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Foto: Kathleen Ballard, Los Angeles Times

Studs Terkel: uma vida dedicada a ouvir

A voz rouca de Studs Terkel conversava tanto com operários anônimos quanto com algumas das estrelas de música; para ele, a história de cada pessoa era igualmente importante
David Brooks
La Jornada
Nova York

Tradução:

Beatriz Cannabravaa

Studs Terkel (1912-2008), voz essencial de Chicago, onde se acaba de realizar o grande espetáculo da Convenção Nacional Democrata, tinha um talento sem igual (que políticos e não poucos jornalistas deveriam imitar): ouvir. Mas ouvir como parte de um diálogo, no qual, como jornalista, a palavra do outro escreve a matéria. Ele apresentava as histórias dos outros a uma audiência massiva, principalmente através de seus programas de rádio, mas também por escrito em seus livros.

Terkel, como locutor de rádio em Chicago por 45 anos, tornou-se uma voz icônica da cidade, mas também em nível nacional. A diversidade de suas entrevistas em áudio e suas histórias orais que compõem livros sobre o trabalho, a Grande Depressão, sobre a raça, entre outros, são fundamentais para qualquer estudante dos Estados Unidos. Sua voz rouca conversava tanto com operários anônimos quanto com algumas das estrelas de música, teatro e cinema mais famosas; ele era um locutor e autor realmente democrático. Para ele, a história de cada pessoa era igualmente importante.

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Como entrevistador – ao contrário de tantos outros – Terkel quase desaparecia. “Falar com outras pessoas era uma aventura, uma viagem de descobrimento, uma fonte de surpresas encantadoras… (suas entrevistas) refletem sua convicção de que se você trata seus entrevistados com respeito, ouve atentamente o que têm a dizer, e leva a sério suas preocupações (mas nunca sem humor), eles retribuirão com honestidade”, comenta Anthony DeCurtis sobre Terkel ao introduzir uma coleção de suas entrevistas com músicos, “And They All Sang. Essa coleção, junto com “The Spectator, entrevistas com artistas de cinema e teatro, além de oferecer vozes maravilhosas e apaixonadas, revela algo em comum entre todos esses artistas: seu compromisso com a humanização através da arte.

Um diretor de teatro inglês lhe conta sobre o trabalho necessário com Shakespeare, e como apenas dois personagens em todas as tragédias são os únicos que dizem a verdade: o rei ou rainha, porque já têm tudo, e o bobo, que nada tem. Todos os demais têm que mentir, enganar e mais, para tentar escalar até o rei e também para evitar cair tão baixo como o bufão. Ou o diretor da orquestra de Viena que conta como, imediatamente depois da guerra, e famintos, sem aquecimento e desamparados, ele e seus músicos tinham uma missão urgente: “tocar Mozart porque essa música era a única coisa grandiosa que nos restava”.

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Leonard Bernstein, Louis Armstrong, Bob Dylan, Andrés Segovia, Janis Joplin, entre os músicos; Lotte Lenya, Marlon Brando, Marcel Marceau, Vittorio De Sica, Buster Keaton, entre os atores e diretores.

Obras de Studs Terkel

Terkel escreveu talvez o livro mais importante da sociologia (não era sociólogo) estadunidense: Working. “Este livro, que trata de trabalho, é, por sua própria natureza, sobre violência — tanto ao espírito, quanto ao corpo — é, sobretudo (ou por baixo de tudo) sobre as humilhações cotidianas. Sobreviver um dia é triunfo suficiente para os feridos ambulantes entre a grande maioria de nós… Também é sobre uma busca, tanto por um significado cotidiano quanto pelo pão diário, por reconhecimento e também por dinheiro, por assombro mais do que por tédio; em suma, por algo de vida em vez de algo de morte de segunda a sexta-feira.

Talvez a imortalidade também faça parte da busca. Ser lembrado era o desejo, explícito ou implícito, dos heróis e heroínas deste livro.” O que segue são histórias orais de todo tipo de trabalhadores, desde mineiros e siderúrgicos, até operários da construção civil, professores, atletas profissionais, editores e jornalistas, policiais, vendedores, comissários de bordo e mais, um universo dos que trabalham todos os dias, contando o que fazem o dia todo e como se sentem — uma viagem de autonarrativas contadas ao gravador do ouvinte.

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Seu último livro, “Mais pensamentos de uma vida de escutar”, foi publicado em 1988. Ele ganhou o Pulitzer e a Medalha Presidencial de Artes, entre muitas outras premiações, as quais ele aceitava sem ego no meio.

Para ouvir Terkel e alguns de seus convidados, acesse: https://studsterkel.wfmt.com/

La Jornada, especial para Diálogos do Sul – Direitos reservados.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

David Brooks Correspondente do La Jornada nos EUA desde 1992, é autor de vários trabalhos acadêmicos e em 1988 fundou o Programa Diálogos México-EUA, que promoveu um intercâmbio bilateral entre setores sociais nacionais desses países sobre integração econômica. Foi também pesquisador sênior e membro fundador do Centro Latino-americano de Estudos Estratégicos (CLEE), na Cidade do México.

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