Conteúdo da página
ToggleO 12 de março estava destinado a marcar o calendário político argentino. Não havia nenhum processo eleitoral, tampouco uma sessão extraordinariamente importante no Legislativo.
Era quarta-feira e, como em todas as quartas, houve um protesto de aposentados, que se mobilizariam contra a agenda do governo de Javier Milei, que os tem atacado física e economicamente, como parte de seu plano de ajuste econômico e disciplinamento da sociedade civil.
No entanto, havia uma diferença: torcidas de inúmeros clubes de futebol haviam confirmado seu apoio à convocatória. Não seria uma quarta-feira qualquer, mas uma em que várias camadas do sempre complexo espaço opositor na Argentina se juntariam às mobilizações dos aposentados. O contexto também não era simples.
Javier Milei enfrenta uma queda notável em sua imagem pública e no apoio ao seu governo, consequência da combinação de escândalos políticos, fraudes com criptomoedas e um rumor crescente sobre a insustentabilidade de seu “plano” contra a inflação e a desvalorização. [As últimas pesquisas de opinião revelam que sua popularidade despencou dez pontos e seu governo já é mais rejeitado do que apoiado – (Nota do tradutor)]
Repressão nas ruas

A oposição buscava uma demonstração de força e unidade. O governo “libertário” apostava, em certa medida, sua credibilidade, desgastada nos âmbitos ético, político e econômico. Poderia, no entanto, reforçar outro pilar de sua narrativa: o da violência. Desde que assumiu como chefe da Casa Rosada, Javier Milei e sua ministra da Segurança, — Patricia Bullrich, ex-candidata à Presidência e veterana da “casta” política nacional — têm exibido seus “protocolos” contra piquetes e mobilizações sociais.
Apesar dos resultados medíocres em termos logísticos, a estratégia repressiva do governo de Javier Milei tem sido eficaz na construção de um marco ideológico crucial: ser implacável contra a “casta” dos aposentados, estudantes e organizações sociais. Para entender isso, é fundamental olhar para trás, até o governo de Mauricio Macri, que também implementou – com Bullrich como ministra da Segurança – políticas repressivas durante os protestos. Isso não escandalizou seu núcleo duro; ao contrário, solidificou o apoio de uma parcela não desprezível de seu eleitorado.
Libertinagem econômica de Milei enriquece corporações enquanto argentinos passam fome
Algo semelhante ocorre hoje com Javier Milei e seu famoso 30% de “piso” eleitoral. O duo liberal-repressivo formado por Milei e Bullrich montou um operativo com um objetivo único: brutalizar a mobilização em defesa dos aposentados. Marcado por uma identificação que é, antes de tudo, antiperonista e antikirchnerista, o núcleo duro do eleitorado governista avaliza, exige e celebra a brutalidade policial do governo. O ódio de classe (muitas vezes autodestrutivo) do eleitor de extrema-direita na Argentina não só não é afetado pelas imagens de violência, como fortalece seu vínculo identitário com Milei.


O Centro de Estudos Legais e Sociais da Argentina realizou um acompanhamento da jornada e constatou inúmeros atos de violência das forças repressivas contra os manifestantes. Pouco depois da convocatória, as ruas foram bloqueadas e a Plaza de Mayo foi cercada, buscando limitar o sucesso da mobilização. A Gendarmeria, a Prefeitura e a Polícia Federal coordenaram-se para agredir os aposentados e os demais setores mobilizados. O gás de pimenta cobriu vários pontos rapidamente.
Milei: o sicário do imperialismo estadunidense na América Latina
Continua após o anúncio
Embora não seja a primeira vez que o governo “libertário” reprime violentamente aposentados — que em alguns casos ultrapassam os oitenta anos de idade –, neste caso a magnitude atingiu novos patamares. Muitos aposentados sofreram agressões violentas. Crianças foram afetadas pelo gás de pimenta. Um fotojornalista, Pablo Grillo, foi atingido por um disparo e sofreu uma fratura no crânio. Mais de cem pessoas foram detidas, em alguns casos após permanecerem por horas amontoadas em um camburão policial.
Em todo caso, o fundo da repressão não é casual. O governo de Javier Milei busca enviar uma mensagem a suas bases e à oposição: não vai ceder. Em um contexto de queda abrupta de sua popularidade, e imerso em complexas negociações buscando um novo compromisso da Argentina com o Fundo Monetário Internacional, Milei pretende projetar uma imagem de firmeza. Sua agenda será realizada com ou sem o apoio popular, ele revela. Assim como tem sido sua relação com o Legislativo, marcada pela imposição e unilateralidade, o anarcocapitalista busca reiterar que “não precisa” do consenso social. Se o tiver, excelente; se não, seguirá da mesma forma por meio da violência.
Trapaças no Congresso

A deriva autoritária do governo argentino não pode surpreender ninguém. Houve advertências antes, durante e depois da campanha eleitoral que deu a Javier Milei as chaves da Casa Rosada. Estende-se ao Legislativo, onde, até pouco tempo atrás, o bloco governista La Libertad Avanza havia consolidado um frágil (mas eficiente) sistema de alianças para evitar que os decretos presidenciais caíssem. A sete meses das eleições legislativas intermediárias, nas quais os “libertários” sonham ganhar várias dezenas de cadeiras, Milei precisa impor sua agenda em um Congresso cada vez mais hostil.
Enquanto as forças repressivas atacavam jornalistas e aposentados, na Câmara dos Deputados a oposição conseguiu o quórum para tentar retirar de Javier Milei os poderes extraordinários que lhe foram concedidos no início de seu governo. Em uma explícita violação do funcionamento do poder, Martín Menem, presidente da Câmara, encerrou a sessão e trancou-se em seu escritório. A desculpa?
Netanyahu, Milei, Bolsonaro, Musk, Trump: “os semelhantes se atraem”
Continua após o anúncio
Uma briga física entre legisladores governistas. O governo de Javier Milei é um experimento. Baseia-se em uma narrativa anti-Estado, em fraudes e escândalos e, acima de tudo, numa retórica que não esconde em absoluto sua vontade de violentar a oposição e ignorar as leis. O governo anarcocapitalista argentino estica os limites da extrema-direita e expõe até que ponto pode ser conciso e claro em relação a sua agenda de ódio e destruição. Essa é uma das chaves de seu mandato.


As eleições de outubro poderão freá-lo, sim. Mas também provavelmente confirmarão que uma parcela considerável do povo argentino aceita e apoia a ruptura de toda lógica humanista. Os próximos meses serão decisivos.