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Conhecido como “o Poeta”, Emilio Frugoni escreveu sobre os mais variados temas e gêneros (Arte: Marcelo Guimarães Lima)

O marxismo de Emilio Frugoni, fundador do Partido Socialista de Uruguay

Ensaísta, poeta, crítico de teatro, professor de Literatura e de Direito, editor e político, Emilio Frugoni foi um dos pioneiros do marxismo uruguaio
Natalia Tahara, Mateus Fiorentini
Dicionário Marxismo na América

Tradução:

FRUGONI, Emilio; “Urgonif”; “Imulio Ergonif”; “Tritón” (uruguaio; Montevidéu, 1880 – Montevidéu, 1969).

Vida e práxis política

Emilio Frugoni nasceu em uma família com formação católica e oriunda das camadas médias urbanas, filho de Domingo Frugoni, imigrante italiano e comerciante, e de Josefina Queirolo de Frugoni, mestiça (criolla). Ainda no século XIX, aos 16 anos, Frugoni já colaborava com jornais estudantis influenciados pelo Partido Colorado, como Los Debates e El Bombo.

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Os conflitos que marcaram a passagem para o século XX no Uruguai são resultados de anos de polarização política entre o Partido Nacional (os blancos) e o Colorado – ambos oriundos do processo de independência do país. Durante o período que começou por volta de 1870 e se estendeu até 1904, deu-se a consolidação da formação nacional moderna e capitalista uruguaia. Foi neste cenário em que Frugoni se inseriu no mundo da política – tendo inclusive uma breve participação na guerra civil de 1897 e na revolução de 1904, nas quais lutou pelas fileiras coloradas

Por estes anos, ao lado de Enrique Rodó (expoente do pensamento nacional uruguaio) e Carlos Reyles (escritor e ensaísta), impulsionou o Club Libertad que mobilizava os jovens identificados com o batllismo, corrente política do colorado José Batlle y Ordóñez, que governou o Uruguai entre 1903 e 1907, e entre 1911 e 1915, implementando reformas sociais. O país esteve marcado, desde sua independência (1828), por conflitos entre os partidos Blanco e Colorado, que funcionavam mais como frações políticas das oligarquias, que como partidos políticos. Estes embates marcaram a entrada da sociedade uruguaia no século XX, não sendo apenas conflitos entre caudilhos, mas o momento em que teve início a construção de projetos nacionais e a consolidação das bases que viriam a fundamentar a democracia liberal burguesa no país. 

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Desencantado com os partidos tradicionais, ainda moço Frugoni se afastou dos colorados, aproximando-se do movimento operário – de orientação socialista. Em 1904, logo após a guerra civil, vinculou-se ao Centro Obrero Socialista, agrupamento fundado em 1896, que reunia adeptos do socialismo científico. Em dezembro deste ano, em um ato público realizado no tradicional Teatro Stella d’Italia, proferiu a conferência intitulada “Profesión de fe socialista”, evento que expressou um momento determinante para a produção intelectual de Frugoni, assim como para a constituição de sua interpretação acerca da formação social do Uruguai. Nesse período, em que estudava Direito e já dispunha de certo prestígio como poeta e polemista junto aos círculos intelectuais de Montevidéu, participou de vários concursos literários e deu aulas na Facultad de Enseñanza Secundaria (1905-1907); foi também cronista teatral nos periódicos Diario Nuevo (1906) e El Día (1908-1911). 

Em 1910, formou-se em Direito na Facultad de Derecho y Ciencias Sociales – e, com outros companheiros, fundou o Partido Socialista de Uruguay (PS). Nas eleições deste ano, Frugoni elegeu-se deputado pela Coalición Liberal-Socialista, tornando-se o primeiro deputado socialista eleito no Uruguai – e um dos primeiros na América Latina. 

Ao longo de toda sua trajetória parlamentar, ocuparia o cargo por cinco vezes (1911-1914, 1920-1921, 1928-1933, 1934-1939, 1940-1942), havendo inicialmente se notabilizado por sua postura crítica ao segundo mandato de Jose Batlle y Ordoñez (1911-1915) – apesar de ter apoiado algumas de suas reformas. Foi também membro da Assembleia Nacional Constituinte, que funcionou de 1916 a 1917. Neste período de dezesseis anos na vida parlamentar, elaborou projetos sobre temas relacionados ao trabalho, como: reajuste salarial; trabalho da mulher e da criança; trabalho noturno; jornada de quarenta horas semanais de trabalho; direito à moradia para trabalhadores.

Entretanto, a eclosão da Revolução Russa, em 1917, produziu um impacto determinante para os rumos do PS, bem como da trajetória política de Frugoni. A chegada dos bolcheviques ao poder na Rússia dividiu os socialistas, da mesma forma que o conjunto do movimento revolucionário uruguaio, entre aqueles que apoiavam a experiência russa, e os que a criticavam ou se opunham. Aqueles grupos que se identificavam com a Revolução de Outubro comandada por Lênin foram identificados como maximalistas, sendo liderados por Eugenio Gómez; já entre os críticos encontrava-se Frugoni, que simpatizava com os revolucionários de Fevereiro e a ala menchevique do Partido Operário Social-Democrata Russo (POSDR). 

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Com a criação da Internacional Comunista (IC), em 1919, abriu-se nova polêmica no PS – agora em torno de sua adesão a esta organização –, o que marcaria os debates do VIII Congresso do partido no ano seguinte. No entanto, devido a dificuldades de comunicação, as 21 condições exigidas para o ingresso de partidos à IC tardaram em chegar ao Uruguai, o que reabriu as discussões que pautariam o VII Congresso Extraordinário do PS, em 1921. Na ocasião, aprovou-se por ampla maioria a adesão do partido à III Internacional, e sua consecutiva mudança de nome – passando a se chamar Partido Comunista de Uruguay (PCU). As discrepâncias com a nova linha adotada levaram ao desligamento de Frugoni, quem ainda em 1921 refundaria, ao lado de alguns poucos companheiros, o Partido Socialista. 

Entre 1926 e 1933, paralelamente a suas atividades políticas, tornou-se o primeiro professor da disciplina de Legislación del Trabajo y Previsión Social e diretor da Facultad de Derecho y Ciencias Sociales da Universidad de la República (UDELAR), época em que protagonizou os debates acerca da Reforma Universitária.

Devido a sua resistência ao golpe de Estado do presidente Gabriel Terra (março de 1933), Frugoni foi preso no quartel de Blandengues (Montevidéu), sendo alguns dias depois deportado para Buenos Aires. Na Argentina, foi convidado pelo reitor da Universidad de La Plata, José Peco, a ministrar um curso sobre marxismo – o que originaria uma das suas principais obras, Ensayos sobre marxismo (1936), fruto da publicação do compêndio de conteúdos de suas aulas. Em 1934, regressou do exílio ao Uruguai, dedicando-se à função de deputado, após ter renunciado ao cargo de diretor da Facultad de Derecho y Ciencias Sociales

Na década seguinte, foi nomeado diplomata na União Soviética, cargo que exerceu de 1944 a 1946; sobre a experiência da viagem publicaria La esfinge roja (1948) e De Montevideo a Moscú (1945). 

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Na década de 1950, diante da crise vivida pela sociedade uruguaia como reflexo do esgotamento do projeto batllista e das mudanças nas dinâmicas do capitalismo em nível global, o PS viveu um período de intensos debates internos. Na busca por compreender a realidade do país, assim como da região e do planeta, a perspectiva “liberal socialista” de Frugoni foi perdendo espaço para o “socialismo nacional” – leninista e anti-imperialista – do professor e historiador Vivían Trías (1922-1980). 

Em 1959, Trías assumiu a Secretaria-Geral do Partido Socialista, destituindo então Frugoni da função que ocupava há anos. Ideólogo do partido durante décadas, Frugoni, agora alijado de suas funções diretivas e inconforme com a política do PS, por fim se desligaria da agremiação em 1962, ao se opor à linha adotada pelo partido – que então defendia a aproximação com os blancos (o que redundaria na criação da Unión Popular). No ano seguinte, Frugoni fundou o Movimiento Socialista, partido no qual militaria até o fim da vida. 

Em 1966, chegou ainda a disputar as eleições mais uma vez, em aliança com o PS; porém, mesmo precisando vender sua grande biblioteca para financiar a campanha de seu partido, teve que encarar uma dura derrota. 

Faleceu em 1969, aos 89 anos, em um período de muitos retrocessos para os socialistas no país – e no mundo –, quando o Uruguai já enfrentava a escalada conservadora que provocaria o golpe civil-militar de 1973.

Contribuições ao marxismo

Intelectual de destaque, mas também militante social e político, Emilio Frugoni sobressai como uma das principais figuras do processo fundacional do marxismo no Uruguai, sendo um dos grandes impulsionadores do movimento político socialista no país. Foi poeta, crítico de teatro, professor de Literatura e de Direito, além de diretor de jornais e revistas vinculados ao Partido Socialista (PS) de seu país.

Frugoni buscou apresentar respostas aos principais debates de seu tempo, como: a forma de se posicionar diante da I Guerra Mundial e da Revolução Russa, ou quais seriam os caminhos da construção do socialismo. O líder socialista foi chamado também a contribuir com as discussões em torno do papel dos socialistas frente à Assembleia Constituinte de 1916-1917 e os novos contornos que a nação uruguaia assumia em princípios do século XX.

Diante da perspectiva revolucionária e popular, de início Frugoni se manifestou favoravelmente à Revolução Russa de Outubro. Entretanto, crente em um modelo idealizado de democracia e desconsiderando a situação objetiva de agressões externas e internas vivida pelos revolucionários, passaria a defender um regime a que denominou “democracia liberal socialista”, criticando os bolcheviques e explicitando sua identificação com os mencheviques e a Revolução de Fevereiro – segundo uma perspectiva reformista e parlamentar alinhada com a Internacional Socialista (IS). Assim, condenaria as práticas de Lênin ao derrubar Kerenski e o governo provisório, apoiando Rosa Luxemburgo, ao criticar o fechamento da Assembleia Constituinte por parte do novo governo. Ademais, entre seus desacordos com a condução leninista do processo, discrepou da assinatura do Tratado de Brest-Litovsky, por entender que a saída isolada da Rússia da I Guerra afetaria o restante dos trabalhadores europeus – que seguiriam combatendo em um conflito que “não era seu”. Embora o autor se definisse como “marxista”, mas não como “leninista” – perfilando-se em torno à perspectiva defendida pela IS –, ele não titubeou ao reprovar a postura vacilante da social-democracia europeia com relação à I Guerra, fato que levou ao seu desligamento da II Internacional.

Com relação à experiência soviética, as mais fortes censuras de Frugoni dirigem-se ao período comandado por Stálin – ainda que critique também aspectos da condução leninista (por ter combatido elementos liberais da “democracia” russa). Entendia que, com a consolidação do stalinismo, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas se convertera em uma democracia “antilibertária”, na medida em que o governo passou a considerar que estavam superadas as contradições capitalistas (sendo a nação soviética já socialista e a caminho do comunismo), justificando assim uma maior concentração de seu poder, à revelia do protagonismo da classe trabalhadora. Deste modo, os rumos da Revolução teriam se desviado das concepções de Marx e Engels (que atribuem caráter temporário ao que denominam “ditadura do proletariado”) – afastando-se inclusive do que propunha Lênin, quem defendia que o período de ditadura da classe trabalhadora tinha por objetivo superar as contradições de classe e a dominação burguesa, mas que, uma vez superada esta etapa, retomaria seu caráter democratizante. Com isto, o socialista uruguaio afirma que o stalinismo seria uma “ditadura de partido único”, e não mais “de classe”, deixando de ser propriamente “democrática”. Essa convicção permitiu ao líder socialista dialogar com grupos anarquistas – os quais viveram momentos de confrontação com os bolcheviques. Por conseguinte, Frugoni rechaçou igualmente a adesão do PS à IC, por divergir das “21 condições” exigidas para seu ingresso, uma vez que compreendia se tratar de uma ingerência externa na política das organizações que a compunham. 

Em virtude dessas questões, em diversos de seus escritos e discursos, Frugoni investiga aspectos do conceito de socialismo, em busca de uma definição mais precisa deste pensamento. Para tanto, analisa as raízes da ideia, seus antecedentes filosóficos e seus traços essenciais. Entende que o “socialismo científico” – uma das denominações que recebeu o marxismo – é um pensamento “internacionalista”, e não “estrangeiro” como o acusaram certas forças reativas: um movimento ativo em defesa da classe trabalhadora, guiado pela ciência, e cuja aspiração é não apenas a de proporcionar uma sociedade “mais justa” e “humana”, mas sim a de promover a “socialização da propriedade”, ou de outro modo, a de fazer da propriedade “um direito da sociedade, não do indivíduo”.

Acerca do uso do termo “socialismo”, acusa várias confusões e ambiguidades históricas que se deram em torno desta ideia: a qual serve de denominação para alguns partidos, inclusive representantes de frações burguesas que tão somente adotam em parte o que seria um programa mínimo socialista, mas que não atuam no campo da luta de classes e se mantém aferrados à defesa da propriedade dos meios de produção. Neste embate, Frugoni estudou os antecedentes históricos do socialismo marxista, apontando diversos de seus precursores, desde Jesus de Nazaré e os primeiros padres cristãos, aos “socialistas utópicos” modernos, entre os quais podem ser mencionados reformadores sociais como: François Babeuf, Charles Fourier, Saint Simon, Pierre-Joseph Proudhon, Louis Blanc, e tantos outros que abriram caminhos para a construção do “socialismo científico”, iniciado por Marx e Engels – isto é, um pensamento transformador que reúne o conjunto da ideia, observação e interpretação científica, à luta do movimento trabalhador organizado. 

Baseando-se em Engels, Frugoni mostra também que o conjunto de ideias que compõem o materialismo histórico é um reflexo intelectual da luta de classes, bem como do liberalismo caótico da produção. Neste sentido, ele entende que a classe operária deve reivindicar suas liberdades com relação ao direito político e democrático, a dignidade da pessoa humana, e combater o capitalismo – o qual se caracteriza pela opressão e exploração econômica, pelo liberalismo econômico e pela ideia de que o enriquecimento material é o objetivo primordial da existência humana

Quanto às polêmicas de sua época, Frugoni criticou as táticas dos Partidos Comunistas, apontando exagerado vinculo às orientações vindas da IC e da URSS. Entendia ser fundamental que se adaptasse o socialismo à realidade uruguaia e latino-americana. Acompanhou com entusiasmo a Revolução Mexicana, e foi durante uma viagem aos Estados Unidos que despertou para as questões da América Latina como um todo – havendo nascido aí o Frugoni latino-americano

Durante seu exílio argentino, publicou o livro Ensayos sobre marxismo (1936), em que discute a concepção materialista da história. Sua intenção aí foi destacar a importância do “fator espiritual” na teoria de Marx, apontando que o “fator econômico” era determinante, mas não exclusivo na explicação da sociedade. Para Frugoni, o socialismo é um movimento de anseios, aspirações e desejos de justiça social e humana. O socialismo, para ele, ganha uma perspectiva de construção de uma “sociedade mais harmônica”, organizada sobre a base da propriedade coletiva dos meios de produção. Isto é, em sua concepção, o socialismo é um conjunto de vontades e ao mesmo tempo um movimento incessante, metódico e sensato, com um elevado ideal jurídico, na direção de formas sociais que realizariam a “justiça integral”. Esta “justiça” seria um valoro núcleo de uma ética intelectual que ele projeta em princípios, ideais e estratégia –, um guia que orientaria normativamente a conduta política da sociedade, realizando-se na história através da transformação social. Ou de outro modo, idealiza uma racionalidade lógica que levaria o ser humano a uma espécie de vontade geral – passo para o que ele denomina “evolução revolucionária”.

Emilio Frugoni é identificado por muitos autores como um pensador que combinou a perspectiva do materialismo histórico com uma visão idealista do socialismo; não obstante, lhe é reconhecido ter construído uma elaboração política e intelectual concreta, a partir da visão de mundo dos trabalhadores e das classes populares (Arte: Marcelo Guimarães Lima)

Apesar destas proposições abstratas – marcadas por um cientificismo evolucionista –, Frugoni defende também pautas mais sólidas, como ações de conscientização política da população. Afirma ser possível e necessário não inferiorizar ou brutalizar o espírito das massas, buscando maneiras de educá-las, de elevar seu conhecimento através da ciência. Pondera que a ação dos socialistas não se dirige contra os indivíduos, mas contra as instituições – pois não se trata de uma ação de classe contra indivíduos, mas de uma ação de classe contra classe. Nesse sentido, refuta as práticas que colocam o indivíduo acima da classe, valoriza a autonomia dos trabalhadores e reprova o culto à personalidade (como ideia “elitista”). Considera que o papel dos socialistas consiste em converter o proletariado em um “grande cérebro”, compreendendo que a luta dos trabalhadores se dava em torno de ideias – não se restringindo a questões econômicas. Compreende portanto que, para se ser efetivamente socialista, uma condição necessária é a de que se defenda um partido de classe que promova a organização política dos trabalhadores, com o objetivo de tomar o poder e, assim, socializar os meios de produção. 

Em sua atuação como dirigente socialista, defendeu a participação dos trabalhadores nas decisões das empresas públicas. Enquanto parlamentar (teve cinco mandatos, entre 1911 e 1942), apresentou projetos que visavam garantir a institucionalização das lutas em sentido democrático; propôs a criação de leis que garantiam o direito à greve de funcionários públicos, e a criação de conselhos tripartites em que governo, empresas e sindicatos pudessem negociar os salários (conselhos estes que seriam o embrião dos Consejos de Salários, criados na década de 1940). Legislou também sobre questões como: combate ao alcoolismo, imposto progressivo, proteção aos agricultores, igualdade jurídica entre homens e mulheres, aposentadorias gerais, criação de escolas e reforma agrária. 

Como líder do Partido Socialista durante décadas, entendia que o socialismo deveria se pautar sempre por práticas democráticas, admitindo certas ideias da chamada democracia liberal. Reformista, foi adversário da perspectiva guerrilheira ou da via armada ao socialismo, advogando uma “evolução revolucionária” que se daria, a seu ver, tão somente a partir da institucionalidade liberal. 

Compreendia que o socialismo seria resultado de reformas: da elevação cultural, política e civilizacional dos trabalhadores e do conjunto da sociedade uruguaia no processo de luta entre as classes – sempre segundo a perspectiva reformista, dita “democrática”. Em torno desse entendimento, defendeu a extinção do Exército e das forças repressivas do Estado, vistas como inimigas do uso integral de uma “racionalidade democrática” (como parlamentar socialista, em 1920, apresentou projeto de lei propondo a extinção do Exército, Marinha e Justiça Militar). Em sua visão, a sociedade socialista deveria ser compreendida como reflexo da elevação da consciência e o pleno exercício da racionalidade humana; sendo assim, a existência de exércitos ou quaisquer forças repressivas convertiam-se em distorções, contraditórias com os ideais do socialismo.

Segundo o filósofo Arturo Ardao, Frugoni logrou ser, ao mesmo tempo, e com grande unidade, um “homem da ciência”, “da arte” e “da ação”. Em A sensibilidade americana (1929) – folhetim teatral que consagrou a memória de Florencio Sánchez (jornalista e dramaturgo uruguaio) na ocasião de seu falecimento – Frugoni pondera que a distinção entre os homens na arte se dá pela sensibilidade, assim como é a opinião que diferencia os homens na política. 

O marxista uruguaio é identificado por muitos autores como um pensador que combinou a perspectiva do materialismo histórico com uma visão idealista do socialismo; não obstante, lhe é reconhecido ter construído uma elaboração política e intelectual concreta, a partir da visão de mundo dos trabalhadores e das classes populares.

Comentário sobre a obra

A obra de Emilio Frugoni é bastante ampla. Conhecido como “o Poeta”, ele escreveu sobre os mais variados temas e gêneros. Seus primeiros escritos, produzidos ainda na adolescência, tratam de temas do amor; foram publicados em revistas estudantis de que participava (no fim dos anos 1890): Los Debates, e El Bombo (com o pseudônimo de Imulio Ergonif). 

 Ao longo de sua vida, colaboraria com diversos periódicos, como: La Revista Nueva (1902), dedicada às artes; El Socialista (1906, 1911-1915, 1940); Justicia (1906-1921); El Espíritu Nuevo (1908); Germinal (1921-1922), revista de debate socialista; El Sol (1922-1939, 1940-1943), periódico do novo Partido Socialista por ele fundado nos anos 1920; Afirmación (1941-1942), revista de ideias e ideais; e El País (1944), em que publicou crônicas de viagem.

Em seu famoso discurso “Profesión de fe socialista” (1904) – depois publicado parcialmente no diário El Día –, Frugoni discute o problema do latifúndio, definindo-o como uma “barreira” que se opõe ao “progresso”. A obra é reconhecida também pelo desenvolvimento do seu pensamento tático e propostas quanto à participação eleitoral dos socialistas uruguaios – uma vez que pleiteava a criação de uma fórmula eleitoral comum entre socialistas e colorados

Dentre seus tantos livros dedicados ao pensamento socialista, distingue-se Ensayos sobre marxismo (Montevidéu: Claudio García Edit., 1936), composto de três ensaios em que discute conceitos do marxismo. O primeiro ensaio é “El determinismo del hambre”, em que investiga como a questão da fome está relacionada com o conhecimento e a inteligência, pois que a satisfação das necessidades físicas, biológicas, é fundamento para o desenvolvimento pleno da consciência. Já o segundo ensaio, “El fator espiritual en el materialismo histórico”, parte de um conjunto de conferências que o autor fez durante seu exílio na Argentina; aí, desenvolve ideias de Marx sobretudo acerca do conceito de história, rechaçando o caráter mecanicista e fatalista por vezes atribuído ao materialismo histórico. No último ensaio, intitulado “Los fines ideales en la concepción materialista de la historia”, destaca de um lado a função do espírito enquanto vontade, inteligência e consciência moral em um processo de “evolução social”, e de outro o papel dos ideais – em um debate que trata de uma das noções fundamentais do marxismo, a “consciência de classe”. 

Ademais, dos livros ensaísticos de Frugoni, destacamos os seguintes: Socialismo, batllismo y nacionalismo (Montevidéu: Talleres Apolo, 1928), em que desenvolve a relação entre o pensamento nacional uruguaio e o socialismo; La sensibilidad americana (Montevidéu: Maximino García, 1929), com formulações sobre a existência de uma estética latino-americana; El socialismo no es la violencia, ni el despojo, ni el reparto (Montevidéu: Taller Edit. Apolo, 1931), obra na qual busca distinguir “socialistas” de “comunistas”; Génesis, esencia y fundamentos del socialismo (Buenos Aires: Editorial Americalee, 1934), em que realiza um histórico da evolução das ideias socialistas até o desenvolvimento do socialismo científico; La mujer ante el derecho (Montevidéu: Edit. Indo-Americana, 1940), no qual sustenta a igualdade jurídica entre os gêneros; e Las tres dimensiones de la democracia (Buenos Aires: Edit. Claridad, 1944), que traz reflexões acerca da centralidade da questão democrática na luta pela emancipação dos povos.

Publicou ainda duas obras oriundas de sua passagem pela União Soviética: De Montevideo a Moscú: crónicas de viaje en misión diplomática (Buenos Aires: Claridad, 1945), com relatos cronísticos da viagem; e La esfinge roja (Buenos Aires: Claridad, 1948), em que expõe suas interpretações da experiência revolucionária soviética sob o comando de Stálin. 

Pouco mais tarde, vieram à luz: El libro de los elogios (Montevidéu: Afirmación, 1953), compêndio de artigos, discursos e trechos de livros; e Meditación americanista (Montevidéu: Ediciones Continente, 1959), com interpretações acerca da questão latino-americana.

Além dessas obras, entre seus escritos e discursos políticos e sociais publicados como folhetos, encartes ou compilados em livros, menciona-se: Los impuestos desde el punto de vista sociológico (Montevidéu: Biblioteca del Centro Puentearesano, 1915); El trabajo nocturno (Montevidéu: Centro Socialista, 1916), uma de suas conferências mais famosas; Los nuevos fundamentos (Montevidéu: Maximino Garcia, 1919), palestra sobre o voto secreto, os direitos políticos da mulher, a cidadania dos estrangeiros, o conceito de Constituição e autonomia municipal; La lección de México (Montevidéu: UDELAR, 1928), compilação de conferências universitárias; Qué es y qué quiere el Partido Socialista (Montevidéu: Editorial Apollo, 1931), folheto destinado à discussão partidária; e La Revolución del Machete (Buenos Aires: Claridad,1934), uma crítica à ditadura de Gabriel Terra.

Finalmente, no campo da poesia, o socialista publicou: Bajo tu ventana (Montevidéu: Imprenta Vázquez y Torres, 1900); De lo más hondo (Montevidéu: Talleres Barreiro y Ramos, 1902); El eterno cantar (Montevidéu: O. M. Bertani, 1907); Los hymnos (Montevidéu: Renacimiento, 1916); Poemas montevideanos (Montevidéu: El Siglo Ilustrado, 1923); Bichitos de luz (Montevidéu: Editorial Apolo, 1925); La epopeya de la ciudad (Montevidéu: Maximino García, 1927); La canción humana (Montevidéu/Buenos Aires: Ediciones de la Sociedad del Libro Rioplatense, 1936); La elegía unánime (Buenos Aires: Editorial Losada, 1942); e o derradeiro Poemas civiles (Montevidéu: Claudio García e Cia, 1944).

Na rede, algumas de suas obras podem ser lidas em portais como: Anáforas (https://anaforas.fic.edu.uy) e Internet Archive (https://archive.org).

Bibliografia de referência

ACOSTA, Yamandú. Pensamiento uruguayo: estudios latinoamericanos de historia de las ideas y filosofia de la práctica. Montevideo: Nordan-Comunidad, 2012.

ARDAO, Arturo. La filosofía en el Uruguay en el siglo XX. Mexico: Fondo de Cultura Económica, 1956, p. 134-138. Disp.: www.autoresdeluruguay.uy.

AZÚA, Real de. Antologia del ensayo uruguayo contemporáneo: Frugoni. Montevidéu: Universidad de la República (Departamento de Publicaciones), 1964. 

CAETANO, Gerardo. “Emilio Frugoni y la Revolución Rusa en el Uruguay”. Prismas – Revista de Historia Intelectual de la Univ. Nac. de Quilmes, v. 21, n. 2, 2017. 

CHIFFLET, Guillermo. De la discusión nace la luz: Emilio Frugoni, desafío y referencia. Montevidéu: Letraeñe Ediciones, 2007.

ESPASANDÍN Cárdenas, C. “Marxismo y condición femenina en el socialismo uruguayo del Novecientos”. Clacso (IX Conferencia Latinoamericana y Caribeña de Ciencias Sociales), México, 2022. Disp: https://conferenciaclacso.org.  

FERNÁNDEZ, Gustavo. “Orígenes del movimiento sindical uruguayo”. Hemisferio Izquierdo, set. 2017. Disp: www.hemisferioizquierdo.uy.

JAURENA, Eduardo. Frugoni: una vida consagrada al ideal: y un ideal al servicio de los trabajadores. Montevidéu: CISA, 1950. Disp: www.autoresdeluruguay.uy.

MILLER, Juan Edmundo. El Sembrador (Emilio Frugoni): trayectória biográfica de “el gran traicionado”. Montevidéu: Record, 1973. Disp: http://www.autoresdeluruguay.uy.

PARTIDO SOCIALISTA DE URUGUAY. Emilio Frugoni. Disp: https://ps.org.uy.

SANTOS, Maxi. “Don Emilio: ética, partido y pátria”. El Sol (Partido Socialista de Uruguay), n. 7, set, 2020. Disp.: https://ps.org.uy.

REIS, Mateus Fávaro. “Latino-americanismo e pan-americanismo no Uruguai do entreguerras”. Revista da ANPHLAC, n. 15, jul-dez. 2013. Disp.: http://revista.anphlac.org.br.

Notas

* Com colaboração e edição de texto de Yuri Martins-Fontes e Paulo Alves Junior, e ilustração de Marcelo Guimarães Lima, este artigo foi originalmente publicado no portal do Núcleo Práxis-USP, sendo um dos verbetes do Dicionário marxismo na América; permite-se sua reprodução, sem fins comerciais, desde que citada a fonte (nucleopraxisusp.org) e que seu conteúdo não seja alterado. Sugestões e críticas são bem-vindas: nucleopraxis.usp.br@gmail.com.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul Global.

Natalia Tahara Bibliotecária; graduada em Biblioteconomia pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, com especialização em Museografia e Gestão de Bibliotecas Escolares (Univ. Claretiano). É autora da obra: Estudos de usuários da biblioteca da Fundação Japão (USP, 2000).
Mateus Fiorentini Professor de História da rede de ensino do Rio Grande do Sul; graduado em História pela PUC-SP, mestre em Integração da América Latina (USP) e doutorando em História (UPF). Autor de, entre outras obras: Caminho uruguaio ao socialismo: o pensamento de Rodney Arismendi e a unidade da esquerda [1955-1971] (PROLAM-USP, 2019).

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