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Foto: Reprodução

Rússia: UE e Otan seduzem Armênia exclusivamente de olho em recursos

Ainda segundo comunicado russo, a postura armênia vai servir para adaptar o Cáucaso do Sul às necessidades ocidentais
Juan Pablo Duch
La Jornada
Moscou

Tradução:

Beatriz Cannabrava

A relação bilateral entre Armênia e Rússia, em teoria aliados, está em um momento tenso. Erevã se distancia cada vez mais de Moscou. Isso ocorre desde que, na sua opinião, não recebeu a ajuda militar que considera necessária. Essa ajuda teria impedido que o Azerbaijão conquistasse o controle pleno sobre o enclave de Nagorno-Karabakh, disputado por ambos como parte de seu território. Este momento tenso ocorre apenas alguns dias antes de uma reunião trilateral em Erevã, na sexta-feira (5). A reunião envolverá Armênia, Estados Unidos e União Europeia e tem como objetivo “aprofundar a cooperação” entre eles.

A Rússia vê com preocupação esse encontro, por enquanto “os representantes dos EUA e da UE dizem explicitamente aos nossos sócios (armênios) que sua principal orientação está dirigida contra a Rússia. Isso o dizem sem meias-palavras”, antecipou há dias a porta-voz da chancelaria russa, Maria Zakharova.

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Pouco depois, seu chefe, Serguei Lavrov, ministro das Relações Exteriores da Rússia, afirmou que “a situação na Armênia não inspira otimismo”. O governo armênio, para dizer sem rodeios, com pretextos inverossímeis, distorcendo a história dos três anos recentes, está conduzindo deliberadamente ao colapso da relação com a Rússia”.

Segundo Lavrov, as autoridades armênias “difamam os militares russos da base 102 (que Moscou tem na república caucásica), difamam os guardas fronteiriços, difamam a Organização do Tratado de Segurança Coletiva (OTSC, bloco militar criado pela Rússia com vários países pós-soviéticos)”.

O chefe da diplomacia russa se referia às acusações que formulou o primeiro-ministro da Armênia, Nikol Pashinyan, a respeito da “passividade” dos militares russos e à “negativa” da OTSC a intervir quando, em setembro de 2023, estava tendo a ofensiva bélica do Azerbaijão com a ajuda decisiva da Turquia.

Depois do inevitável forcejo verbal, que derivou na decisão de Pashinyan de suspender a membresia da Armênia na OTSC, nesta terça-feira (2) Erevã recebeu a resposta oficial do bloco militar à sua pergunta de que entende por proteger a integridade territorial dos armênios.

A resposta não satisfez ao governo armênio porque deixa no ar o território da Armênia até que chegue ao acordo definitivo com o Azerbaijão para delimitar as fronteiras, negociação que enfrenta muitíssimas dificuldades porque não coincidem em que mapas e documentos da época soviética sejam tomados como base para localizar as zonas e povoados em disputa.

Nesse contexto, um grupo de instrutores militares dos Estados Unidos chegou à Armênia na segunda-feira anterior e permanecerá até a sexta-feira seguinte para “intercambiar experiências em áreas como as relações públicas e a comunicação”, conforme um comunicado do ministério armênio da Defesa.

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As visitas à Armênia de militares da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) irritam a Rússia, embora o chanceler armênio, Ararat Mirzoyan, tenha dito há alguns dias em Buenos Aires que a Armênia não tem planos de ingressar à aliança norte-atlântica.

“Já temos cooperação com a OTAN, participamos em operações para manter a paz no Afeganistão, aumentou nossa presença em Kosovo, o que também é uma forma de cooperar. Mas não temos a intenção de nos incorporar à OTAN. Não é um ponto que figure hoje na agenda da Armênia”, indicou Mirzoyan.

Esclareceu que, em troca, “os armênios sim temos uma marcada aspiração europeia e, cito ao premier Pashinyan em seu recente discurso ante o Parlamento Europeu, a Armênia está pronta para se aproximar da UE tanto como a UE pense que é possível e esteja disposta a se aproximar da Armênia”.

Isto motivou que, sob a coordenação de Anders Fogh Rasmussen, ex-secretário geral da OTAN, a União Europeia difundisse um informe que para a chancelaria russa “percebe a Armênia exclusivamente como uma fonte de recursos e benefícios para a Europa”.

E pontua: “a UE e a Otan não se preocupam pelas necessidades reais da Armênia e seus cidadãos. “O giro do país para o Ocidente”, diz o informe em suas conclusões, “é um assunto de baixo custo, encaminhado a reformar o Cáucaso do Sul e adaptá-lo às necessidades ocidentais”. A chancelaria russa dá a entender que a Erevã “se lhe atribui o papel de executor das ordens de Bruxelas e Washington”.

E enquanto isso seguem acumulando-se o que Moscou denomina “gestos inamistosos” de Erevã. O mais recente, a decisão do Banco Central da Armênia de proibir, desde 1º de abril passado, o sistema de pagamentos MIR, que a Rússia articulou para poder utilizar os cartões de débito e crédito de bancos russos na Armênia e alguns outros países, em lugar dos cartões Visa e Mastercard que se retiraram do mercado russo.

O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, no entanto, matizou: “os bancos armênios deixaram de aceitar os cartões MIR desde abril, não devido à política de Erevã, mas devido a uma pressão estadunidense sem precedentes”.

Outro país que em princípio mantém boas relações com a Rússia, Quirguistão, ex-república soviética da Ásia central, tomou a mesma decisão de proibir o uso dos cartões MIR a partir desta terça-feira para evitar as sanções secundárias que os Estados Unidos impuseram.

Russa inicia novo recrutamento

A campanha de primavera para recrutar 150 mil russos, na idade de fazer o serviço militar obrigatório, que, a partir deste ano, é dos 18 aos 30 anos, começou nesta segunda-feira (1) e deve concluir em meados do mês de julho seguinte, segundo estabelece o decreto emitido no domingo anterior pelo presidente Vladimir Putin.

Ao mesmo tempo, o Ministério da Defesa da Rússia assegurou que nenhum destes soldados de substituição vai participar nos combates da chamada zona da Operação Militar Especial na Ucrânia, nem tampouco será destinado a Donetsk, Lugansk, Zaporizhia e Kherson, novas entidades federais anexadas pelo Kremlin.

Embora o diretor-adjunto do serviço militar obrigatório, vice-almirante Vladimir Tsimliamsky, tenha prometido que os recrutas não serão enviados à guerra, os especialistas identificam que, em teoria, a lei permite às autoridades utilizá-los para “cumprir tarefas em condições de conflitos armados ou para participar em combates”, se bem que antes teriam que receber preparação militar pelo menos durante quatro meses.

“Todos os recrutas cumprirão seu serviço em pontos de implantação permanente de forças armadas e outras formações militares no território da Federação Russa”, precisou Tsimliamsky.

Direitos dos recrutas

O Comitê de Mães de Soldados, ONG russa que defende os direitos dos recrutas, teme que muitos dos novos soldados possam ser designados para as regiões fronteiriças com a Ucrânia, como Belgorod ou Kursk, por mencionar apenas duas, que são bombardeadas com frequência ou são cenários de incursões dos grupos de nacionalistas russos que combatem do lado ucraniano, chamados “traidores” e “mercenários” pelo Kremlin.

O serviço militar obrigatório tem um ano de duração e, de acordo com dados oficiais, a campanha do outono anterior mobilizou 137 mil pessoas, e a da primavera do ano passado, 147 mil.

À parte destes recrutas, que podem ser destinados a qualquer região do vasto país que é a Rússia, em concreto para a operação na Ucrânia, o Ministério da Defesa, antes que termine o presente ano, quer incorporar cerca de 300 mil soldados por contrato, em troca de um atrativo salário, o que – opinam analistas – servirá para cobrir as baixas e continuar a ofensiva contra as posições que defendem as tropas ucranianas.

A esse respeito, Oleksander Sirsky, comandante em chefe do exército ucraniano que substituiu, em fevereiro, Valeri Zaluzhny, nomeado embaixador na Grã-Bretanha, admitiu em 29 de março – em declarações à agência oficial de notícias Ukrinform – que “as tropas inimigas (russas) têm vantagem numérica, continuam empregando a tática de ataques massivos sem lhes importar o número de baixas”.

La Jornada, especial para Diálogos do Sul – Direitos reservados.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.
Juan Pablo Duch Correspondente do La Jornada em Moscou.

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