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Na periferia de Bogotá, jovens disputam “até último voto” contra direita

Lideranças do bairro Ciudad Bolívar trabalham para reverter abstenções: “Quatro anos com uma figura como Hernández, teremos uma guerra terrível”
Vanessa Martina-Silva
ComunicaSul
Bogotá

Tradução:

Bogotá respira política. As eleições de domingo (29) mexeram com o imaginário do país e consolidaram a ideia de que uma mudança era necessária e urgente. Os dois candidatos que estão no segundo turno apostaram nisso para levar os eleitores às urnas. Nas periferias que se mobilizaram durante o estallido [levante] social essas não são palavras vazias.

Para entender o que os jovens bogotanos esperam do segundo turno entre Gustavo Petro, da coalizão progressista Pacto Histórico, e Rodolfo Hernández, da autoproclamada “Liga dos Governantes Anticorrupção”, a ComunicaSul esteve em Ciudad Bolívar, o bairro mais pobre da capital e conversou com quatro lideranças que despontaram durante os protestos de 2019-2021.

O cenário para a votação de 19 de junho está totalmente indefinido, como apontam as primeiras pesquisas eleitorais. Para Ingrid Bernal, atualmente desempregada após abandonar seu posto de secretária no Exército Nacional por medo de represálias à sua atuação política, é imprescindível o papel da juventude para derrotar o “Trump colombiano”, como Rodolfo está sendo chamado. 

“Esperamos que as massas se movam, pois estamos há muito tempo resistindo. É hora de suar a camisa, botar a cara nas ruas e buscar até o último voto possível”. Com essa fala, Bernal, conhecida no movimento como “El Profe” — em referência ao personagem do “professor” da série A Casa de Papel — ressalta a importância de que se busque reverter a abstenção que nessas eleições foi de 45,09% — por incrível que pareça, a mais baixa em 20 anos. No país, o voto não é obrigatório.

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Com papel decisivo na organização do movimento em Ciudad Bolívar, El Profe destaca o papel da educação, do trabalho de base para conseguir vencer as eleições. “Temos de desmitificar certos medos que vendem ao povo, como a ideia de que se Petro vencer, vamos nos ‘tornar uma Venezuela’ e mentiras do tipo. Para isso, temos de dizer: ‘venha aqui, sente-se. Conheça as propostas que defendemos’”.

Esse processo de convencimento e educação política da população é chamado de pedagogia. Há um trabalho intenso dos líderes sociais com a proposta de refletir junto à população sobre o cenário político para que se empodere e se torne protagonista desse processo. 

El Profe explica que, neste momento, se trata mais de “pedagogia do que de choque”. “Já tivemos [a confrontação] por um ano e meio durante o estallido [levante] social. Tivemos companheiros mortos e temos companheiros feridos ou presos. Os que não estão presos, estão na mira de investigações”, aponta.

El Profe, durante entrevista à ComunicaSul | Foto: Felipe Bianch

Essa visão é corroborada por Edilson Casallas, cujo apelido é El Infiltrado — por vestir-se com roupas parecidas com as da Esquadrão Móvel Antimotins (Esmad), batalhão de choque que atua na repressão de mobilizações populares. 

“Quando as pessoas se apropriam e veem a realidade do que está acontecendo, o que vivemos dia após dia, podemos convencê-las e dizer: ‘estão matando os colombianos, estão destruindo a Colômbia e estamos lutando. Por quê? Porque exigimos nossos direitos.”

Há, com todos os entrevistados, uma preocupação em torno do que pode acontecer caso não vença um governo progressista, mas um autoritário. Isso porque muitos desses líderes se expuseram durante o processo eleitoral e agora são “alvo” no país que mais assassina líderes sociais no mundo — só em 2022, foram 44 massacres, com 158 vítimas até o dia 25 de maio, conforme o Instituto para o Desenvolvimento e a Paz (Indepaz). 

PRI: durante o estallido [mobilizção], perdi meu trabalho, perdi meu emprego…

“Não sabemos o que vai acontecer com esses jovens se os resultados eleitorais não forem bons. Então, sim, podemos reverter, mas o trabalho será árduo”, pondera El Profe.

Carlos Torres, conhecido no movimento como “PRI”, de primo, é enfático ao ressaltar que caso Hernández seja eleito, “será uma merda, porque nada vai mudar”. E aposta que “a luta vai seguir até que a dignidade se torne um hábito, porque estamos em um país fraturado”. 


Mobilizações futuras

Nem bem saíram as primeiras pesquisas, já há mobilizações marcadas para destacar o rechaço a Hernández. A sensação é de que sua vitória seria uma “derrota para a luta, desmobilizaria, quebraria o moral e a expectativa da população. “Penso que se Hernández ganhar, ele não vai cumprir suas promessas e as pessoas terão que ir para as ruas, para a luta”, aponta PRI.

Em um país chacoalhado há mais de cinco décadas por uma guerra civil, que envolve de guerrilheiros a paramilitares e narcotraficantes, não é difícil entender que o povo vai seguir mobilizado, independentemente do resultado eleitoral, como ressalta PRI: “Estamos há mais de 50 anos em luta, vamos aguentar quatro mais. Como dizemos, venceremos até a morte. Aqui estaremos na luta. Não somos muitos, mas com os pouco que temos, somos muitos”.

El Infiltrado: “Gustavo Petro é o único candidato que se contrapôs ao governo opressor que sempre existiu na Colômbia”

Também perguntamos a El Infiltrado o que aconteceria nesse eventual cenário. Em sua resposta, destacou o medo. “Me dá medo porque, na Colômbia, os jovens e muita gente não vão estar de acordo. Como será possível que uma pessoa que sequer sabe onde fica [o Estado de] Vichada teve ali mais votos que os demais candidatos?”

“O estallido [levante] social foi importante para esse cenário porque tiraram tudo de nós, jovens, até o medo. Agora temos que tomar as rédeas desse país”, destaca.


Nem-nem

Chama a atenção o fato de que uma liderança tão relevante como El Profe, fundamental na organização dos protestos em Bogotá, era uma nem-nem: jovens que nem trabalham, nem estudam. Característica muito comum entre jovens latino-americanos.

Geralmente, essas pessoas não têm formação política e, muitas vezes, se mantêm indiferentes ao processo eleitoral. É o que evidencia El Infiltrado que, há um ano e meio não se “importava com a política, ganhasse quem ganhasse”. Daí a importância do estallido: “mas comecei a me dar conta do que estava acontecendo no país e nesta eleição [presidencial no domingo (29)], me senti muito nervoso e com uma expectativa de meu Deus…” por conhecer os resultados.

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Parte dessa juventude optou por não votar e preferiu viajar no feriado prolongado do dia da Ascensão: “muitos foram passear e não se deram conta de que o mais importante era a diretriz de definir o que será o país pelos próximos quatro anos e o trocaram por um fim de semana. São quatro anos de um governo que esconde, não revela como será, mas vai ser muito pior do que o que está atualmente”, aposta El Infiltrado.

Acompanhe as últimas notícias da corrida eleitoral no país em Eleições Colômbia 2022

Fora isso, El Profe se indigna ao apontar que parece que nada importou a essa parcela da juventude. “Não importou que ficamos mais de um ano resistindo nas ruas, não importou os que morreram e os que se feriram. Não importou a eles os que foram presos. Não importou que não temos educação, saúde, regime previdenciário. Não temos nada na Colômbia e o que importou a alguns foi o feriado. Saíram da cidade para passear e deixaram que metessem no segundo turno um tipo que nega totalmente a existência e a participação das mulheres na política”.

Lideranças do bairro Ciudad Bolívar trabalham para reverter abstenções: “Quatro anos com uma figura como Hernández, teremos uma guerra terrível”

Foto: Leonardo Wexell Severo
El Tato, El Profe, Infiltrado e PRI, diante o mural da Resistência, em Ciudad Bolívar

Machismo

Além de todas as questões e temores em torno de uma possível vitória de Hernández, gera indignação entre a juventude à frente do estallido o machismo explícito do candidato, como evidencia El Infiltrado:

“O que me dá mais raiva é o que ele fala sobre o lugar das mulheres, que devem ‘estar na cozinha e não na política’. Que mentalidade é essa? É isso que a Colômbia quer? A juventude quer um presidente que despreza as mulheres? Um vulgar, grosseiro, que fala tanto que é anticorrupção, mas em 21 de julho tem um julgamento por corrupção.”

El Tato lidera a ONG Vítimas La Po

“O senhor Rodolfo Hernández já falou em repetidas ocasiões que nós, mulheres, devemos nos dedicar à casa. Eu sou mãe e trabalhadora, não me imagino e nem posso pensar em só cuidar da minha casa, pois não tenho ninguém que me dê nada. Me resta trabalhar para poder subsistir. Hoje, nós, mulheres, estamos mais empoderadas, sedentas por mudanças e as posições de Hernández nos geram uma raiva legítima”, afirma Tatiana Contreras, conhecida como El Tato. 

“Se tivermos quatro anos com uma figura como Hernández, creio que teremos uma guerra terrível em Bogotá e em toda a Colômbia”, destaca El Tato.  

Para ela, Hernández é “alguém que nos mostra que nós, mulheres empregadas do serviço público, estamos capacitadas para estudar e demonstrar que podemos ser e fazer o que quisermos ante um Estado que tenta nos anular”.

Vista do alto de Ciudad Bolívar — Foto: Vanessa Martina Silva

A contraposição ao machismo de Hernández é assimilada pela figura de Francia Márquez, vice na coligação de Gustavo Petro. El Tato considera que a líder feminista, ambiental e afro colombiana “nos representa. É uma mulher que tem a galhardia de sair de baixo da pirâmide social e mostrar que não somos um sexo frágil, mas sim feitas de ferro. O problema é que eles, senhores como Rodolfo Hernández, têm medo de nós e, por isso, querem nos ver oprimidas na cozinha de casa”.

“Muitos nunca acreditam que uma mulher — e uma mulher afro! — poderia chegar a ser parte do Palácio de Nariño. Estamos fazendo história e não podemos parar”, assinala El Tato.


* A reprodução deste conteúdo é livre, desde que citada a fonte e a lista de entidades e organizações que apoiam esta cobertura, como no rodapé a seguir.

Esta cobertura é feita pela Agência ComunicaSul graças ao apoio das seguintes entidades: da Associação dos/das Docentes da Universidade Federal de Lavras-MG, Federação Nacional dos Servidores do Poder Judiciário Federal e do MPU (Fenajufe), Confederação Sindical dos Trabalhadores/as das Américas (CSA), jornal Hora do Povo, Diálogos do Sul, Barão de Itararé, Portal Vermelho, Intersindical, Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Sindicato dos Bancários do Piauí; Associação dos Professores do Ensino Oficial do Ceará (APEOC), Central Única dos Trabalhadores (CUT), Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES-Sul), Sindicato dos Bancários do Amapá, Sindicato dos Metroviários de São Paulo, Sindicato dos Metalúrgicos de Betim-MG, Sindicato dos Correios de São Paulo, Sindicato dos Trabalhadores em Água, Resíduos e Meio Ambiente do Estado de São Paulo, Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp Sudeste Centro), Associação dos Professores Universitários da Bahia, Sindicato dos Trabalhadores no Poder Judiciário Federal do RS (Sintrajufe-RS), Sindicato dos Bancários de Santos e Região, Sindicato dos Químicos de Campinas, Osasco e Região, Sindicato dos Servidores de São Carlos, mandato popular do vereador Werner Rempel (Santa Maria-RS), Agência Sindical, Correio da Cidadania, Agência Saiba Mais e centenas de contribuições individuais.


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Vanessa Martina-Silva Trabalha há mais de dez anos com produção diária de conteúdo, sendo sete para portais na internet e um em comunicação corporativa, além de frilas para revistas. Vem construindo carreira em veículos independentes, por acreditar na função social do jornalismo e no seu papel transformador, em contraposição à notícia-mercadoria. Fez coberturas internacionais, incluindo: Primárias na Argentina (2011), pós-golpe no Paraguai (2012), Eleições na Venezuela (com Hugo Chávez (2012) e Nicolás Maduro (2013)); implementação da Lei de Meios na Argentina (2012); eleições argentinas no primeiro e segundo turnos (2015).

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