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"Inadmissível": Médicos repudiam Conselho Federal de Medicina por "tratamento precoce"

Médicos brasileiros associam o aumento do número de casos e mortes por Covid-19 a falta de um plano adequado de enfrentamento à pandemia
Redação Diálogos do Sul
Diálogos do Sul
São Paulo (SP)

Tradução:

Em carta aberta destinada ao Conselho Federal de Medicina, médicos brasileiros associam o aumento do número de casos e mortes por Covid-19 a falta de um adequado plano de enfrentamento à pandemia por parte do Governo Federal, que tem apoiado medidas de afrouxamento do distanciamento social e prevenção da doença.

O documento repudia a atitude do Ministério da Saúde que, apesar de todas as evidências contrárias, insiste em propagandear o “tratamento precoce” para Covid-19 com medicamentos e substâncias que são comprovadamente ineficazes.

“É inadmissível que o Conselho Federal de Medicina (CFM) credite aos médicos a escolha por usar, ou não, terapêutica claramente ineficaz ou até mesmo prejudicial em alguns casos. Esperar-se-ia da entidade, cuja função precípua é fiscalizar e normatizar a atuação médica e defender a sociedade, alinhamento com a Ciência e defesa da boa prática profissional”, diz trecho do documento.

Confira o documento na íntegra:

Médicos brasileiros associam o aumento do número de casos e mortes por Covid-19 a falta de um plano adequado de enfrentamento à pandemia

Conselho Federal de Medicina
Em carta aberta destinada ao Conselho Federal de Medicina, médicos brasileiros associam casos de Covid ao governo Bolsonaro.

Carta aberta ao Conselho Federal de Medicina

Sobre a conivência do CFM em relação ao “tratamento precoce” contra a Covid-19

Vivemos uma das maiores crises sanitárias da História, contabilizando milhões de mortes de Covid-19 em todo o mundo. No Brasil, mais de 200 mil óbitos ocorreram desde março de 2020, observando-se recente crescimento da curva de mortalidade, reflexo do aumento do número de casos em consequência da falta de um adequado plano de enfrentamento à pandemia por parte do Governo Federal, havendo afrouxamento de medidas de distanciamento social e prevenção entre a população.

Desde o início da pandemia, diversas medicações vêm sendo testadas para prevenção da infecção pelo SARS-COV-2 e da evolução para formas graves. Vários estudos demonstraram de forma inequívoca que o tratamento precoce nos primeiros dias de sintomas não interfere no curso da Covid-19. Medicações como cloroquina, hidroxicloroquina, azitromicina, ivermectina, nitazoxanida, zinco, vitaminas, dióxido de cloro, ozônio são comprovadamente ineficazes, assim como corticóides e anticoagulantes, fármacos indicados apenas em fases avançadas da doença.

Apesar de todas as evidências contrárias, o Ministério da Saúde insiste em propagandear o “tratamento precoce”, tendo recentemente creditado a situação de caos do sistema de saúde do município de Manaus à não adesão a esta conduta. Ademais, é necessário trazer à responsabilidade da gestão dos serviços públicos de saúde brasileiros nos limites da lei. Ou seja, o fato de quem está conduzindo as políticas de saúde pública no Brasil ser um general da ativa sem quaisquer habilidades no mister do Ministério que ocupa.

Alguns médicos de todo o Brasil continuam defendendo e receitando diversos desses medicamentos, assim como Secretarias Municipais de Saúde e unidades hospitalares vem determinando a seus médicos e até a funcionários que “prescrevam” e distribuam o chamado “kit- Covid”. No entanto, destacam-se as posições das sociedades de especialidades médicas como a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT) que têm reiteradamente se posicionado contra a existência de tratamento precoce e medicação preventiva para Covid-19. É também de se elogiar o semelhante posicionamento da nova gestão da Associação Médica Brasileira (AMB), a qual congrega as entidades de especialidades médicas no Brasil.

Nesse cenário, é inadmissível que o Conselho Federal de Medicina (CFM) credite aos médicos a escolha por usar, ou não, terapêutica claramente ineficaz ou até mesmo prejudicial em alguns casos. Esperar-se-ia da entidade, cuja função precípua é fiscalizar e normatizar a atuação médica e defender a sociedade, alinhamento com a Ciência e defesa da boa prática profissional, assim como com os princípios éticos fundamentais à categoria profissional:

“Compete ao médico aprimorar continuamente seus conhecimentos e usar o melhor do progresso científico em benefício do paciente e da sociedade” (CEM, Capitulo 1, Art. V)

“É vedado ao Médico praticar ou indicar atos médicos desnecessários […]” (CEM, Capitulo III, Art. 14o)

“É vedado ao Médico divulgar[…]processo de tratamento ou descoberta cujo valor ainda não esteja expressamente reconhecido cientificamente por órgão competente” (CEM, Capítulo XIII, Art 113o)

A direção do CFM, entretanto, optou por um discurso em defesa da autonomia médica, eximindo-se de responsabilidade. Um silêncio conivente que favorece a desinformação e compactua com aqueles que disseminam inverdades, colaborando para o afrouxamento das medidas de proteção, forma mais efetiva de controle da transmissão viral, com claros prejuízos individuais e coletivos.

“O alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional” (CEM, Capítulo I, Art II)

“É vedado ao médico causar dano ao paciente, por ação ou omissão, caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência” (CEM, Capítulo III, Art 1o)

Ademais, médicas e médicos que zelam pela boa prática profissional, baseando sua atuação nas evidências científicas e na orientação de organismos internacionais de saúde, sofrem pressões diárias por parte da população atendida que busca prescrição dos medicamentos propagandeados como tratamento precoce, assim como por parte de empregadores públicos e privados, aumentando a carga de tensão do, já extenuante, trabalho nas linhas de frente de atendimento dos sintomáticos respiratórios. É atribuição dos Conselhos Regionais e Federal de Medicina zelar para que o exercício profissional ocorra livre de pressões de qualquer ordem e pela garantia da escolha, por médicas e médicos, dos meios cientificamente reconhecidos.

“Nenhuma disposição estatutária ou regimental de hospital ou de instituição, pública ou privada, limitará a escolha, pelo médico, dos meios cientificamente reconhecidos a serem praticados para estabelecer o diagnóstico e executar o tratamento, salvo quando em benefício do paciente” (CEM. Capitulo 1, Art XVI)

“É vedado ao médico permitir que interesses pecuniários, políticos, religiosos ou de quaisquer outras ordens, do seu empregador ou superior hierárquico ou do financiador público ou privado da assistência à saúde, interfiram na escolha dos melhores meios de prevenção, diagnóstico ou tratamento disponíveis e cientificamente reconhecidos no interesse da saúde do paciente ou da sociedade” (CEM Capitulo III, Art. 20o)

“É vedado ao médico deixar de usar todos os meios disponíveis de promoção de saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento de doenças, cientificamente reconhecidos e a seu alcance, em favor do paciente” (CEM Capitulo III, Art. 32o)

Externamos através desta carta pública nossa indignação e perplexidade frente à posição do Conselho Federal de Medicina e Conselhos Regionais, dissonante de sociedades científicas e órgãos de saúde de todo o mundo.  Este chamamento vai no mesmo sentido de carta-manifesto anteriormente divulgada e entregue ao CFM por estas entidades em agosto de 2020, em “defesa de uma Medicina ética, responsável e baseada em evidências”, a qual recolheu mais de 2.000 assinaturas.

Não nos consideramos representados por um conselho profissional de discursos vagos e atitudes imprecisas, incapaz de se manifestar de forma imperativa contra a anticiência e o obscurantismo, omitindo-se do embate técnico e da cobrança política que a gravidade do momento exige. A sociedade espera daqueles que juraram cuidar de sua saúde ações imperativas na defesa da Ciência, da saúde pública e da vida. 

24 de janeiro de 2021.

Associação Brasileira de Médicas e Médicos pela Democracia (ABMMD)

Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares (RNMP)

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As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

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