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O verdadeiro dignificado da vitória histórica do Partido Socialista em Portugal

Resultado das eleições traz algumas boas notícias, mas nenhuma delas permite dizer que Portugal tem um governo “de esquerda” ou, menos ainda, “socialista”
Wevergton Brito Lima
i21
São Paulo (SP)

Tradução:

Os dados concretos saídos das urnas indicam uma vitória política do Partido Socialista (PS), força moderada, de centro-esquerda, que conquistou 36,65% dos votos (32,3% em 2015) e elegeu 106 deputados (20 a mais do que em 2015), o que significa a continuidade de António Costa como primeiro-ministro.

Revelam também uma derrota dura para a centro-direita (PPD-PSD 1) que perdeu 12 deputados e a direita (CDS-PP 2), que perdeu 13.

O índice mais alto foi o de abstenção (45,50%), o maior da história das eleições legislativas portuguesas. Este índice, somado aos votos nulos e brancos informa que 49,78% dos eleitores portugueses decidiram abrir mão do seu direito a voto.

No campo à esquerda, o Bloco de Esquerda (que tem este nome, mas é um partido político, de tipo eclético, ideologicamente falando) manteve seus 19 deputados (9,67% dos votos) e a Coligação Democrática Unitária (CDU), lista do Partido Comunista Português (PCP) em aliança com o Partido Ecológico Os Verdes (PEV) perdeu 5 cadeiras, elegendo 12 deputados (6,46% dos votos)

Outra característica destas eleições legislativas é que aumentou a presença de partidos no Parlamento, resultando em um plenário mais pulverizado, sobre o que falaremos mais adiante.

Resultado das eleições traz algumas boas notícias, mas nenhuma delas permite dizer que Portugal tem um governo “de esquerda” ou, menos ainda, “socialista”

i21
Partido Nacional Renovador (PNR), também de extrema-direita, que tentou surfar na vitória da extrema-direita brasileira

Quais são, portanto, neste cenário, as boas notícias? Vamos a elas:

1a – A população votou na centro-esquerda e contra a centro-direita/direita justamente porque, pressionado pelo PCP (principalmente) e pelo Bloco de Esquerda, dos quais o governo do PS dependia para sobreviver no sistema parlamentarista português, foi interrompido o processo de implementação feroz do projeto neoliberal em Portugal e ainda se conseguiu (sempre com a ininterrupta pressão dos movimentos de massa, dos comunistas e do Bloco de Esquerda) restaurar alguns direitos que haviam sido perdidos.

2a – Enquanto em muitos países da Europa a extrema-direita cresce vertiginosamente, em Portugal os neofascistas entraram no parlamento pela primeira vez desde a Revolução dos Cravos, é verdade, mas de forma bem tímida, elegendo um deputado, André Ventura, do “Chega”, com 1,3% dos votos. Porém, o Partido Nacional Renovador (PNR), também de extrema-direita, que tentou surfar na vitória da extrema-direita brasileira, inclusive colocando outdoors saudando a vitória de Bolsonaro no Brasil (e repetindo exatamente os mesmos bordões, veja foto ao lado), alcançou apenas 0,3% dos votos e continuará sem representação parlamentar. Para efeito de comparação o PCTP-MRPP (Partido Comunista dos Trabalhadores Portugueses-Movimento Reorganizativo do Partido do Proletariado) alcançou 0,68%.

Os outros partidos com assento no parlamento são:

Pessoas-Animais-Natureza (PAN) – Apresenta-se como um “Partido de Causas”, como por exemplo, o fim das touradas. Espécie de “Rede” portuguesa. Diz que não é de direita nem de esquerda. Ou seja… Aumentou sua representação de 1 para 4 deputados.

Iniciativa liberal – Uma espécie de “Novo” português. Estreia no parlamento com um deputado.

Livre – Partido de esquerda de tipo eclético e moderado. Elegeu um parlamentar.

As doces ilusões e uma má notícia

O avanço da extrema-direita no mundo e, particularmente no Brasil o odor fétido do neofascismo bolsonariano, faz com que a brisa fresca da democracia portuguesa, ainda impulsionada pelo vendaval de abril, inebrie uns e outros, levando a erros de avaliação.

Sem dúvida, em comparação com o que acontece no Brasil, o cenário político português é infinitamente mais avançado, do ponto de vista da democracia e dos interesses populares. Mas daí a falar em “governo esquerda”, ou “governo socialista” vai uma enorme distância. Na verdade, não é nem uma coisa nem outra.

O Partido que venceu tem o nome de socialista. Mas é aquela história: não adianta chamar o gato de cachorro pois ele não vai latir por conta disso. O PS é, como já dissemos, um partido de centro-esquerda moderado. Em seu interior existem correntes mais à esquerda e outras mais à direita.

Durante anos o PS implementou e/ou apoiou quase que integralmente as políticas da Troika Europeia (Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu e Comissão Europeia) e defende entusiasticamente a presença de Portugal na Otan. Para não ir tão longe, basta lembrar que o governo de António Costa (de esquerda para alguns, socialista para outros) reconheceu como presidente da Venezuela o autoproclamado Juan Guaidó. Em setembro, os deputados do PS no Parlamento Europeu ajudaram a aprovar uma infame resolução anticomunista que falsifica a história da segunda-guerra mundial e no fundo busca igualar fascistas e comunistas.

Mas, e a Geringonça?

Nas eleições legislativas de 2015 a aliança de direita, que governava o país, PSD-CDS, conquistou o primeiro lugar com 38,50% dos votos. A direita, no entanto, em seu conjunto, caiu muito de votação. Foi então que Jerónimo de Sousa, secretário-geral do PCP, em um justo e inteligente manejo da tática política, anunciou que a CDU estava pronta a dar seus votos para a formação de um governo do PS que havia ficado em segundo lugar, impedindo a direita neoliberal mais convicta de continuar no governo, no que foi acompanhado pelo Bloco de Esquerda e pelo PAN. PSD-CDS não tinham votos na Assembleia da República para formar governo, António Costa (PS) foi eleito primeiro-ministro com os votos da esquerda e surgiu assim o que a mídia hegemônica portuguesa apelidava pejorativamente de “geringonça”, prevendo inclusive que ela teria curta duração.

A alternativa apontada pioneiramente pelo PCP mostrou-se acertada. Interrompeu-se o acelerado processo de desmonte de direitos e de ataques à soberania portuguesa e com o governo do PS necessitando dos votos do PCP-PEV-Bloco de Esquerda para se manter, ele necessariamente teve que fazer concessões – arrancadas a duras penas – que favoreceram a luta dos trabalhadores. Mas o PCP alertava que “a nova fase da vida política nacional não alterou nem a natureza nem o projeto do PS de vinculação aos elementos essenciais que têm moldado a política de direita. O PS não mudou, o que se alteraram foram as circunstâncias e os elementos de enquadramento políticos e institucionais 3”. E prevenia contra as falsas expectativas em relação ao PS: “o PS, tendo margem e possibilidades para o fazer, não hesitará em colocar imposições e constrangimentos da União Europeia à frente da respostas aos problemas dos trabalhadores, do povo e do país (…) não será pela mão do PS que o caminho de avanços na defesa, reposição e conquista de direitos prosseguirá 4”.

A má notícia é que justamente o PCP, o Partido mais consequente da esquerda portuguesa, perdeu força eleitoral. A CDU, e notadamente, o PCP, foram alvos de uma grande ofensiva midiática que lançou avalanches de calúnias contra o Partido. Em declaração logo após o resultado das eleições, Jerónimo de Sousa avaliou o fato da seguinte forma:

“O resultado obtido pela CDU – traduzido numa redução da sua expressão eleitoral e do número de deputados eleitos – constitui um fator negativo para o futuro próximo da vida do País (…) O resultado da CDU é inseparável de uma intensa e prolongada operação de que foi alvo, sustentada na mentira, na difamação e na promoção de preconceitos, que não se limitou apenas a apoucar e denegrir a CDU, como favoreceu metodicamente outras forças políticas, e amplificou elementos de distorção e mistificação do papel e da ação do PCP e do PEV na fase da vida política nacional da última legislatura (…) Com este resultado da CDU os interesses dos trabalhadores e do povo saem enfraquecidos, e as perspectivas de defesa e conquista de avanços de direitos e rendimentos alcançados pela intervenção decisiva da CDU saem diminuídas”.

A “geringonça” irá continuar. António Costa declarou, depois do resultado positivo alcançado pelo PS, que o “povo português gostou da geringonça”. O Bloco de Esquerda já adiantou que dará os votos para uma nova “geringonça” (o que por si só bastaria para ter a maioria necessária para formar o governo, pois PS-BL têm, somados, 125 deputados). É por isso que Jerónimo de Sousa declarou que “nada obsta, a que como aconteceu ao longo de décadas e de sucessivas legislaturas, o Presidente da República, ouvidos os partidos, indigite o primeiro-ministro, se forme governo e este entre em funções”.

E prosseguiu o dirigente comunista: “será em função das opções do PS, dos instrumentos orçamentais que apresentar e do conteúdo do que legislar que a CDU determinará, como sempre, o seu posicionamento, vinculado aos compromissos que assumiu com os trabalhadores e o povo, decidido a dar combate a todas as medidas negativas, a todos os retrocessos que o PS queira impor”.

Esta cautela do PCP vem do fato de que o partido considera (ainda mencionando a declaração de Jerónimo de Sousa) que é necessária uma nova fase na vida do país, “o que hoje se coloca como inadiável é a inscrição de uma política alternativa, patriótica e de esquerda, que um governo do PS não está em condições de assegurar”.

Em 1933, quando se inicia o chamado “Estado Novo” português, o regime, já sabedor do objetivo, autoriza o Partido Socialista a realizar uma Conferência Nacional onde este decide por sua autodissolução. O PS atual só ressurgiria 40 anos depois, às vésperas da Revolução dos Cravos. O Partido Comunista Português foi o único partido a enfrentar, sem interromper suas atividades, mais de 40 anos de ditadura fascista.

É sempre bom levar em consideração às análises de tal Partido, que aprendeu como poucos a lidar com situações adversas que exigem, a um tempo, apego a princípios, amplitude, flexibilidade tática e firmeza para não se desviar dos objetivos de fundo, perigo sempre presente quando se alimentam ilusões de qualquer tipo.

* Editor do i21, Membro da Comissão de Política e Relações Internacionais do PCdoB

1 – A sigla dupla não significa uma coalizão. Trata-se de um mesmo partido, chamado Partido Social Democrata, que preserva também a sigla do partido que o originou: Partido Popular Democrático.

2 – A sigla designa um mesmo partido: Partido do Centro Democrático Social-Partido Popular.

3 – Declaração da Reunião do Comitê Central do PCP, em 28 de maio de 2019

4 – Declaração da Reunião do Comitê Central do PCP, em 28 de maio de 2019

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.
Wevergton Brito Lima

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