Nestes dias de quarentena, é imperioso olhar para novos horizontes. Começar de uma postura devidamente informada para compreender a dimensão real do problema e não tirar conclusões extraídas de uma visão geralmente distorcida pelo medo, pelo fanatismo e pela superstição. Nisso incide todo um marco cultural que nos afasta do raciocínio para deixar-nos à mercê dos temores e assim, desse modo, terminamos por perder a perspectiva.
Um encerro obrigatório pela circunstâncias poderia nos permitir, em primeiro lugar, reordenar as prioridades e avaliar até que ponto dependemos dos demais. Ou seja, trazer-nos de volta para um contexto comunitário, abandonando o individualismo criado a partir do egoísmo endêmico de nossos sistema sociais e políticos.
Um dos efeitos impactantes da pandemia é a forma como se nos reduziu o planeta. Hoje lançamos uma mirada desconfiada para continentes longínquos e fechamos fronteiras locais e pessoas para evitar que nos contagiemos de suas mesmas dolorosas experiências. No entanto, no fundo sabemos que, apesar de tudo, este minúsculo vírus veio expor as debilidades de nosso ser e de nosso entorno e, muito especialmente, as aberrações do nó político-econômico que nos impõe um apartheid pré-fabricado, mediante o qual um pequeno segmento da sociedade possui tudo, enquanto o resto deve ver de que forma sobrevive às carências. Esta excepcional calamidade sanitária também evidenciou, entre outros efeitos, o prejuízo enorme provocado por nossos hábitos e costume no mundo natural do qual dependemos.
Imagem de rottonara por Pixabay
O individualismo criado a partir do egoísmo endêmico de nossos sistema sociais e políticos precisa ser abandonado
A convivência obrigatória destas semanas não só representa a única ferramenta sensata para achatar curva da pandemia e não colapsar totalmente os já frágeis sistema de saúde pública, mas também deixa em carne viva os desencontros e as ameaças dentro do entorno familiar. No mundo real, poucas são as ocasiões onde todos os membros de uma família devem permanecer em um mesmo local durante muito tempo, sem outra opção. Isto, visto de fora, pode parecer uma excelente oportunidade para compartilhar interesses e fomentar a união, mas em muitos casos – demasiados, sem dúvida – constitui um risco para milhões de mulheres e crianças vítimas de uma relação de violência, que a quarentena coloca à mercê de seu agressor sem possibilidade de escapar.
Além disso, ao converter-se o Covid-19 no tema único dos meios de comunicação, círculos sociais e plataformas institucionais, se torna extremamente sensível à manipulação e à desinformação, dado que esta ameaça sanitária é ainda desconhecida para as massas e motivo de preocupação para os cientistas. No entorno latino-americano se tem podido observar a abundância de comentários nas redes sociais como um espelho onde se reflete uma maravilhosa solidariedade humana, mas também uma profunda divisão expressada em mensagens de ódio, discriminação e desprezo por aqueles que não pensam do mesmo modo ou que pertencem a um segmento diferente da sociedade. Por isso é preciso compreender que o perigo é outro. Não é o vírus que passará por nosso organismo e talvez só deixe uma lembrança amarga ou a perda de um ser querido, mas sim essa combinação de crenças, superstições e fanatismo; esse ódio pelo outro; essa desconfiança capaz de provocar uma resposta agressiva ante uma situação que escapa ao nosso controle. É uma lição dura, mas o aprendizado poderia fazer de nós melhores seres humanos.
Nestes dias, a visão do nosso futuro mudou de repente.
Carolina Vásquez Araya, Colaboradora de Diálogos do Sul desde a Cidade da Guatemala
Tradução: Beatriz Cannabrava
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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