Quando o governo de Israel declarou que iniciaria uma campanha de bombardeio intensivo de Gaza que implicava nada menos que matar crianças (a metade da população palestina em Gaza é menor de idade), Washington ofereceu as bombas. Os Estados Unidos são agora, por definição sob as normas de leis internacionais, cúmplices em crimes de guerra e sujeitos a um encontro no banco de acusados em Haia.
Mas isso supõe que Washington aceita para si mesmo as normas internacionais supostamente sagradas que tanto usa para condenar outros regimes.
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Resoluções para um cessar-fogo em Gaza no Conselho de Segurança, o órgão supremo da ONU, também foram vetadas repetidamente pelos Estados Unidos nas últimas semanas, com Washington insistindo que não apoia um cessar-fogo e reiterando o direito de autodefesa de Israel.
Nunca mencionou o direito dos palestinos de autodefesa ante o que grande parte do mundo considera a maior prisão do mundo imposta por Israel há 16 anos sobre 2 milhões de palestinos em Gaza, nem tampouco o que autoridades internacionais caracterizam com um sistema de apartheid.
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A Palestina não é o único assunto em que Washington recusou reconhecer as normas e o voto da comunidade internacional. Há uns dias, pela trigésima primeira vez, a Assembleia Geral da ONU qualificou o bloqueio dos Estados Unidos contra Cuba como ilegal.
Não foi um voto fechado, mas sim de 187 países contra 2 (Estados Unidos e Israel). Nem a Ucrânia, que foi proclamada como aliada heroica dos Estados Unidos ao defender-se das ações “ilegais” da Rússia, votou com Washington (se absteve).
A história de atos de violência ilegais no âmbito internacional por Washington é talvez mais extensa que a de qualquer outro país desde a Segunda Guerra Mundial e inclui a guerra contra o Iraque baseada em argumentos falsos, lançada apesar de não ser autorizada pela ONUdrones, em vários países sob o rubro da “guerra contra o terror”, o uso da tortura em lugares clandestinos, invasões de Panamá e Granada, intervenções e ações clandestinas contra Cuba e vários países latino-americanos e talvez o maior crime dessa era, a guerra no Vietnã – a lista continua.
AbrilAbril
Os EUA se negam a ratificar uma série de tratados, como o Estatuto de Roma e convenções de proteção a mulheres e crianças
Isentos
O autoproclamado guardião mundial da liberdade, dos direitos humanos e da “democracia”, que advertiu uma vez que os violadores de sua ordem internacional serão submetidos a sanções, julgamentos e castigos, deixou claro que os Estados Unidos são isentos de tudo isso.
Washington nunca ratificou o Estatuto de Roma que estabelece o Tribunal Internacional Penal, e alguns de seus governos, mais recentemente o de Trump, declararam que nenhum funcionário ou militar estadunidense será submetido a essa instância, e até ameaçando o uso de força se alguém o tentar. Até o presente, é o único país que rechaçou uma decisão contra ele pela Corte Internacional de Justiça (por seus atos ilegais contra a Nicarágua).
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Os Estados Unidos tampouco ratificaram várias das principais leis e convenções internacionais, tal como a Convenção sobre a Eliminação da Descriminação contra as Mulheres, a Convenção sobre os direitos das crianças, e nas convenções que ratificou, quase sempre o fez incluindo causas que diluem suas obrigações.
“O desprezo pela lei internacional – exceto como uma arma contra inimigos – apenas se esconde. É reformulado como uma demanda para uma ‘ordem internacional baseada em regras’ onde o Padrinho (EUA) estabelece as regras para superar a ordem internacional arcaica baseada na ONU”, comentou Noam Chomsky em entrevista em 2020.
Há anos o filósofo resumiu a postura dos Estados Unidos ante a chamada lei internacional: “Quando os outros fazem, é crime. Quando nós fazemos, não é”.
Diante de tudo isto, não é hora de proclamar os Estados Unidos como “Estado pária” entre a comunidade internacional?
David Brooks | La Jornada, especial para Diálogos do Sul – Direitos reservados.
Tradução: Beatriz Cannabrava
As opiniões expressas nesse artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul
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