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Poucos sabem, mas operações de Garantia da Lei e da Ordem são elo entre militares e milícias cariocas, diz professor

"A política de combate às drogas no Rio levou ao morticínio de civis, negros, pobres… Bolsonaro e Braga Netto pioraram bastante o que já era ruim"
Amaro Augusto Dornelles
Diálogos do Sul
São Paulo (SP)

Tradução:

Pouco se diz no país, mas a Garantia da Lei e da Ordem é o instrumento que liga a cúpula do Exército às milícias do Rio de Janeiro. As GLOs fundiram Braga Netto —  hoje ministro da Defesa — assim como a cúpula do Exército com o clã Bolsonaro

Para colocar um pouco de Ciências Humanas — tão desprezadas atualmente — no tema, conversei com André Martin, estudioso e especialista tanto em política como em militares para nos ajudar a entender essa relação.

O especialista também comenta a articulação de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) para emplacar uma chapa com Ciro Gomes (PDT) e Eduardo Leite (PSDB) justamente com a intenção de tirar votos do PT e obrigar um segundo turno. 

A articulação acende um alarme: os petistas raciocinam em termos de segundo turno. Não parecem conscientes de sua capacidade para vencer o fascismo no primeiro turno com uma aliança realmente ampla. Isto pode se tornar uma nova tragédia verde-amarela .

Paulo Cannabrava | Brasil vive sob uma ditadura, você percebeu?

André Martin é professor titular de Geografia Política na Universidade de São Paulo (USP) e integrante da Associação Brasileira de Estudos de Defesa (ABED).

"A política de combate às drogas no Rio levou ao morticínio de civis, negros, pobres… Bolsonaro e Braga Netto pioraram bastante o que já era ruim"

Reprodução/Instagram
Bolsonaro se reúne com grupo de policiais em sua residência após a eleição em 2018

Confira:

Diálogos do Sul: Os fardados podem trazer uma ditadura formal de novo? 

André Martin: Estamos falando de futuro, mas olhando para trás, este momento vivido é herança de 1964. Temos uma doutrina militar aqui no Brasil: na falta de um inimigo interno, as Forças Armadas se justificam com um hipotético inimigo externo imaginário: Argentina

Tal qual a Argentina na guerra das Malvinas contra a Inglaterra… Mas como isso começou, como está hoje?

Tivemos um processo de militarização política por conta das operações de segurança no Rio de Janeiro. É por isso que o Rio é cada vez mais esta fonte de desgraça.

A Velha capital é hoje a Capital Federal da República das Milícias bolsonarianas…

Tem tudo para ser. Aquela política de combate às drogas no Rio, que levou ao morticínio de civis, negros, pobres… O fato é que Bolsonaro e Braga Netto pioraram bastante o que já era ruim. A milicialização do Estado brasileiro é algo que tem raízes na subordinação colonial.

As operações de Lei e de Ordem [GLO — o conceito da Garantia da Lei e da Ordem] — são justamente o instrumento que ligou a cúpula do Exército às milícias do Rio. As GLOs fundiram, portanto, Braga Netto (o Exército) com o clã Bolsonaro.

Tudo iniciou com Temer, ele começa a se valer disso e vem de longa data. Desde aqueles arrastões nas praias cariocas e suas decorrências. O governo ou a burguesia jamais levaram o poder a resolver as questões sociais do Rio. É sempre na base da repressão

Por quê?

É a forma de esconder o problema social no Rio. A questão não será resolvida enquanto o país for subordinado ao imperialismo. Os partidos não tratam disso. Nem os de esquerda. As Forças Armadas não defendem o povo contra o imperialismo

As tropas de ocupação do imperialismo lutam contra o nosso povo, nosso meio ambiente, nossos índios, nossas riquezas. Tal ideia nasceu em 1924, na Constituição Imperial, quando surge o conceito de lei e ordem — aristocrático e latifundiário.

Assista na TV Diálogos do Sul

Qual era a lei e a ordem no caso, à época?

Lei e Ordem escravocratas. E por quê? Porque o executivo imperial precisava de um poder para manter o território unificado. Como não havia forças policiais organizadas, ao mesmo tempo em que tentavam manter a integridade do território, combatiam as rebeliões internas e os regionalistas. Foi a maneira do império usar uma força nacional contra rebeliões locais. Trazendo para hoje, isso foi se justificando na luta contra o crime organizado. 

Por que isso?

As polícias são incapazes. E há um risco muito grande no que vamos viver daqui para frente: a capacitação do general Braga Netto se deu justamente na área de unificação de todas as forças de repressão. Foi isso que ele foi fazer no Rio de Janeiro.

 

 

O ‘mandato’ carioca dele já inspirou…

Foi essa também a experiência no Haiti, com o general Augusto Heleno. Todo esse aparato repressivo, que na verdade não tem muita função, você pega, mobiliza em função de um certo objetivo. 

Quais são esses aparatos? A Abin, o Estado Maior das Forças Armadas, todas as polícias, a integração, PF, PRF, polícias estaduais — tudo integrado. É a unificação dos órgãos de segurança e repressão, burlando a fronteira que havia, fundamental no estado democrático, entre polícia e Exército. 

Brasil protetorado ianque

Afinal, os meganhas apoiam o projeto Bolsonaro?

Sim. Mas não são todos os militares nessa canoa. Muitos percebem a política norte-americana de militarizar as polícias e desarmar as Forças Armadas. 

Qual é a vantagem que os “ianques bonzinhos” levam nessa parada?

Se o país não tem Forças Armadas para se defender das ameaças externas, quem faz isso são os EUA. Viramos a província e aí vem a questão do protetorado. As Forças Armadas viram forças policiais para defesa de seu ‘protetorado’. Essa é a doutrina. Se você verifica na prática, é muito simples: 

Se os militares do capitão apoiassem a soberania nacional, eles apostariam — e investiriam — no submarino nuclear. O que se fez no Brasil? Prenderam o pai do submarino nuclear. Mais evidente só se matassem o patriota de verdade. O povo é muito ignorante, no sentido de não saber, não pejorativo. É desinformado, não sabe o que se passa. Ninguém disse nada à nação, nenhum partido. O próprio PT omitiu isso. Eles tinham a obrigação de alertar.

Projeto de poder dos militares é anterior a Bolsonaro e vai sobreviver a ele: entrevista com Piero Leirner

Autocrítica, Companheiro

O PT não tem autocrítica pública. Tomara que internamente haja…

Era a coisa mais simples e óbvia do mundo e deveria ser denunciado insistentemente, denunciar na ONU: os EUA fizeram a escuta do celular de Dilma Rousseff; se infiltram na Petrobrás, pesquisaram o Pré-Sal, cresceram o olho e o Brasil foi se atrasando em tudo, a começar no Projeto Submarino Nuclear. E tudo ficou por isso mesmo. 

Foi um escândalo internacional.  Angela Merkel, a ex-chanceler alemã, também foi espionada e denunciou a pirataria ianque…

É isso mesmo. Mas o pior foi que eles cortaram verba do Projeto Submarino Nuclear depois de investir os tubos. Aí chega a Lava-jato, atinge a Petrobras, a Odebrecht e o submarino nuclear.

A demonizada Odebrecht — 20 anos instalada nos EUA, à época, responsável por 5% de seu faturamento total, U$ 300 bilhões — derrotava as maiores construtoras dos EUA habitualmente, como nas ampliações dos aeroportos de Nova Orleans e Miami. Aí vem o paladino do Império, destroça a moral e a estrutura do patrimônio brasileiro. E depois ainda tem a cara de aço inoxidável de vir tratar de sua recuperação através de uma empresa dos EUA. Sergio Moro Lesa Pátria precisa ser preso. Para sempre.

Também acho. Mas aí prendem o almirante Othon Pereira. Não precisa ser muito versado no tema para desconfiar que isso se trata de uma operação do imperialismo. Só que se você falava isso na época, era logo chamado de maluco, radical… 

Ou Lulopetista, Petralha, como vocifera até hoje o tal Nêumanne Pinto — do Estadão… 

Tratam a questão como se fosse uma teoria da conspiração. Infelizmente, estamos há sete anos tentando descobrir isso. Boa parte do povo brasileiro ainda não entendeu o que se passa.

Pode haver uma ruptura institucional?

Sim. Se alguém for pesquisar o que Braga Netto fez ao longo de sua vida toda verá que ele é “especializado na montagem de aparelhos de repressão”. 

A campanha de Lula e Haddad à presidência foi desastrada, para dizer o mínimo. Poucos sabiam quem era o candidato. Coisa estúpida. Isso tudo com Lula preso. Ora, este conjunto de fatos fortaleceu a unidade das forças de repressão. Palco de luxo para ‘Garantidores da Lei e da Ordem” de araque. Mas quem vai dizer que não? São juízes, cúpula do Exército, empresários. Faltou a turma do PT ler Maquiavel, que diz: “Não há nenhuma razão para um homem armado obedecer a um desarmado”.

Esta união de fome com o apetite de quadrilhas civis e fardadas para segurar o osso não vai ruir? Congresso, CPI, Judiciário, tudo seguirá como dantes no covil dos ‘patriotas’? 

É exatamente o que virou o Brasil de hoje. Estamos acuados. Mas tem eleição. Ao que parece estamos saindo da pandemia. 2022 vai ser a hora da onça beber água.

Já que falastes em 22: esta festejada Terceira Via não pode embatumar o bolo da secessão?

Na minha opinião, ela é uma falácia. Para começar, porque ela não é terceira via. Só tem uma via, que é o neoliberalismo. Então a questão chave está com Lula.  Porque ou o PT rompe com o neoliberalismo ou perde a eleição. A bola está com Lula. E se ele quiser repetir 2002, (alianças à direita, falta de enfrentamento ao imperialismo, o que mais?) Lamento dizer que o Bolsonaro pode levar. Já Ciro Gomes está fazendo tudo errado…

2022: Ano da Onça Beber Água

Em entrevista anterior, falastes que o PT nunca combateu o imperialismo, ou buscou o PDT brizolista para fortalecer o nacional desenvolvimentismo…

Isso mesmo. Mas agora FHC tenta patrocinar a chapa Ciro/Leite. É uma chapa inteligente, Norte-Sul, um aparente radical de esquerda — como é a imagem do Ciro — e um liberal moderado. Mas não sei se esta costura que FHC está fazendo vai dar certo. Acho bem difícil falar a verdade. Mas é o que eles tentam fazer. Esse foi o caminho que Ciro Gomes escolheu ao colocar o marqueteiro João Santana como conselheiro. Vai de mal a pior. 

O que posso dizer do governador do RS é que ele deu, por reles RS 100 mil, a Companhia de Energia do Estado, CEEE. A 13 de maio de 1559, o governador Leonel Brizola, com 37 anos, assinou decreto para encampação da Companhia de Energia Elétrica Rio-Grandense, da Bond and Share (EUA). Depois foi a ITT, criando a CRT, telefonia. Na época, nem mesmo Fidel Castro e a revolução cubana chegaram a tanto. 

Incrível. Mas se FHC conseguir emplacar sua chapa é justamente para tirar votos do PT e obrigar um segundo turno. Aí eu vejo o maior problema: os petistas raciocinam em termos de segundo turno. E não em termos de vencer o fascismo no primeiro turno com uma aliança realmente ampla. Esta pode ser a estratégia da tragédia.

Amaro Augusto Dornelles é colaborador da Diálogos do Sul


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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Amaro Augusto Dornelles

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