Venho observando uma grave deriva negacionista dentro do movimento político ligado à candidatura de Ciro Gomes.
Ontem, um comentarista muito próximo ao núcleo de sua campanha postou um vídeo em que dissemina informações totalmente falsas sobre pesquisas. Falarei dessas fake news logo adiante.
Tenho visto ciristas fazendo campanhas contra pesquisas e tentando desqualificar o esforço que muitos jornalistas independentes fazem para analisá-las.
Isso é um equívoco.
É perfeitamente natural discordar de uma análise ou interpretação de pesquisa, mas afirmar que esse não é um trabalho importante é cultuar o obscurantismo e a ignorância.
Um projeto nacional de desenvolvimento (PND) não pode ser encarado como uma utopia irrealizável, um sonho inteiramente descolado da realidade política do país.
Se o apoiador do PND realmente leva o projeto a sério, se acha que é possível implementá-lo, então ele precisa buscar as fórmulas políticas adequadas para isso. Ou seja, é preciso um trabalho de inteligência!
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Num regime democrático, com 156 milhões de eleitores, a existência de múltiplas pesquisas de opinião, sejam elas de aprovação de governo, políticas ou eleitorais, é sempre bem vinda!
Desqualificar pesquisas de opinião ou eleitorais, e desmerecer o trabalho dos jornalistas que procuram analisá-las, me parece uma postura inteiramente contrária a de alguém genuinamente comprometido com um projeto nacional de desenvolvimento!
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Se Ciro Gomes defende o uso de plebiscitos populares para resolver impasses políticos graves, mais que nunca se farão necessárias pesquisas e análises de opinião, para que todos tenham acesso a dados que ajudem a luta pela mudança ou conservação das percepções populares!
Sempre houve pesquisas eleitorais e de opinião, mas no passado eram exclusivas de grandes empresários e governos. Hoje temos um grande número de pesquisas abertas ao público. Isso deve ser festejado por todos que amam a democracia! Quem gosta de obscurantismo são os autoritários, jamais os democratas!
Outro grave equívoco do cirismo, a meu ver, é o trabalho de desqualificação do próprio jornalismo político, especialmente o de orientação progressista.
Se Ciro Gomes se tornasse presidente da república, ele governaria o país tal como ele é hoje, ou seja, com uma imprensa tradicional profundamente liberal e conservadora, de um lado, e um conjunto de jornalistas de esquerda tentando oferecer um contraponto desenvolvimentista, de outro. Onde Ciro Gomes encontraria apoio às suas teses? Certamente não seria junto aos neoliberais da grande mídia.
O erro do cirismo, e que explica o seu retumbante fracasso politico, é a sua falta de compromisso real com uma estratégia séria, adulta, de conquista de aliados, e de ampliação do leque de apoiadores.
A partir do momento em que o cirismo se torna um movimento sectário, que desqualifica todos que discordam da linha adotada pela campanha de Ciro Gomes, ele cria ainda mais adversários, e se afunda mais e mais.
Reprodução Twitter
Quando um candidato é muito rejeitado, isso mobiliza o eleitorado de oposição
Qualquer movimento político democrático, especialmente aqueles de orientação desenvolvimentista, precisa entender que o objetivo central, para se construir uma estratégia vitoriosa, deve ser atrair aliados, seduzir eleitores, diminuir rejeição, abrir-se ao diverso.
Ao oferecer apenas hostilidade, rispidez e violência simbólica contra quem discorda da estratégia de Ciro Gomes, o cirismo apenas faz crescer a animosidade contra seu candidato, perde votos e se torna antipático aos olhos de mais e mais pessoas.
Quando o cirismo (com direção do próprio Ciro) hostiliza os movimentos hegemônicos da esquerda, aqueles que apoiam Lula e o Partido dos Trabalhadores, ele se torna autodestrutivo, suicida e obscurantista.
O resultado desse sectarismo e agressividade é apenas mal estar no campo progressista, que perde energia em embates que deveriam, a esta altura, estar focados inteiramente na descontrução de Bolsonaro, além do desgaste da imagem do próprio Ciro Gomes, cada vez mais rejeitado na esquerda.
O cirismo e o próprio Ciro Gomes, identificando essa rejeição, reagem da pior forma possível, atacando o próprio eleitorado progressista, cujas ideias e até mesmo posturas passam a ser ridicularizadas. Daí os ataques destemperados contra “pautas identitárias”, o que é uma maneira enviesada, medíocre, de tratar de temas que são muito caros à história dos movimentos de esquerda.
Ontem, por exemplo, Ciro Gomes postou em suas redes sociais mais um chorume lamentável, um texto que termina dizendo que “não tem fascismo de direita, nem fascismo de esquerda que me abata!”
O fascismo de direita a gente conhece. É o fascismo que matou um petista em Foz do Iguaçu, que defende fechamento do STF, intervenção militar e destruição física de seus adversários. Diariamente, militantes de esquerda vem sendo ameaçados por fascistas armados. Isso não é brincadeira e não pode ser vulgarizado!
Quanto ao “fascismo de esquerda”, é uma ficção despolitizante e irresponsável. A campanha pelo voto útil faz parte do jogo democrático. Não há nenhum “fascismo de esquerda” em buscar votos onde os votos estão, incluindo naturalmente o eleitorado de Ciro Gomes. Em 2018, Ciro Gomes abusou da estratégia do voto útil, brandindo pesquisas eleitorais em que ele tinha melhor desempenho que Haddad num eventual segundo turno contra Bolsonaro. Muita gente acreditou. Aquilo foi “fascismo de esquerda”? Não foi. Era do jogo democrático. Assim como hoje.
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Vamos às fakes news mencionadas no início do texto, disseminadas por um comentarista próximo a campanha de Ciro Gomes.
O comentarista deixa claro que sua irritação é direcionada às pesquisas Ipec e Datafolha, porque elas mostram Lula numa situação de liderança confortável em relação a Bolsonaro. O motivo político de sua “análise” é claro: ele não está preocupado com Bolsonaro; seu objetivo é descontruir Lula.
Para ele, essas pesquisas estão erradas por dois motivos: haveria subrepresentação do eleitorado evangélico. Ele diz que as pesquisas usam o censo do IBGE de 2010, no qual os evangélicos compunham apenas 22% da população, e que hoje, segundo ele, esse segmento já corresponderia a 28% dos brasileiros. Esses são os números que ele apresenta em seu vídeo.
Acontece que é mentira.
Ipec, Datafolha e Quaest usam números atualizados do PNAD 2021 e 2022, do mesmo IBGE, onde os evangélicos representam entre 26% e 28% do eleitorado.
Outra inverdade é que os institutos não estariam considerando a abstenção esperada para as eleições presidenciais deste ano, que seria mais elevada entre os mais pobres.
Isso pode acontecer, sim. As pessoas mais pobres se abstém mais por conta de suas próprias dificuldades financeiras. São pessoas humildes, com dinheiro escasso para transporte e alimentação, que moram em regiões distantes da zona eleitoral, e em sua maioria votam em Lula.
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Entretanto, há um outro fator que deve neutralizar essa tendência, que é a forte rejeição de Bolsonaro, muito alta justamente entre mais pobres. Quando um candidato é muito rejeitado, isso mobiliza o eleitorado de oposição. Então o que podemos assistir é, ao contrário, uma queda na abstenção dos brasileiros mais pobres, em virtude justamente de seu engajamento na luta contra o facínora!
Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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