Genésio foi preso no mesmo dia que eu, o desgraçado 4 de novembro de 1969. Ele não esteve “na ação…” Os únicos que foram levados pelo Esquadrão da Morte, que tinham ponto com o Marighella, foram os padres dominicanos Fernando e Ives.
Genésio, eu e vários outros companheiros estávamos no DOPS, numa sala grande, quando tocou o telefone. Os tiras começaram a gritar:
– Ele entrou, ele entrou!
Não sabíamos do que se tratava.
Depois do telefonema que atenderam, à tarde, os tiras batiam palmas, nos xingavam, tudo o que se conhece. Foi quando o delegado Fleury se dirigiu a um companheiro que foi preso escondido na casa do Genésio e que se identificou apenas como “Marinheiro” (o nome dele eu esqueci.). É parecido com Dorival, mas eu posso estar enganada.
Fleury gritou pra ele:
– Cadê o Marighella?
E ele respondeu:
– Você não é macho? Vai buscar.
Cannabrava | Marighella nos ensinou que a unidade se faz na luta
Fleury passou a espancá-lo ali mesmo, com socos e pontapés, gritando:
– Pois eu vou mesmo. Hoje é o último dia do Marighella.
Jogou o “Marinheiro” no chão e passou a chutá-lo.
Depois pegaram as espingardas numa vitrine e saíram apressados, gritando:
– É hoje! É hoje!
Memorial da Democracia
– Matamos o chefe! Marighella está morto!
Mandaram-nos para a carceragem, tiraram as impressões digitais e fomos para as celas. Só então nos levaram para as celas.
À noite, fomos surpreendidos por gritos, gargalhadas dos bandidos:
– Matamos o chefe! Marighella está morto!
Foi a noite mais terrível do DOPS. Também gritamos, batíamos nas grades das celas. Era impossível acreditar. A confirmação veio com a prisão de Makiko Kishi, uma fotógrafa que fazia dupla comigo na Folha da Tarde. Ela foi presa por ter fotografado Marighella morto no carro, um fusca.
Genésio, o nosso “Rabotti”, que nos mata de saudade, estava em uma das celas sofrendo com os companheiros pela notícia.
Uns vinte dias depois, mais ou menos (não tínhamos noção de tempo, mas acho que foram uns vinte dias, no máximo um mês), vieram os caras do CENIMAR para torturar o companheiro “Marinheiro”. Cheguei a vê-lo muito machucado, com um ferimento na testa e na cabeça. Se estou bem lembrada, levaram-no depois para o Rio. Não tenho certeza se ele foi para o presídio Tiradentes, como nós. Talvez algum companheiro saiba melhor do que eu.
Maria Marighella | Brasil está marcado irremediavelmente pelo golpe militar de 1964
Este texto encontra-se na página 339 do livro “68 a geração que queria mudar o mundo relatos”, organizado e editado por Eliete Ferrer e publicado no Projeto Marcas de Memória, da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça em 2011, na Presidência de Paulo Abrão.
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Documentos Revelados:
Rose Nogueira.
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