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O papel dos militares na Nova República: Reflexões de René Deifruss na Cadernos de Terceiro Mundo

Cientista político sugere uma reformulação no Exército Brasileiro, tocando no ponto da educação militar e nos princípios ideológicos
Gabriel Rodrigues Farias
Diálogos do Sul
Rio de Janeiro (RJ)

Tradução:

Para abrir a segunda temporada do programa Diálogos em Sul Maior, recebemos, nesta quinta-feira, 8 de abril, às 17 h, os professores João Roberto Martins Filho (UFSCAR) e João Batista Damasceno (UERJ) para debatermos os eventos políticos recentes do Brasil com foco na crise militar na qual está imerso o atual governo e na insegurança jurídica que tomou conta do país nos últimos anos.

O jornalista Paulo Cannabrava Filho e as professoras Beatriz Bissio (UFRJ) e Jacqueline Ventapane (UERJ) conduzirão o programa.

A transmissão será pelo canal da Diálogos do Sul no YouTube e nas páginas do Facebook do LPPE, NIEAAS, Acervo Cadernos do Terceiro Mundo e Diálogos do Sul.

Devido a esse contexto em que se tem debatido bastante o papel das Forças Armadas em uma ordem democrática, decidimos relembrar um artigo do cientista político e historiador uruguaio René Armand Dreifuss (1945-2003).

Dreifuss é conhecido pela sua grande obra ‘’1964 – A Conquista do Estado’’ onde ele analisa como os elementos da burguesia brasileira e do capital multinacional fizeram suas articulações com os setores militares para a derrubada de João Goulart da presidência da república.

O texto resgatado é datado de 1985, ou seja, ano que marcaria o fim da ditadura militar e o início do processo de redemocratização.

A principal preocupação do autor é de qual seria o papel das militares na nova república. Por isso, no texto aparecem sugestões para uma reformulação no Exército Brasileiro, tocando no ponto da educação militar e nos princípios ideológicos, e pedindo medidas legislativas mais duras que impeçam a ascensão de ideias e atividades golpistas nas Forças Armadas.

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Bom, passado mais de 35 anos do texto, parece que essas mudanças ainda não chegaram. De qualquer forma, colocaremos abaixo dois trechos do artigo e, no final, um link para a edição que contém a reportagem completa.

Cientista político sugere uma reformulação no Exército Brasileiro, tocando no ponto da educação militar e nos princípios ideológicos

Wikipedia
Qual o papel das Forças Armadas em uma ordem democrática

O novo papel dos militares

“Entre os direitos da sociedade civil, existe o de não ser golpeada impunemente por quem eventualmente tem o poder das armas. A sociedade civil desarmada não pode viver ao sabor de decisões tomadas por grupos ou “chefias” militares. Os cidadãos não podem ficar expostos às ações decorrentes da interpretação de cenários políticos, feita dentro dos quartéis, sem a sua sanção. Os cidadãos desarmados devem ter o direito e a autoridade de criar mecanismos dentro do exército, da marinha e da aeronáutica, capazes de neutralizar e erradicar qualquer tipo de tentação golpista. Para alcançar esses objetivos, serão necessárias reformas internas profundas nas forças armadas, assim como nos procedimentos e normas de controle sobre a sua atuação”.

“Se essas reformas não surgirem por iniciativa própria dos oficiais, elas devem e podem ser exigidas pelos civis, como demanda legítima da sociedade. Nesse caso, será uma exigência fundada no princípio de que dentro desta sociedade todos são iguais perante a lei; o poder emana do povo e, portanto, a “corporação” (ou “chefias e grupos” dentro desta) não pode sequer cogitar do uso da força que lhe foi confiada para impor a sua vontade sobre os demais”. 

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“A reformulação antigolpista das forças armadas exige, portanto, a retirada da segurança interna como foco referencial do raciocínio militar e do seu raio de ação. A segurança interna deve ser colocada na trilha legítima que lhe cabe e que é o Ministério da Justiça. Num sistema onde paira a ameaça de que conflitos políticos e crises institucionais possam vir a ser dirimidas por intervenção militar, vive-se, aí sim, num estado de total insegurança nacional.

Aliás, essa confusão de segurança interna e nacional merece exame mais detalhado. A segurança da nação não é outra coisa se não o bem-estar e a tranquilidade da população e não só no plano político-institucional. Para que se tenha uma nação segura, é mister a satisfação das demandas sociais de alimentação, de cuidados médicos, de habitação, de vestuário, de educação, desenvolvimento científico e lazer, em condições dignas, assim como a ilibada probidade no manejo da coisa pública, o que nenhum regime militar, no Brasil, conseguiu ainda fazer a contento 

Essas são as verdadeiras razões de segurança nacional, desvinculadas a priori da necessidade de imposição ou tutela militar. A segurança da nação passa, também, pelo confronto político em aberto, pelo embate de idéias, pela livre organização dos cidadãos de acordo com suas convicções políticas e suas propostas de como gerir e estruturar a sociedade, sobre as quais as forças armadas, como instituição ou como corporação, nada têm a dizer.

O ponto básico passa a ser, portanto, o grau, a qualidade e o sentido da segurança que o cidadão aspira. São os cidadãos que decidem o que almejam e como será encaminhada a questão. E,para isso, há instrumentos e canais apropriados. E importante frisar que cabe aos cidadãos decidirem que tipo de segurança desejam. Isso nos remete à necessidade de deslanchar no processo da Constituinte um grande debate nacional sobre a noção e questão da segurança 

No momento em que o país pretende urna democratização de suas atividades políticas e de seu funcionamento institucional, o cidadão bem pode chegar à conclusão de que a miséria generalizada em todos os níveis, de mais de 60% da população, assim como a vigência de estruturas produtivas e sociais arcaicas e o pisoteio da lei e dos direitos elementares da pessoa humana são ameaças ou agressões de primeira ordem à nossa segurança nacional. E mais, que o altíssimo índice de insegurança alimentar, sanitária, habitacional, ambiental, educacional, cultural e científica do Brasil nada tem a ver com o Movimento Comunista Internacional. Ou concluir que empresas ou grupos transnacionais são mais perniciosos para a segurança da população do que os “inimigos” que nos foram impostos nesses últimos vinte anos. 

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Circunstâncias muito específicas fazem com que, felizmente, o Brasil viva em paz com seus vizinhos. Na ausência objetiva de ameaças, a oficialidade acaba sendo testada nos cursos e no campo de manobras de treinamento, no imobilismo da vida na caserna e na máquina burocrática militar e estatal  e a partir dessa rotinização das tarefas militares e da mera falta de objetivos que as forças armadas têm tempo e capacidade ociosa para adquirirem urna projeção inusitada nas atividades do governo e da administração da coisa pública.‘’

‘’O novo papel dos militares’’ por René Dreifuss


Memória

Tema complexo, que requer uma análise de longo prazo e a compreensão da geopolítica atual. Para uma visão histórica do tema, compartilhamos reportagem publicada na revista Cadernos do Terceiro Mundo de 1997.

A Diálogos do Sul é a continuidade digital da revista fundada em setembro de 1974 por Beatriz Bissio, Neiva Moreira e Pablo Piacentini em Buenos Aires:

A recuperação e tratamento do acervo da Cadernos do Terceiro Mundo foi realizada pelo Centro de Documentação e Imagem do Instituto Multidisciplinar da UFRRJ, fruto de uma parceria entre o LPPE-IFCH/UERJ (Laboratório de Pesquisa de Práticas de Ensino em História do IFCH), o NIEAAS/UFRJ (Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre África, Ásia e as Relações Sul-Sul) e o NEHPAL/UFRRJ (Núcleo de Estudos da História Política da América Latina), com financiamento do Governo do Estado do Maranhão.


Textos publicados originalmente na página Revista Cadernos do Terceiro Mundo – Acervo Digitalizado

CADERNOS DO TERCEIRO MUNDO. Rio de Janeiro: Terceiro Mundo, ano 7, n. 77, abr. 1985, p. 29-34.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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