As dissidências das Farc conhecidas como Estado Maior Central (EMC) anunciaram no último domingo (5) que se levantam da mesa de diálogos de paz, instalada há apenas duas semanas, argumentando que o governo não cumpriu acordos sobre a presença da força pública nas áreas rurais onde eles operam.
Através de um comunicado, o EMC assegura que existe o perigo de um rompimento definitivo das negociações de paz, razão pela qual suspendem sua presença na mesa e congelam a agenda pactuada com o governo para realizar consultas internas, embora – asseguram – manterão o cessar-fogo de seis meses pactuado em meados de outubro.
O La Jornada soube que, ao longo da semana passada, as delegações de ambas as partes estiveram enfrascadas em uma forte discussão sobre a presença de um contingente de soldados do exército em uma pequena localidade do departamento de Cauca, conhecido como El Plateado, onde os insurgentes tiveram presença e controle territorial nos últimos cinco anos.
Governo e guerrilha haviam acordado que o exército poderia ingressar a este pequeno casco urbano a fim de garantir o direito dos cidadãos de participar das eleições regionais do dia 29 de outubro, mas uma vez terminada a jornada eleitoral, a localidade seria desocupada, tanto pela força pública como pela guerrilha.
Quase 100 homens do exército, no entanto, se mantiveram no El Plateado depois das eleições, o que provocou uma massiva mobilização de mais de cinco mil campesinos da região, conhecida também como uma das maiores produtoras de coca do sul ocidente, próxima à fronteira com o Equador.
Meios locais e fontes militares denunciaram uma suposta “instrumentalização” dos lavradores, que obrigaram os militares a se retirar do povoado, retendo pelo menos 20 deles que se negaram a fazê-lo, segundo denunciou o exército.
Ao anunciar sua decisão, a guerrilha expressou que só voltará à mesa de diálogos se o governo emitir um documento ratificando sua disposição de cumprir o pactuado em vários protocolos, que são o suporte do funcionamento das negociações.
O comissionado de paz disse ao La Jornada que o governo não só reconhece e respalda a ação desenvolvida pela força pública no El Plateado, garantindo a normalidade das eleições, mas considera desnecessário emitir um documento ratificando sua decisão de cumprir os protocolos, pois “podemos demonstrar que ao longo deste longo processo de aproximação, cumprimos totalmente nossos compromissos em meio a todo tipo de dificuldades e sabotagens contra o anseio de paz dos colombianos”.
A suspensão destes diálogos se soma à crise que vive a mesa de negociações com o Exército de Libertação Nacional (ELN) por conta do sequestro de Luis Manuel Diaz, pai do futebolista Luis Diaz, perpetrado há uma semana por um comando dessa guerrilha no nortista departamento de La Guajira.
Sequestro de Luis Manuel Díaz
Os diálogos de paz entre o Exército de Libertação Nacional (ELN) e o governo colombiano ficaram suspensos ao ser divulgado que a guerrilha perpetrou o sequestro de Luis Manuel Díaz, pai do futebolista Luis Díaz, ídolo nacional que joga no Liverpool da Primeira Liga Inglesa.
A confirmação de que o pai do esportista está em mãos do ELN foi dada a conhecer pela chefe da delegação do governo nas negociações, Otty Patiño, que emitiu um breve comunicado no qual demandou a imediata libertação do sequestrado.
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“Exigimos ao ELN pôr em liberdade de imediato o senhor Luis Manuel Diaz”, diz o comunicado no qual se adverte sobre as consequências de que o episódio tenha fatais desenlaces. “É de sua inteira responsabilidade garantir sua vida e sua integridade”, complementam.
A notícia causou surpresa nos meios e entre os analistas locais, que deram ampla cobertura ao fato, atribuído inicialmente por fontes policiais a delinquentes comuns.
Díaz e sua esposa, Cilenis Marulanda, foram raptados no dia 28 quando se mobilizavam em uma caminhonete perto do município de Barrancas, no departamento de La Guajira, fronteiriço com a Venezuela, e um par de horas depois os sequestradores libertaram a mulher, adentrando-se com o pai do futebolista por caminhos da Serrania do Perijá.
Foto: Alto Comisionado Paz/Twitter
Membros do Alto Comissionado de Paz durante reunião em 3 de novembro de 2023
Venezuela
Por terra e ar, centenas de homens do exército e da polícia levam dias de operações na área, no meio de fortes rumores de que Díaz foi transferido ao território venezuelano, atravessando um dos limites desta porosa fronteira de tupidas montanhas.
Depois da publicação do comunicado de Otty Patiño, porta-vozes do ELN na mesa de diálogo disseram a meios nacionais que a comandância desta guerrilha desconhecia completamente a execução do sequestro por parte de suas unidades que operam em La Guajira e anunciaram que iniciaram gestões para conseguir sua libertação o quanto antes.
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Este episódio transcende a cena política, pois gera uma aguda crise no processo de paz iniciado há doze meses entre o governo e o ELN, cujos notórios avanços foram qualificados históricos pelas duas partes.
Pela primeira vez em sua larga vida guerrilheira de 60 anos, o ELN aceitou o cessar-fogo com o governo, cuja implementação, por seis meses, começou no passado 3 de agosto.
Desde o dia 28 de outubro, os olhos futebolísticos do mundo foram postos sobre a figura do jogador do Liverpool e da seleção nacional de futebol da Colômbia, que desde a Inglaterra segue minuto a minuto o desenlace da partida pela vida que vive seu pai.
Jorge Enrique Botero | La Jornada, especial para Diálogos do Sul – Direitos reservados.
Tradução: Beatriz Cannabrava
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