Pesquisar
Pesquisar

Soluções antigas não servem para atual crise: é preciso transformar o mundo em que vivemos

Quem diria, há alguns meses, que o mundo assistiria ao caos do sistema de saúde da cidade de Nova York, uma das cidades mais ricas do mundo?
Verônica Lima
Diálogos do Sul Global
São Paulo (SP)

Tradução:

O cenário distópico que se impôs sobre nossos corpos nessa pandemia em curso, chama atenção por expor que as ferramentas que dispomos coletivamente são muito mais frágeis do que imaginávamos. Bastou a mutação de um vírus, organismos conhecidos e estudados há séculos, para mostrar que grande parte daquilo que acreditávamos ter controle simplesmente não é tão seguro assim.

Quem diria, há alguns meses, que o mundo assistiria ao caos do sistema de saúde da cidade de Nova York, uma das cidades mais ricas do mundo? O cenário impressiona tanto pela gravidade das vítimas e o número de morte, quanto pelo fato de a riqueza acumulada ser pouco relevante (ou menos do que aparentemente seria) no contexto de aumento vertiginoso na demanda por respiradores mecânicos e outros insumos para tratar as pessoas acometidas pela Covid-19. 

E da mesma forma que o valor do dinheiro tem sido relativizado nessa pandemia, outros princípios que sustentaram grande parte do mundo, especialmente a economia e as relações sociais ocidentais, já não servem mais para a sociedade que está sendo – ou precisa ser – forjada nesse momento. A promessa de sucesso a partir do modelo de Estado mínimo e de hierarquia social entre ricos e pobres não se concretiza nesse novo mundo onde grandes empresas já contam com os recursos estatais para superar a crise, e onde é imperativo curar a todos, sem distinção, para se pensar a retomada da vida comunitária. 

Quem diria, há alguns meses, que o mundo assistiria ao caos do sistema de saúde da cidade de Nova York, uma das cidades mais ricas do mundo?

Twitter / Reprodução
Estamos num momento de reelaboração da forma como mantemos nossas relações, individual e coletivamente

Há quem negue a necessidade de isolamento e distanciamento social, mas diante das mórbidas cenas que vemos em curso nas principais potências mundiais, a negação se revela apenas um recurso ilusório para resistir à emergência da mudança. Estamos todos, como indivíduos e como sociedade global, sendo forçados a reconhecer que a desigualdade social é uma ameaça à própria humanidade. E repetir os mesmos métodos que vínhamos usando não é a resposta certa nessa emergência, simplesmente porque pode significar o agravamento do caos e das mortes.

Estamos, portanto, num momento de reelaboração da forma como mantemos nossas relações, individual e coletivamente. Para quem tem a possibilidade de se isolar, ficar em casa é um convite a rever rotinas e o vínculo com o próprio espaço que denominamos “lar”. Do ponto de vista coletivo, ações específicas, antes inimagináveis, começam a mostrar que dar lugar a novas maneiras de se organizar não é tão difícil assim: por exemplo, no estado de Nova York, o mais afetado pelo coronavírus nos EUA – atual epicentro da crise, o governo anunciou que os respiradores disponíveis na rede privada de saúde serão confiscados pela guarda nacional e destinados ao atendimento das vítimas. “Não vou deixar que as pessoas morram com centenas de respiradores disponíveis”, declarou Andrew Cuomo, governador daquele estado. Foi necessária uma crise global para nos lembrar que vida é mais importante que os arranjos econômicos. 

Um outro exemplo chama atenção por ir além de uma ação específica, ao testar um modelo que se propõe a ser uma alternativa ao modelo de crescimento voraz e sem limites da economia. Trata-se da cidade de Amsterdã, que está implementando o modelo desenvolvido pela economista britânica Kate Raworth, da Universidade de Oxford. A base do modelo é o entendimento que a economia deve servir para atender as necessidades de sobrevivência de toda a população, em harmonia com meio ambiente e seu equilíbrio. Isso inclui moradia, alimentação, saúde, entre outros fatores decisivos para a dignidade humana. 

O modelo, denominado “doughnut”, em referência à imagem de um donut (a famosa rosquinha) dos gráficos formulados pela economista, busca construir um novo entendimento de prosperidade econômica, baseada no equilíbrio entre o bem-estar da população e a saúde do planeta. O momento de pandemia é propício para postular esse entendimento, porque a experiência da disseminação do vírus nos desperta para a consciência que somos parte de um organismo vivo que é a Terra. Um sistema econômico que promova o equilíbrio desse organismo é, no mínimo, necessário. 

Porque o os valores que vínhamos cultivando até aqui, não foram suficientes para evitarmos as tragédias da pandemia ou até mesmo para nos prepararmos para ela. Então, é chegado o momento de aprender. E transformar.  

 


As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul

Veja também


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Verônica Lima

LEIA tAMBÉM

Fechar Hospital Nacional de Saúde Mental é ataque de Milei à memória histórica argentina
Fechar Hospital Nacional de Saúde Mental é ataque de Milei à memória histórica argentina
Agrotóxicos_Europa_UE_America_do_Sul
"Colonialismo químico": UE inunda América do Sul com agrotóxicos proibidos em solo europeu
Protesto contra Gilead por preço cobrado pelo lenacapavir, medicamento contra HIV
R$ 237 mil por medicamento anti-HIV é apartheid no acesso à saúde e afeta Sul Global, diz ativista
mpox-oms
Mpox: por que população global está vulnerável ao vírus?