Pesquisar
Pesquisar

Sistema para rastreio do ouro é chave contra devastação do garimpo ilegal na Amazônia

Metade do ouro exportado pelo Brasil nos últimos 7 anos pode ter origem ilegal, aponta estudo; atual modelo de rastreio considera presunção "boa-fé"
Edmundo Dantez
Pressenza
Brasília (DF)

Tradução:

No dia 15 de julho, o Instituto Escolhas publicou uma pesquisa com uma proposta para implementar um sistema capaz de certificar a origem do ouro brasileiro, restringindo, portanto, o seu comércio ilegal, este que é responsável pela ameaça massiva às vidas de indígenas e ambientalistas, e também pelo crescente desmatamento da Amazônia.

Segundo o Instituto, entre 2015 e 2022, o Brasil exportou 229 toneladas de ouro com “sérias evidências de ilegalidade”, o que representa quase a metade da produção nacional. Essa é uma quantidade exorbitante, ainda mais se considerarmos que um quilograma de ouro ilegal corresponde a R$1,7 milhões em dano ambiental, de acordo com o Ministério Público Federal.

Assista na TV Diálogos do Sul

O mundo surpreendeu-se com os assassinatos do jornalista Dom Philips e do indigenista Bruno Pereira. As suas mortes estão diretamente ligadas ao panorama da mineração ilegal no Brasil. Tornou-se notícia internacional, no entanto, essa não é uma nova situação — mortes na Amazônia são um problema recorrente, especialmente entre os povos indígenas, remontando ao Massacre do Haximu, em 1993, quando 16 Yanomamis, inclusive mulheres e crianças, foram assassinados por garimpeiros.

Desde então, a situação tem piorado, especialmente durante o governo de Jair Bolsonaro. A Funai, órgão responsável pela proteção dos interesses e da cultura dos povos indígenas no Brasil, tem trabalhado em conjunto com os interesses escusos do governo, e não em prol dos povos indígenas.

Empresário lidera busca por ouro em terras indígenas e pode destruir 42 delas; entenda

A presença do governo na Amazônia tem sido reduzida, permitindo que os garimpeiros assumam o controle da região. Bolsonaro também é responsável pelo Projeto de Lei 191/2020, que procura permitir a mineração em terras indígenas sem o consentimento dos povos; o que seria devastador para a Amazônia e para as vidas dos povos indígenas. Kora Kanamari, um dos líderes do Vale do Javari, disse em carta aberta que, graças a Bolsonaro, “do norte ao sul do país, a crueldade está aumentando, ela cresceu”.

Metade do ouro exportado pelo Brasil nos últimos 7 anos pode ter origem ilegal, aponta estudo; atual modelo de rastreio considera presunção "boa-fé"

Crédito da Imagem Vinícius Mendonça/Ibama
A tecnologia necessária para rastrear as origens do ouro brasileiro existe, só o que falta é a sua implementação




Problema com o modelo de rastreamento de ouro

O problema com o modelo de rastreamento de ouro atual é que ele depende de um princípio datado: a presunção de boa-fé. É assim que funciona: garimpeiros precisam vender o ouro minerado para instituições autorizadas pelo Banco Central para realizar esse tipo de transação; quando vendem, a única coisa que precisam fazer é preencher um formulário com algumas informações pessoais e com o local em que o ouro foi extraído. Essas informações não são checadas e comprovantes não são necessários, já que dependem do princípio da boa-fé, o que torna a falsificação bastante simples.

Além do princípio datado, transações por meio de papéis acrescentam outro nível ao problema, e é isso o que o Instituto Escolha pretende mudar. O Instituto é uma organização civil sem fins lucrativos que procura conscientizar acerca da sustentabilidade através do apoio a soluções de desenvolvimento sustentável orientadas por dados. A sua pesquisa é parte da proposta enviada ao Senado, que visa “monitorar o ouro desde a extração até o consumidor”.

O objetivo é usar a tecnologia da blockchain e marcações moleculares no rastreamento e monitoramento do ouro brasileiro. Esse sistema usa uma tecnologia chamada DLT (Distributed Ledger Technology), que opera como um banco de dados em que a informação inserida é registrada em blockchain. As marcações moleculares funcionam como se fossem um código de barras para as pepitas de ouro. Além disso, é necessária a digitalização completa de todos os processos e documentos relacionados à mineração de ouro.

Para implementar tais mudanças, no entanto, vontade política é essencial, possível somente por meio da pressão da sociedade. Ademais, o Brasil deve abandonar a estrutura jurídica que facilita a lavagem do ouro ilegal pelos garimpeiros.

Nova corrida do ouro é dominada por empresas estrangeiras e garimpo ilegal; perdas para o país são incalculáveis

Mas, ainda mais importante, o Brasil deve ouvir o que os povos indígenas estão dizendo. Devemos apoiar a sua luta, propagar as suas vozes. Davi Kopenawa, um xamã Yanomami, tem trabalhado incessantemente para denunciar a invasão de suas terras. Durante uma sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, ele declarou:

“Eles já destruíram as nossas trilhas, sujaram os nossos rios, envenenaram os peixes, queimaram as árvores e os animais que caçamos. Eles nos matam também com as suas epidemias […]. Meu povo tem o direito de viver em paz e em boa saúde, porque ele vive em sua própria casa. Na floresta, estamos em casa!”

A tecnologia necessária para rastrear as origens do ouro brasileiro existe, só o que falta é a sua implementação.

Edmundo Dantez é pós-graduando em Tradução, tradutor voluntário do inglês para o português da Pressenza International Press Agency e bacharel em Relações Internacionais.


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

Assista na TV Diálogos do Sul


Se você chegou até aqui é porque valoriza o conteúdo jornalístico e de qualidade.

A Diálogos do Sul é herdeira virtual da Revista Cadernos do Terceiro Mundo. Como defensores deste legado, todos os nossos conteúdos se pautam pela mesma ética e qualidade de produção jornalística.

Você pode apoiar a revista Diálogos do Sul de diversas formas. Veja como:

  • PIX CNPJ: 58.726.829/0001-56 

  • Cartão de crédito no Catarse: acesse aqui
  • Boletoacesse aqui
  • Assinatura pelo Paypalacesse aqui
  • Transferência bancária
    Nova Sociedade
    Banco Itaú
    Agência – 0713
    Conta Corrente – 24192-5
    CNPJ: 58726829/0001-56

       Por favor, enviar o comprovante para o e-mail: assinaturas@websul.org.br 


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Edmundo Dantez

LEIA tAMBÉM

Biblia-maconha-carta-rodrigo-pacheco
A Santa Hildelgarda e o porte de maconha | Carta aberta a Rodrigo Pacheco
Gibiteca Balão - Foto Equipe atual e antigos integrantes_foto de João Martins_JUNHO 2024
10 anos de Gibiteca Balão: refúgio de cultura e inclusão na periferia de São Paulo
G20 em Quadrinhos n
G20 em quadrinhos | nº 6: Trabalho
Brasil-diplomacia-Lula
Ausência do Brasil em cúpula de Zelensky é mais um acerto da diplomacia brasileira