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Saiba quais são as lições da Covid-19 deixadas por Araraquara após colapso e lockdown

O município foi um dos primeiros a detectar, fora do Amazonas, a variante P1 do coronavírus, possivelmente responsável por casos mais severos da doença
Maria Carolina Santos
Marco Zero
São Paulo (SP)

Tradução:

Em 2021, Araraquara foi do pior cenário a exemplo no combate ao novo coronavírus. De fevereiro ao começo de março, a cidade de 238 mil habitantes no interior de São Paulo colapsou. Mantendo sempre em 2020 uma taxa de ocupação dos leitos abaixo de 50%, o município foi um dos primeiros a detectar, fora do Amazonas, a variante P1 do coronavírus, mais transmissível e possivelmente responsável por casos mais severos da doença. Em uma subida íngreme da infecção, Araraquara se viu sem leitos e viveu o colapso da saúde.

Assim como foi forte o impacto, também foi forte a reação. A própria população já diminuiu a mobilidade no começo de fevereiro, com posterior fechamento de algumas atividades não-essenciais. No dia 21 de fevereiro começou um lockdown, talvez o único “de verdade” no Brasil, decretado pelo prefeito Edinho Silva (PT): fechou até supermercados, transporte público e postos de combustíveis por cinco dias, além de restrições a mobilidade da população. Só serviços de entrega e de saúde funcionaram.

A medida funcionou. A redução de mortes foi acima dos 85% e, nesta semana, Araraquara teve quatro dias sem nenhum óbito por complicações da covid-19. Um alívio para uma cidade que chegou a registrar 41 mortes por semana

Nesta sexta-feira, 9 de abril, a secretária de saúde do município, Elaine Mori Honain, participou do webinário “Respostas à crise Covid-19”, promovido pelo Laboratório de Imunopatologia Keizo Asami (UFPE) em parceria com a UFRPE e o IRRD. 

Ela dividiu a apresentação com o secretário estadual de saúde de Pernambuco, André Longo, com mediação do diretor do Lika, José Luiz de Lima Filho, e o epidemiologista Jones Albuquerque, do Instituto para Redução de Riscos e Desastres de Pernambuco (IRRD-PE).

O município foi um dos primeiros a detectar, fora do Amazonas, a variante P1 do coronavírus, possivelmente responsável por casos mais severos da doença

Reprodução: Tetê Viviani/Prefeitura de Araraquara
Cidade de Araraquara vazia durante o lockdown

Na sua fala, Elaine mostrou algumas das ações que estão fazendo com que Araraquara controle a disseminação do novo coronavírus. Abaixo alguns dos pontos-chaves repassados na apresentação.

Lockdown completo fechou até supermercados, que só puderam vender por delivery (Crédito: Pref. de Araraquara) 

Parcerias

Até 31 de dezembro de de 2020, contava com 92 óbitos por covid-19. O descontrole veio tão rápido que no dia 21 de fevereiro já eram 185 óbitos e 218 pessoas internadas. “Nós sabíamos que janeiro ia ter problema, mas a subida foi muito brusca. De repente, constatamos que algo diferente estava acontecendo”, disse a secretária.

Foi por conta de uma parceria com o Instituto de Medicina Tropical da Universidade de São Paulo que Araraquara descobriu que a variante P1 era predominante na cidade. “Na primeira amostra que enviamos, veio o resultado de que 50% dos casos era de P1. Na segunda remessa, poucas semanas depois, já era de 93%”, contou.

As principais parcerias foram com universidades e institutos de pesquisa, que ofereceram expertise e testes. Com o Instituto Butantan, Araraquara conseguiu mil testes. Com a USP de Ribeirão Preto, a prefeitura fez uma parceria para um exame de pulsão venosa, que dá 90% de efetividade. “É preciso muito diálogo com todos e muita humildade para ouvir as universidades e também nosso comitê científico para aprender e implantar as mudanças”, disse.

Atendimento domiciliar e internação precoce

No auge da crise, Araraquara fez internação de pacientes em casa, com uso de oxigênio. Médicos faziam visitas diárias e enfermeiros rondas de três vezes por dia. Durante o lockdown, os testes eram feitos nas residências por 26 equipes de saúde. Quem dava positivo, recebia em casa uma visita da equipe que testava todos os moradores da residência e orientava sobre o isolamento do infectado.

Outra ação que foi a internação precoce em leitos de enfermaria de pacientes com mais de 45 anos e alguma comorbidade. Isso evitou uma maior demanda por UTI. Não confundir com o chamado “tratamento precoce” – o uso de remédios com ineficácia comprovada – defendido pelos bolsonaristas, e que nunca foi adotado em Araraquara.

Controle e testagem

Depois do lockdown, a cidade não reabriu de uma hora para outra. E manteve algum controle. No feriado de Páscoa, a secretária contou que cinco mil veículos tentaram entrar em Araraquara, e 400 voltaram, pois não passaram nas barreiras sanitárias.

Uma medida de controle foi a criação de alojamentos com quartos duplos para que pacientes de covid-19 sem complicações ficassem isolados, no caso daqueles que, por condições de moradia, não conseguem fazer o isolamento dentro da própria residência.

Com as parcerias, a maioria dos exames na cidade são de RT-PCR, que indicam quando o vírus está ativo no organismo e dão uma dimensão mais real e clara da situação epidemiológica da cidade. Os exames também saem mais rápido, em 24 horas. Pacientes com apenas um sintoma de covid-19 são testados. Se der positivo, todos os contactantes são recomendados a fazer o testes nas unidades de saúde.

Após o lockdown, há testagens aleatórias diárias em cultos, escolas, indústrias. “Se encontramos mais de dois positivados, fazemos um fechamento pontual de sete dias das atividades do local. Temos 12 equipes de testagem, todos os teste RT-PCR, em uma parceria com a Unesp”, conta Elaine. 

“Tentamos fazer esse controle para não deixar ficar com grande número de positivados e evitar que a situação saia de controle novamente”, disse a secretária.

Confiança e engajamento

Desde os primeiros casos de coronavírus em Araraquara, a secretária faz pessoalmente dois boletins diários com os números de casos, óbitos e taxas de ocupação dos leitos nos hospitais da cidade. A inicial baixa adesão da população às medidas restritivas e às máscaras foi combatida com lei de uso obrigatório, antes mesmo do decreto do governo paulista, e a distribuição massiva de máscaras. “Começamos distribuindo máscaras de tecido, mas hoje damos para os moradores máscaras do tipo cirúrgico, que são mais efetivas para os sintomáticos”, explicou Honain.

Outra forma de engajamento foi estar em permanente contato com associações do setor produtivo, do comércio e dos sindicatos. As quarentenas e o lockdown foram acordados e discutidos com esses setores antes de serem anunciados. “Do dia 08 de fevereiro até decretar o lockdown no dia 21 de fevereiro foram muitas conversas com os envolvidos. Reunimos todas as associações industriais, os sindicatos e mostramos a realidade, os números e nossas propostas, como sempre fizemos em 2020 e em 2021. Precisamos de muito diálogo e transparência”, disse.

Mas nada disso foi sem revezes. A Promotoria da Saúde Pública de Araraquara chegou a instaurar um procedimento para apurar o fechamento de supermercados na cidade. Tanto o prefeito Edinho Silva quanto a secretária Elaine Honain sofreram ameaças de morte. Mas, nesse caso, motivadas principalmente por não adotarem o uso de medicamentos ineficazes, como cloroquina e ivermectina.

Rede de solidariedade

A prefeitura criou um cartão cidadania para uso em supermercados. “Tem que ter uma rede forte, se não as pessoas passam fome”, falou a secretária. A doação de cestas básicas foi estimulada e a prefeitura distribuiu alimentos para alunos da rede municipal. Foram criados também empregos temporários, principalmente na área de limpeza, para tentar reduzir a vulnerabilidade social na cidade.

A solidariedade também se estendeu às cidades vizinhas. Araraquara é maior cidade de uma região que reúne sete municípios e 600 mil habitantes. “Hoje estamos com 182 pessoas internadas, das quais 60% são de fora de Araraquara. Temos nas últimas semanas uma média de 70 araraquarenses internados. O pico aconteceu em 4 de fevereiro, com 247 pacientes”, detalhou a secretária. “Há cidades aqui perto que não têm nenhum leito de UTI e agora estão vindo para cá”, relatou.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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