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Foto: Governo da Ucrânia

Kremlin: alvo em Poltava instruía ataques a drone contra Rússia e era dirigido por estrangeiros

Governo da Rússia afirma ainda que "mais de 300 militares ucranianos morreram ou ficaram feridos" após o bombardeio ao centro militar em Poltava, na última terça-feira (3)
Juan Pablo Duch
La Jornada
Moscou

Tradução:

Beatriz Cannabrava

A Rússia assegurou nesta quarta-feira (4) que os mísseis balísticos Iskander-M que lançou na última terça-feira na cidade ucraniana de Poltava destruíram “um centro de treinamento militar dirigido por instrutores estrangeiros, que preparava especialistas em comunicações e guerra radioeletrônica para o exército ucraniano”.

O ministério russo da Defesa acrescenta, em seu relatório de guerra diário, que nesse centro – o Instituto Militar de Comunicações de Poltava – recebiam instrução operadores de drones que “são utilizados em ataques contra alvos civis na Federação Russa”.

De acordo com os dados mais recentes dos serviços de emergência da Ucrânia, como consequência desse ataque, um dos mais letais desde o início das hostilidades em fevereiro de 2022, morreram pelo menos 53 pessoas e 298 ficaram feridas.

Questionamentos ao governo de Zelenksy

A comissão criada pelo presidente Volodymir Zelensky ainda tem que esclarecer todas as circunstâncias em que ocorreu o ataque e, sobretudo, responder à pergunta que indignou muitos nas redes sociais ucranianas desde ontem (terça-feira): é verdade que o elevado número de vítimas se deve ao fato de que os alunos estavam formados em uma esplanada, ao ar livre, em frente ao edifício principal do Instituto, durante uma cerimônia de inauguração do novo ano letivo?

Se for o caso, muitos exigem na Ucrânia que o responsável por tal negligência seja punido. Talvez não esteja relacionado, mas chamou a atenção o fato de que o comandante-em-chefe do exército ucraniano, Oleksandr Syrskyi, destituiu nesta terça-feira Roman Gladky, que era o chefe do Estado-Maior das forças de sistemas não tripulados, uma divisão de criação recente no exército para coordenar o uso de drones nos campos de batalha, cujos operadores são formados no Instituto Militar de Comunicações de Poltava.

Por outro lado, em um processo que se anuncia como uma ampla remodelação do governo da Ucrânia nesta semana, que implicará a substituição de metade dos titulares das pastas – segundo adiantou o chefe da bancada majoritária do Legislativo, Sluga Naroda (Servo do Povo), David Arajamia –, a Rada Suprema aprovou nesta quarta-feira quatro demissões, rejeitou duas, e uma outra, a do chanceler Dmytro Kuleba, não teve tempo de ser submetida à votação.

Dá-se como certo que Denys Shmyhal continuará como primeiro-ministro e, com base no que foi dito pelo presidente Zelensky sobre “dar nova força” às instituições ucranianas, espera-se mudanças no funcionamento dos ministérios, sem descartar que alguns possam ser fundidos e outros possam surgir, tudo isso para reduzir gastos e atender a outras necessidades decorrentes da guerra.

Embora não se descarte que alguns titulares de pastas sejam realocados no gabinete, nesta quarta-feira os deputados da Rada aceitaram as renúncias de Olga Stefanyshina, vice-primeira-ministra para a integração europeia e euro-atlântica; Oleksandr Kamyshin, ministro das Indústrias Estratégicas; Denys Maliuska, ministro da Justiça; e Ruslan Strilets, ministro do Meio Ambiente e Recursos Naturais.

Por falta de votos suficientes, foram rejeitadas as demissões de Iryna Vereschuk, vice-primeira-ministra para a Reintegração dos Territórios Temporariamente Ocupados, e de Vitaliy Koval, chefe do Fundo de Propriedades do Estado.

A nova composição do governo, segundo antecipa a imprensa ucraniana, será anunciada nesta quinta-feira, mas não são poucos os analistas no país que consideram que, à luz das notícias que chegam dos campos de batalha, esse é um tema que interessa cada vez menos à população.

Além disso – estimam – o governo, de um tempo para cá, perdeu influência, enquanto o verdadeiro poder se concentra no Escritório da Presidência, diretamente subordinado a Zelensky.

Mais de 300 militares morreram em Poltava, afirma Rússia

Meia centena de mortos e mais de 200 feridos foi o saldo nesta terça-feira da queda de dois mísseis balísticos Iskander-M russos no território que abriga o Instituto Militar de Comunicações da cidade de Poltava, cidade no centro da Ucrânia, a cerca de 120 quilômetros da fronteira com a Rússia.

O presidente da Ucrânia, Volodymir Zelensky, informou que ocorreram fortes explosões “no território de uma instituição educacional e uma clínica vizinha. Um dos edifícios do Instituto de Comunicações foi parcialmente destruído. Há pessoas sob os escombros. Muitos puderam ser resgatados. Há mais de 180 feridos. Infelizmente, também muitos mortos. Neste momento sabemos de 41 mortos. Minhas condolências a todas as famílias e entes queridos”, escreveu em sua conta no Telegram.

De acordo com dados preliminares, divulgados horas depois por Filip Pronin, chefe da administração militar da região de Poltava, 50 pessoas morreram e 219 ficaram feridas. À noite, o escritório do procurador-geral da Ucrânia elevou o número de mortos para 51.

Enquanto isso, a TASS, agência oficial de notícias da Rússia, relatou que “mais de 300 militares ucranianos morreram ou ficaram feridos quando dois mísseis Iskander-M atingiram o centro de treinamento das forças de comunicações do exército da Ucrânia em Poltava. Entre eles, sem dúvida, havia instrutores estrangeiros”, embora cite uma fonte anônima do “meio militar” russo.

Zelensky prometeu realizar uma “investigação exaustiva e rápida” de todas as circunstâncias em que o ataque ocorreu, o qual, segundo adiantou o ministério ucraniano da Defesa, foi uma surpresa e não houve tempo para evacuar as pessoas que estavam nos edifícios do Instituto.

“Entre o som das sirenes e a chegada dos mísseis mortais, houve um intervalo tão curto que muitos ficaram presos enquanto corriam para os abrigos antiaéreos”, afirma um comunicado do serviço de imprensa militar.

Em uma clara mensagem aos Estados Unidos e seus aliados, o mandatário ucraniano reiterou que a Ucrânia “precisa urgentemente de mais sistemas de defesa antiaérea e mísseis, bem como ataques de longo alcance que possam nos proteger do terror russo. Cada dia de atraso (em autorizar o uso de armamento ocidental em território russo), infelizmente, significa a perda de mais vidas”.

O que Zelensky não mencionou é que a “instituição educacional” era uma das principais academias militares da Ucrânia, que prepara especialistas em comunicações e guerra eletrônica, e que os mortos e feridos, em sua quase totalidade, eram oficiais e soldados do exército ucraniano. Do ponto de vista do ministério russo da Defesa, era “um alvo militar legítimo”.

Mais críticas a Zelensky

Essas omissões deliberadas geraram nesta terça-feira uma onda de críticas a Zelensky nas redes sociais ucranianas, devido ao fato de que seu governo ignora os avisos de que manter bases, acampamentos e centros de estudo militares em áreas densamente povoadas, longe dos campos de batalha, coloca em risco os habitantes das cidades.

Até a ONG Anistia Internacional alertou para esse perigo em 2022 e, em vez de receber agradecimentos, acabou entrando em uma espécie de lista negra, com o consequente boicote governamental na Ucrânia.

Yuri Butusov, analista militar ucraniano com cerca de meio milhão de seguidores no Facebook, traçou um paralelo entre o ocorrido nesta terça-feira em Poltava e outros incidentes em que o exército russo conseguiu causar numerosas baixas em grandes concentrações de soldados ucranianos, expostos sem observar nenhuma medida de segurança, e exigiu “consequências sérias” para o responsável por permitir que isso acontecesse.

Na mesma linha, o especialista ucraniano Sergui Sternenko publicou na rede social X que “a tragédia de Poltava poderia ter sido evitada se as regras de segurança não existissem apenas no papel”.

Nomes e sobrenomes dos responsáveis por uma eventual negligência foram exigidos, na mesma rede social, pelo jornalista Ilia Ponomarenko, que afirmou: “Zelensky prometeu que investigaria o trágico incidente, mas isso não é suficiente. Não basta fazer uma declaração e deixar que tudo aconteça de novo. Finalmente, é necessário que Zelensky diga quem permite que os russos façam isso de novo”.

A mensagem mais dura veio do teclado da deputada Mariana Bezugla, crítica habitual da cúpula militar ucraniana: “Nada foi aprendido com o caso da Brigada 128 (ataque russo em 2023 na região dos Cárpatos que matou dezenas de soldados ucranianos a centenas de quilômetros da linha de frente), ninguém foi punido e, como sempre, Zaluzhny, Pavliuk e Syrskyi (altos comandos militares) disseram que não voltaria a acontecer. As tragédias se repetem uma e outra vez. Até quando?”

Bombardeios russos em Kharkiv e Kiev

Ucrânia atacou, na madrugada e manhã deste domingo (1), com 159 drones, Moscou e 15 regiões da Rússia, e esta respondeu, ao longo do dia, lançando mísseis balísticos Iskander-M e bombas guiadas FAB-500 contra a cidade de Kharkiv e drones contra 5 regiões ucranianas.

Ao mesmo tempo, os combates em Donetsk e Kursk não cessaram, mantendo os perigos potenciais para ambos: para os ucranianos, os russos seguem se aproximando da cidade de Pokrovsk; e para os russos, os ucranianos não desistem da ideia de cercar as tropas inimigas na parte do território da Rússia, uma faixa de cerca de 1.300 km², que mantêm sob seu controle.

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O Ministério da Defesa, em seu relatório diário de guerra, informou ter derrubado todos os drones ucranianos, sem especificar se algum impactou um possível alvo ou se caíram fragmentos sobre edifícios civis ou instalações militares e de infraestrutura energética.

Ataques a refinarias e hidrelétricas russas

Só se sabe que neste domingo circularam, nas redes sociais, vídeos e imagens de explosões e incêndios em refinarias e depósitos de combustível em diferentes áreas da Rússia, entre outros sinistros, um correspondendo à principal refinaria de Moscou e uma das maiores do país, no distrito de Kapotnya, após a queda de um drone ou fragmentos dele sobre uma de suas instalações.

Segundo o prefeito de Moscou, Sergei Sobyanin, durante a noite as defesas antiaéreas conseguiram repelir nove ataques contra a capital russa, derrubando ou desviando 7 nos arredores e dois que entraram em seu espaço aéreo, sendo abatidos perto da refinaria de Kapotnya. Os bombeiros conseguiram extinguir o fogo por volta das 11h da manhã.

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Duas grandes centrais hidrelétricas, uma em Kashira, região de Moscou, e outra em Konakovo, região de Tver, também figuraram entre os alvos do ataque ucraniano, causando incêndios que, segundo as autoridades, foram controlados e não afetaram o fornecimento de eletricidade nem o sistema de aquecimento.

Drones abatidos na região de fronteira

De acordo com o comunicado dos militares russos, nas regiões fronteiriças com a Ucrânia, abateram o maior número de drones: 46 em Kursk, 34 em Briansk, 28 em Voronezh e 14 em Belgorod.

Além disso, interceptaram 8 em Riazan, 5 em Kaluga, 4 em Lipetsk, 3 em Tula, 2 em Smolensk, 2 em Tambov, 1 em Ivanovo, 1 em Oriol e 1 em Tver. Quatro dessas regiões sofreram ataques com drones pela primeira vez desde o início das hostilidades em fevereiro de 2022.

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E, embora o departamento militar não tenha incluído em seu comunicado a região de Yaroslavl, que possui uma refinaria importante, seu governador Mikhail Evraev informou que a defesa antiaérea da cidade homônima abateu um drone. Até domingo (1), a Ucrânia havia dado seu maior ataque contra a Rússia com drones na madrugada de 14 de agosto, quando o exército russo afirmou ter derrubado mais de 100 unidades em 8 regiões do país.

O que diz a Ucrânia

A força aérea da Ucrânia, por sua vez, afirmou ter derrubado 8 dos 11 drones que a Rússia lançou durante a madrugada contra, sublinhou, “o cereal ucraniano e a logística do setor agrícola” em Odesa, Mykolaiv, Kherson, Kirovohrad e Dnipropetrovsk. Um míssil balístico Iskander-M danificou vários caminhões que eram usados para transportar grãos, acrescentou.

Horas depois, a Rússia bombardeou Kharkiv, a segunda cidade mais importante da Ucrânia, informou o chefe da administração militar dessa região, Oleh Syniehubov, acrescentando que caças-bombardeiros Su-34, a partir da região russa de Belgorod, a 25 quilômetros da fronteira, lançaram bombas aéreas guiadas FAB-500 e mísseis em cinco áreas de três distritos dessa cidade, com um saldo mortal de 6 pessoas e 97 feridos.

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As autoridades ucranianas – o próprio presidente Volodymyr Zelensky – não escondem e até costumam detalhar com vídeos postados na internet as vítimas entre a população e a devastação causada pelos ataques russos, ao contrário do sigilo que prevalece nos relatórios oficiais dos militares russos sobre as baixas entre civis causadas pelo exército ucraniano.

Assim, neste domingo, a Ucrânia divulgou amplamente imagens de edifícios residenciais em chamas e do que restou, reduzido a ruínas, do Palácio dos Esportes, o maior de Kharkiv e que também era usado como sede de congressos, bem como de uma agência dos correios, de um supermercado e de várias lojas.

A estratégia de informação de Kiev, opinam especialistas, persegue uma dupla finalidade: dar a entender que se tratou de impactos diretos russos contra instalações civis e, de quebra, enviar a mensagem aos Estados Unidos e seus aliados de que precisam de mais sistemas de defesa antiaérea.

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Os governadores das regiões da Rússia que sofrem ataques ucranianos, sem se afastar da linha que o Kremlin marca de silenciar as perdas, são os encarregados de divulgar o que depois os comentaristas da televisão pública descrevem como “crimes abomináveis dos nazistas ucranianos“, como, por exemplo, o caso recente de uma mulher grávida que morreu ao ser atingida por um projétil de artilharia ou por fragmentos de um drone sobre o carro em que viajava com seu esposo.

Duas horas após o bombardeio de Kharkiv neste domingo, o governador de Belgorod, Vyacheslav Gladkov, publicou em suas redes sociais a foto de um edifício residencial atacado este domingo na cidade homônima. O funcionário informou que houve “11 feridos, entre eles dois menores de idade”, a maioria dos quais, acrescentou, recebeu assistência médica por “ferimentos profundas de estilhaços”.

La Jornada, especial para Diálogos do Sul – Direitos reservados.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Juan Pablo Duch Correspondente do La Jornada em Moscou.

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