagem produtiva, tecnológica e financeira sino-americana nas últimas décadas possibilitou as condições para o fortalecimento chinês e para sua progressiva afirmação geopolítica.

Dessa forma, esta disputa pelo domínio sobre as novas tecnologias de comunicação e informação faz parte de uma reorganização do poder e da riqueza entre as grandes potências e seus grandes capitais no sistema internacional, ensejada pela ascensão da China

Para os EUA, a expansão econômica e as vantagens tecnológicas da China representam uma ameaça no sentido de que ela passa a ocupar espaços estratégicos e institucionais que, durante as últimas décadas, asseguraram aos EUA um grau de hegemonia nas relações internacionais. Isto é, devido à sua influência cultural-ideológica e às suas capacidades econômica e militar, os EUA influenciam decisivamente a construção das regras e práticas internacionais, além de se reservarem o direito exclusivo (ou privilégio hegemônico) de não as seguir.

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A administração Biden tem apostado em concertações multilaterais, como o Quad, para fazer frente à expansão econômica e tecnológica da China. A influência cultural e tecnológica da China tem, no entanto, crescido muito na Ásia e na África e começa a crescer na América e na Europa. Além disso, sua capacidade econômica deve superar a norte-americana em poucos anos.

Neste novo contexto, a China começa a buscar privilégios hegemônicos para si e tem confrontado os EUA abertamente em alguns temas. Por exemplo, a potência asiática entende a soberania digital como o direito de cada Estado escolher seu próprio caminho para o desenvolvimento digital e suas próprias políticas de governança da Internet.

Essa concepção implica que todas as nações devem participar da governança digital, opor-se a pretensões hegemônicas e rejeitar qualquer interferência estrangeira nas opções tecnológicas de outros países.

Os EUA acusam essa interpretação de ser demasiado ampla e danosa à liberdade de expressão e à democracia, uma vez que ela é mobilizada tanto para justificar a censura de informações disponíveis na Internet dentro da China, quanto para impedir o acesso de empresas de tecnologias digitais estadunidenses ao mercado chinês.

Governo Biden 

A sociedade cibernética é uma sociedade de permanente mudança, tanto no plano individual e social quanto na ordem econômica global, pela própria dinâmica tecnológica que lhe dá sustentação. Cada vez mais as grandes potências buscarão dominar o acesso e a exploração do ciberespaço mediante o controle sobre a infraestrutura de comunicação e de circulação de dados. Este cenário oferece desafios e oportunidades para a China e para os EUA.

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Ao caracterizar a relação sino-americana e a “competição pelo futuro” como um jogo de soma-zero, Joe Biden parece seguir a mesma estratégia de política externa de Donald Trump. O futuro das relações internacionais depende de como será construída a dinâmica entre estas duas grandes potências com ambições hegemônicas.

Nos próximos anos, China e EUA terão de escolher se a tecnologia será uma ferramenta para aproximar a humanidade de um modo de vida sustentável, ou para motivar o conflito e a violência. O começo do governo Biden consolidou a imagem da China como uma rival, o que torna mais difícil imaginar cenários de cooperação sino-americana no futuro próximo.

* Este artigo foi publicado pela primeira vez no Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos.

** Murilo Motta, é Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUCSP), bolsista CAPES (PROCAD-Defesa) e membro da Rede de Pesquisa em Autonomia Estratégica, Tecnologia e Defesa (PAET&D).


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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