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Empresário lidera busca por ouro em terras indígenas e pode destruir 42 delas; entenda

Entre 1982 e 2012, o conglomerado de Paulo de Brito Filho fez 255 pedidos de pesquisa mineral, mais de 95% para região amazônica
Marina Rossi, Gisele Lobato e Daniel Camargos
Repórter Brasil
São Paulo (SP)

Tradução:

Um pedido para realizar pesquisas minerais no Brasil custa menos de um salário mínimo, valor insuficiente para comprar duas garrafas do vinho nacional Guaspari. Mas, assim como as parreiras, essas requisições minerárias podem render bons frutos. Dono da vinícola, o empresário Paulo Carlos de Brito Filho atua também em pelo menos oito empresas que, juntas, ocupam o primeiro lugar na corrida pela mineração em terras indígenas (TIs).

As mineradoras Rio Grande, Silvana, Acará, Icana, Irajá, Tarauacá e Apoena, ligadas ao grupo Santa Elina, respondem por 8% dos cerca de 3.100 pedidos de lavras e pesquisas minerais em áreas sobrepostas a territórios indígenas, ou na fronteira deles, segundo a Agência Nacional de Mineração (ANM). 

Paulo de Brito Filho dirige o grupo Santa Elina, cujas empresas fizeram mais de 250 pedidos de mineração que afetam terras indígenas (Foto: Reprodução/Aura Minerals) O levantamento foi feito pela ANM a pedido da Repórter Brasil em março, às vésperas de os deputados federais aprovarem urgência na tramitação do PL 191/2020, o projeto de lei que tenta liberar atividades econômicas em terras indígenas. Em meio a protestos, o PL perdeu apoio no Congresso, mas o assunto pode voltar a qualquer momento. Se aprovada mais essa “boiada ambiental”, quem sai na frente hoje é o grupo Santa Elina.

Entre 1982 e 2012, o conglomerado fez 255 pedidos de pesquisa mineral que afetam 42 terras indígenas. Mais de 95% desses pedidos são para pesquisa de ouro na região amazônica. Os requerimentos abrangem área de 928 mil hectares, ou seis vezes o tamanho da cidade de São Paulo, colocando o Santa Elina no topo da lista. Atrás aparecem as mineradoras Serra Morena (469 mil hectares) e Iguape (446 mil hectares).

Procurado pela Repórter Brasil, o grupo disse ser contra o “garimpo ilegal em terras indígenas” e que todas as empresas abriram mão dos processos com “interferência total” em territórios demarcados. A informação foi enviada em uma primeira resposta da companhia, que admitia ter mantido os requerimentos que incidem de forma parcial em TIs, com o objetivo de explorar apenas o entorno. “Nunca atuamos e não temos a intenção de atuar em TI”, diz a nota enviada pela assessoria de imprensa.

Dos 255 pedidos de pesquisa ou exploração mineral, o grupo Santa Elina desistiu ou renunciou a 126, sobretudo a partir de 2019, de acordo com a ANM. Mesmo assim, o grupo segue na liderança em número de requerimentos que afetam TIs no país, com 129 processos, que totalizam uma área de 346 mil hectares – mais que duas vezes a cidade de São Paulo.

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Apesar de a mineração em TIs não ser autorizada por lei, o sistema da ANM mantém tais processos como “ativos”, mesmo quando há desistência por parte da empresa, o que é apontado como uma falha pelo pesquisador Bruno Manzolli, da Universidade Federal de Minas Gerais.

De acordo com ele, essas áreas seguem “bloqueadas” para uma nova empresa solicitante. Isso causa uma insegurança jurídica, já que as empresas com processos em andamento terão a prioridade dos direitos minerários da região, caso a mineração em TIs seja regulamentada.

“Como esses pedidos continuam ativos, se o PL 191 for aprovado, quem vai ter prioridade sobre essas áreas são os donos desses processos”, alerta Manzolli, que é um dos autores do estudo que identificou que o garimpo ilegal de ouro causou um prejuízo socioambiental de R$ 31,4 bilhões para o país entre 2019 e 2020.

A ANM afirmou, em nota, que mantém ativos os alvarás concedidos antes da Constituição de 1988, os que se sobrepõem a terras ainda não homologadas e aqueles  no entorno das TIs. A agência admite “morosidade” para liberar uma área com desistência porque o processo não está “totalmente automatizado” (veja na íntegra os posicionamentos).

Primeira etapa da exploração mineral, os pedidos para pesquisa são o ouro do negócio da maioria das mineradoras de Paulo Brito Filho. As empresas do grupo em geral não exploram as jazidas, mas buscam novos locais de prospecção, principalmente para revenda futura. É quase como uma loteria, em busca do bilhete premiado. Por esse modo de atuação, elas são consideradas pequenas no setor – o que ajuda a entender por que Brito opera longe dos holofotes da imprensa e de organizações ambientais.

E ainda que a maioria dos pedidos não se converta futuramente em uma lavra rentável, esses protocolos abrem a porta para uma série de negócios na indústria da mineração, envolvendo investidores estrangeiros, ações na bolsa e paraísos fiscais. Tanto que o Ministério Público Federal já entrou com diversas ações contra a ANM e contra as mineradoras para corrigir as falhas e coibir a especulação financeira sobre terras indígenas.

Entre 1982 e 2012, o conglomerado de Paulo de Brito Filho fez 255 pedidos de pesquisa mineral, mais de 95% para região amazônica

Foto: Lucas Landau/Repórter Brasil
O grupo Santa Elina tem lavras concedidas para prospectar ouro no entorno da TI Kayapó; Brito Filho diz que a companhia nunca operou


Negócios robustos

No mercado financeiro, Brito Filho é mais conhecido como dono e presidente do conselho de administração da Aura Minerals. Mas o empresário, formado em administração na Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP) e com MBA em Nova York, participa como presidente, diretor ou conselheiro de dezenas de outras empresas, a maioria mineradoras.

Em uma de suas raras entrevistas, em 2020, o empresário disse que o ouro vai se tornar cada vez mais uma opção para investidores. Sua análise era praticamente um convite, já que a Aura Minerals havia aberto capital no Brasil cinco meses antes.

Embora seja discreta, a multinacional tem acesso ao centro do poder: em agosto de 2021, seu CEO, Rodrigo Barbosa, foi recebido pelo ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite. “[A reunião foi] um convite feito pelo ministro a cerca de 30 players do setor privado em que o tema central foi proteção ambiental, Amazônia e COP 21”, disse a empresa. O Ministério do Meio Ambiente não quis comentar.

Nascida no Canadá em 1946, a Aura Minerals tem hoje alma brasileira, já que mais de 50% de suas ações pertencem à Northwestern Enterprises, empresa situada no paraíso fiscal das Ilhas Virgens Britânicas, e controlada por Brito Filho e seu pai, Paulo Carlos de Brito.

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O patriarca da família tem experiência de mais de quatro décadas no ramo da mineração. Em 1976, ele fundou a Santa Elina, que se tornou o conglomerado hoje dirigido pelo filho e que é a chave para entender a relação do grupo com terras indígenas.

Com escritório nos arredores da avenida Faria Lima, o coração financeiro de São Paulo, o grupo trabalha principalmente nas primeiras etapas da cadeia de exploração e produção mineral: prospectando novas minas, solicitando licenças, fazendo as pesquisas geológicas e estudando o potencial das reservas e sua viabilidade econômica. Por isso, a maioria das empresas do conglomerado são consideradas mineradoras “junior”.

O negócio principal da Santa Elina, portanto, não é a produção em si, e por isso os pedidos de pesquisa mineral são cruciais: quando uma jazida é descoberta, seu destino mais provável é ser vendida para companhias maiores – conhecidas como “majors” –, que irão operar a mina.

“Até certo ponto, a atuação das juniors é positiva para as majors, pois seriam elas que arcariam com o risco e com os eventuais prejuízos de não encontrar nada. Caberia às grandes apenas comprar o que considerassem que valeria a pena”, explica Bruno Milanez, professor da Universidade Federal de Juiz de Fora e um dos maiores estudiosos dos impactos da mineração no país.

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Nessa “divisão de trabalhos”, explica o pesquisador, é comum que as juniors façam os serviços mais polêmicos, como requisitar terras indígenas para exploração, por exemplo. “Assim, as majors poderiam se dar ao luxo de não se envolverem com pesquisas em áreas de conflito, evitando inclusive o desgaste de reputação.”

O trabalho das juniors pode ser comparado ao dos apostadores de um cassino, pois só 0,1% das pesquisas minerais resultam em jazidas economicamente viáveis, e apenas 0,03% das reservas são extraordinariamente rentáveis, segundo Milanez.

Dado o alto risco do negócio, os bancos tendem a se manter distantes das mineradoras juniors. Por isso, o mercado de ações é o lugar mais fácil para elas conseguirem recursos para realizar as atividades de prospecção. “Apresentar um grande portfólio de áreas a serem exploradas pode ser visto como um cartão de visitas convidativo”, diz, além de ser uma forma de valorizar as ações.

O principal polo de negociação dessas ações são duas bolsas do Canadá – a Toronto Stock Exchange e a TSX Venture Exchange. “A cultura especulativa dessas bolsas é tão preponderante que pesquisadores as comparam a verdadeiros cassinos”, diz Milanez.

As bolsas de Toronto informaram à Repórter Brasil que seus “mercados e emissores são regulados por reguladores de valores mobiliários aplicáveis no Canadá, cuja missão inclui proteger os investidores de práticas injustas, impróprias ou fraudulentas e reduzir os riscos à integridade do mercado e à confiança do investidor.”


Cassino de ouro

Os riscos assumidos pelas mineradoras juniors é conveniente para as majors, já que elas evitam os entraves políticos ou burocráticos. É por esse motivo que anúncios recentes de grandes mineradoras, como a Vale e a Anglo American, de desistência de seus requerimentos de pesquisa em terras indígenas têm pouco efeito prático, pois elas poderiam, no futuro, comprar negócios viabilizados por empresas juniors nestas áreas. Além disso, as gigantes do setor também mantiveram requerimentos nos arredores das TIs.

Porém, minerar esses locais é igualmente prejudicial para as comunidades tradicionais. As terras indígenas têm a chamada “zona de amortecimento” – uma região protegida no entorno do território para impedir que os impactos ambientais cheguem às áreas demarcadas. O grupo Santa Elina já tem lavras concedidas para prospectar ouro no entorno das Terras Indígenas Sararé, no Mato Grosso, e Kayapó, no Pará, de acordo com o levantamento da ANM.

Segundo Brito Filho, a lavra próxima à reserva Kayapó foi concedida em 1991 à Mineração Irajá, vinculada ao grupo Santa Elina. Ele diz que a companhia nunca operou na lavra e que cedeu a área para outra empresa em 2020. O empresário não comentou sobre a concessão próxima à reserva Sararé.

Outras jazidas descobertas pelo conglomerado foram alvo de denúncia de danos ambientais. Em 2020, a Repórter Brasil mostrou a luta dos Kayapó contra os efeitos da exploração de manganês no entorno da TI pela mineradora Buritirama, que havia adquirido a licença da Irajá. Mesmo atuando a 2 km do território demarcado, a atividade, segundo os indígenas, está contaminando rios e aldeias e atrapalhando a pesca. A Justiça Federal determinou a abertura de um inquérito policial para apurar a prática de extração ilegal de minério na TI e o possível envolvimento da Mineração Irajá. 

Em outro episódio, também pertencia à família Brito a Biopalma Amazônia, vendida para a Vale em 2011 e que hoje é alvo de denúncias de contaminação da água nas aldeias da TI Turé-Mariquita, no Pará, segundo reportagem do Mongabay.

Sobre o caso dos Kayapó, a Santa Elina afirmou que “tudo o que a Mineração Irajá produziu e comercializou foi extraído dentro do estrito limite de seus direitos minerais”. E sobre as atividades da Biopalma, a empresa disse que, “enquanto no controle do grupo da Mineração Santa Elina, sempre seguiram todas as regras e regulamentos do licenciamento ambiental”. A mineradora afirmou ainda que só pode responder pelas operações enquanto controla as atividades.


Diamantes sob suspeita

A TI Kayapó sofre com os efeitos da exploração de manganês em seu entorno, realizada pela mineradora Buritirama, que adquiriu a licença do grupo Santa Elina (Foto: Felipe Werneck/Ibama) 

Apesar da discrição do grupo e da família Brito, em 2004 eles ganharam o noticiário policial por causa de conflitos envolvendo os Cinta Larga, em Rondônia. A Santa Elina foi investigada pela Polícia Federal sobre a extração ilegal de diamante desse território – onde 29 garimpeiros foram assassinados pelos indígenas.

Uma das empresas investigadas era canadense, associou-se à Santa Elina e recebeu aval do governo federal para a pesquisa de diamantes próximo à terra indígena, segundo reportagem da Folha de S.Paulo. Resultado? A companhia emitiu ações no Canadá e captou cerca de US$ 4 milhões para financiar o empreendimento.

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“Diversas empresas estavam fazendo requerimento de lavra junto ao DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral, hoje, ANM) e, com base nisso, negociavam títulos minerários na bolsa do Canadá. O objetivo da investigação foi impedir que isso acontecesse”, lembra o delegado Mauro Spósito, que comandou as diligências à época.

O trabalho da PF resultou em uma denúncia do MPF contra o DNPM, que fez com que a Justiça determinasse a suspensão e o cancelamento dos pedidos de pesquisa não apenas dentro, mas também em um raio de até 10 km das áreas protegidas.

“A titubeante e equivocada visão do órgão minerário fomenta as mais acirradas disputas entre as mineradoras, sobretudo as gigantes multinacionais, servindo como seiva para as mais selvagens especulações e como instrumento de pressão sobre o Parlamento”, dizia a ação do MPF.

Desde 2019, o MPF entrou com diversas ações civis públicas fazendo a mesma demanda à ANM, para que não sejam recebidos pedidos de pesquisa mineral em terras indígenas e para que os alvarás já concedidos sejam suspensos. Só no Pará foram movidas 52 ações que abrangem terras indígenas de todas as regiões do estado. No Amazonas, a autarquia chegou a ser condenada em primeira instância a anular todos os requerimentos de pesquisa ou extração de minérios em terras indígenas. A ANM recorreu.  

Em uma das ações, a ANM disse ao MPF que “a Constituição não proíbe os requerimentos”, e que por isso eles podem ser abertos e colocados em espera até que o assunto seja regulamentado em lei  A Repórter Brasil pediu reiteradas vezes comentários à agência sobre esses pedidos e as ações movidas pelo MPF, mas não recebeu resposta.

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O grupo Santa Elina afirmou haver um “equívoco” no caso dos Cinta Larga e que não tem relação com a ação da Polícia Federal. “Não temos nenhuma vinculação com exploração de diamantes em Rondônia ou qualquer outro estado do país. E não houve nenhuma suspensão junto a ANM ou ao extinto DNPM”, afirmou a empresa, por meio de sua assessoria de imprensa.

Duas semanas após a resposta do grupo Santa Elina, o empresário Brito Filho enviou novo posicionamento por e-mail e afirmou que o conglomerado vai desistir também de todos os pedidos que se sobrepõem parcialmente aos territórios. “Todas as áreas, sejam elas com total ou parcial interferência, ou já tiveram ou estão em processo de desistência protocolada junto a ANM”. A lista da agência, enviada em março, indicava que 129 requerimentos do Santa Elina seguiam abertos.

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O empresário diz ainda condenar “qualquer atividade de garimpo ilegal em terras indígenas”, mas concordar com um posicionamento do setor de 2021, que defende a regulamentação da mineração nessas áreas, “ressaltando o absoluto respeito aos povos indígenas”. 

Entre goles de vinho, Brito Filho disse na entrevista de 2020 que foi o conhecimento de geologia da família que o possibilitou encontrar o terreno ideal para plantar uvas na Serra da Mantiqueira, no interior de São Paulo.

Já para continuarem vivendo de suas terras, os povos Kayapó, Munduruku e Yanomani decidiram se unir em torno da Aliança em Defesa dos Territórios, que tem o objetivo de frear o avanço do PL 191.

“É uma aliança inédita e histórica”, afirma Maial Paiakan, liderança Kayapó, destacando que objetivo do grupo é criar estratégias contra o avanço do garimpo ilegal e os pedidos de pesquisa mineral nos territórios e arredores. Só nas áreas dos Kayapó, são 110 requerimentos – 14 deles de empresas ligadas ao grupo Santa Elina.

Embora o PL 191 ainda não tenha começado a ser discutido pelos deputados, a pressão sobre indígenas é grande, com a circulação de fake news, conta Maial Paiakan. “A guerra já começou”.

Marina Rossi, Gisele Lobato e Daniel Camargos | Repórter Brasil



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