O ano chega carregado de incógnitas. Mesmo quando a troca de dígito não reflita mais que uma necessidade de ordem no tempo e uma referência para medir algo tão etéreo como nossa viagem pela vida, costumamos usá-lo como parâmetro de reinício. A cada doze meses nos enfocamos em uma lista hipotética de prioridades, realização do que foi postergado e uma verdadeira torrente de bons desejos. No entanto, o mais importante, aquilo que marca nossa passagem pelo planeta em forma de aportes substanciais à qualidade de vida – própria e dos demais – fica sempre relegado, porque somos incapazes de enfrentar a necessidade da mudança fundamental: a nossa. Em que contribuímos – nestes países abandonados pela justiça e pela equidade – para criar sociedades mais solidárias e humanas?
Aceitamos como inevitável todos os vícios e delitos de um sistema cuja principal característica é a exploração de uns para benefício de outros. Toleramos – sem sequer franzir a testa – a limpeza social com base no sacrifício de milhões de seres humanos deixados na miséria e no abandono. Toleramos o assassinato seletivo de líderes indígenas, ativistas sociais e ambientais, comunidades que lutam por seu direito à vida; a constante agressão a crianças e mulheres submetidas ao maltrato e à violência, vítimas de tráfico, de abuso sexual e de feminicídio.
Nos resignamos a elevar, como se fossem autênticos líderes, indivíduos corruptos cujo único mérito é ter-se vendido a empresários corruptos para transformar nossas instituições em centros para o enriquecimento ilícito e para a destruição dos valores que alguma vez existiram. Enquanto isso, a riqueza inacabável de nossas nações, em lugar de se converterem em escolas, universidades, sistemas de saúde pública de primeiro mundo, garantias de segurança cidadã, infraestrutura para o desenvolvimento, foi parar em contas bancárias e rincões escondidos, em luxos ofensivos em meio de tanta pobreza.
PxHere
Em que contribuímos – nestes países abandonados pela justiça e pela equidade – para criar sociedades mais solidárias e humanas?
Toleramos, como se fosse a coisa mais natural do mundo (ou a mais inevitável) o circo das campanhas políticas financiadas pela droga e os dinheiros roubados pela casta empresarial aos fundos públicos. Subornos a políticos, juízes e magistrados são moeda corrente e – claro!… observamos com falsa indignação os conchavos no parlamento, onde nossos direitos têm preço, mas não têm valor. Somo estritos e intolerantes com aqueles que se atrevem a desafiar o marco dos princípios pré-definidos pelas organizações religiosas, mas incapazes de questioná-los e confrontá-los com os direitos humanos fundamentais, violados de forma consuetudinária por essas mesmas doutrinas.
A resignação não é válida quando somos capazes de ver, sem estremecer, o desfile de crianças e mulheres retratadas nos alertas de pessoas desaparecidas. Quando poderemos seguir habitando nossa bolha de comodidade, embora muitas delas sejam encontradas assassinadas, com sinais de violação e tortura. Quando muitas terminam como material comercial em prostíbulos e vítimas de trabalhos forçados. O que, depois de tudo, esperamos do ano? Ou será que é o ano que espera de nós um pingo mais de consciência? Um pouquinho de saudável rebeldia e a decisão – finalmente – de contribuir para uma mudança radical do status quo? Não desejo a ninguém um feliz ano novo, mas um ano de esforço. Desejo, em compensação, o início de uma revolução pessoal capaz de desembocar na construção de uma sociedade mais humana, equitativa e capaz de reinventar-se sobre a base da justiça.
Vemos com indiferença a miséria de outros como algo natural.
*Colaboradora de Diálogos do Sul da Cidade da Guatemala
Tradução: Beatriz Cannabrava
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
Veja também
Se você chegou até aqui é porque valoriza o conteúdo jornalístico e de qualidade.
A Diálogos do Sul é herdeira virtual da Revista Cadernos do Terceiro Mundo. Como defensores deste legado, todos os nossos conteúdos se pautam pela mesma ética e qualidade de produção jornalística.
Você pode apoiar a revista Diálogos do Sul de diversas formas. Veja como:
- Cartão de crédito no Catarse: acesse aqui
- Boleto: acesse aqui
- Assinatura pelo Paypal: acesse aqui
- Transferência bancária
Nova Sociedade
Banco Itaú
Agência – 0713
Conta Corrente – 24192-5
CNPJ: 58726829/0001-56
Por favor, enviar o comprovante para o e-mail: assinaturas@websul.org.br - Receba nossa newsletter semanal com o resumo da semana: acesse aqui
- Acompanhe nossas redes sociais:
YouTube
Twitter
Facebook
Instagram
WhatsApp
Telegram