Sob o sugestivo título de “Rastros de mentiras”, se exibe em Lima uma telenovela brasileira (Amor à Vida, no título original) que mostra a decomposição e decadência dos Khoury, uma poderosa família burguesa, apanhada por falsidades de toda ordem. Escrita por Walcyr Carrasco, foi adaptada à TV e levada à cena com Antônio Fagundes e Susana Viera como atores principais.
Capítulo a capítulo, a série vai pondo em evidência a falsidade, a dupla moral, os preconceitos, as ambições e a falta de escrúpulos que caracterizam o mundo artificial em que se desenvolve a trama, e que tem como pano de fundo a mentira institucionalizada como base nesse mundo fictício no qual assoma a “sociedade exemplar” de nosso tempo.
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Pois bem. Se tivéssemos escritores e roteiristas desse nível, aqui poderia ser produzida uma obra similar recolhendo as ações de personagens que poderiam estar à altura da circunstância pois fundam seu poder precisamente na mentira.
Em outras palavras, de suas ações flui sem pausa um conjunto de rastros que evidenciam a podridão que envolve a um segmento da Classe Dominante, que hoje se empenha em apresentar-se como um prístino modelo de respeito à democracia e aos direitos da população. Estamos nos referindo, obviamente, à cúpula governante.
Não alcançaria nem o espaço nem o tempo se quiséssemos abordar o conjunto de mentiras que sustentam a mensagem dos precários inquilinos do Palácio de Governo e seu círculo mais íntimo de aliados e cúmplices em distintas esferas da gestão pública. Nos limitaremos, então, a aludir ao que poderíamos denominar mentiras monumentais, que não têm paralelo na história peruana e que puseram ao desnudo a fetidez de sua essência.
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Não se trata, na verdade, tão só de rastros de mentiras
Talvez a primeira destas mentiras descomunais seja a que alude à “sucessão constitucional” que encarna Dina Boluarte para ocultar sua origem sinistra. Formam parte dela diversos episódios, desde o apelo de Otárola, antes de abril de 2021, para que se votasse por Pedro Castillo nas eleições daquele ano, até a promessa de Dina no Sul, quando assegurou diante de uma multidão que ela “deixaria o cargo” se depusessem Castillo. Mas, além disso, está o conto de que Castillo foi deposto “de acordo com a lei”, sendo que na verdade isso ocorreu sem processo algum, nem julgamento, sem direito à defesa e sem os votos requeridos.
E a ideia de uma “sucessão” que implica uma continuação, quando o que existe é precisamente um câmbio absoluto de rumo que deslocou do governo aqueles que ganharam as eleições e levou à frente aqueles que as perderam. Não foi tudo isso uma grande mentira?
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Outras mentiras também não menos espetaculares foram as que nos falaram de “as tomadas de Aeroportos” para justificar os crimes, quando os vídeos vistos mostraram disparos à curta distância por parte dos fardados contra civis inertes; das “armas artesanais chamadas Dum Dum usadas pela população contra a polícia”, dos “Ponchos vermelhos vindos de La Paz para provocar o caos”, dos “agentes bolivianos de inteligência infiltrados entre a multidão”, e da “autoria intelectual de Evo” nos acontecimentos do Sul. E para que não nos fique no tinteiro, a história do “español”, construído alegremente como um tenebroso agente de Castillo, que não o conheceu pessoalmente e com quem nunca se reuniu.
O caso do suboficial Sonccos Quispe, morto em Juliaca em 9 de janeiro, foi outra mentira monumental. Otárola assegurou impudicamente ante o Congresso que havia sido “queimado vivo” pelos manifestantes no interior de um carro patrulha.
Hoje se sabe que foi morto por um ex-policial e seu cúmplice em circunstâncias distintas e por outras motivações, e que seu corpo foi colocado sem vida no veículo policial e depois incendiado pelos assassinos, hoje capturados.
Também foi, sem dúvida, o caso dos 6 soldados que pereceram afogados em Ilave por clara negligência do Capitão a cargo do destacamento, que os obrigou a tentar cruzar o rio, com todo o peso de seu equipamento, sem que lograssem sobreviver à experiência. Também na circunstância, Dina e os seus falaram pelos cotovelos, responsabilizando pelo fato aos Comuneros que demandavam sua renúncia em outra circunstância e em outro cenário.
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A tudo isto é preciso somar as decisões parlamentares de um Congresso írrito e aferrado com unhas e dentes a uma função que não representa ninguém. Aí se mentiu descaradamente com o conto do “adiantamento dos eleições”, quando desde um início tanto Dina como os “legisladores” queriam ficar até 2016 a qualquer preço. Ali, na sede da Praça Bolívar, se outorgou a “confiança” ao Gabinete Otárola, apesar de todas as mentiras e mortes; e depois delas e ainda em piores circunstâncias se protegeu a Dina para que “não se altere seu governo”.
Esse mesmo Congresso “salvou” de legítimas censuras os ministros de Interior e de Defesa, não obstante estar ainda fresco o sangue das 70 mortes já registradas; e ao de Educação, que considerou as mães aimarás “pior que animais”, em circunstâncias que todos conhecem.
E se de mentiras se trata, não fica atrás a titular do Ministério Público, que não pode encarar o tema de suas Teses e Graus. Nem mostrar, nem provar sua existência. Também ela se defenda como gato pança arriba, assediada como está pelo Conselho Nacional de Justiça, que já pede contas. E é uma nova mentira quando assegura que “investigará” os assassinatos consumados, e designa para isso promotores que não tem que ver com o tema.
Não se trata, na verdade, tão só de rastros de mentiras. Se trata mais de mentiras monumentais as que têm nas mãos os governantes de hoje em nossa martirizada pátria.
Gustavo Espinoza M. | Colaborador da Diálogos do Sul em Lima, Peru.
Tradução: Beatriz Cannabrava.
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