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ToggleNo último 29 de junho, no Sudão, as Forças de Apoio Rápido (FAR), como são conhecidas as milícias lideradas por Mohamed Hamdan Dagalo (chamado Hemedti), que se rebelaram em 15 de abril de 2023 contra o exército sudanês, ganhavam posições em uma guerra que leva mais de um ano sem solução: segundo as FAR anunciaram na rede social X, teriam tomado Singa, a capital do estado Senar e um ponto-chave no Sudeste da República do Sudão.
A afirmação das FAR não foi desmentida por seu oponente, as Forças Armadas do Sudão (FAS), com o general Abdel Fattah al-Burhan à frente. No exército, asseguram que ainda restam forças regulares lutando na região. Se finalmente as FAR de Hemedti ficam com esta praça, somará uma mais às numerosas populações ocupadas desde que começou o conflito, pois já dominam praticamente o Sul do país, junto com o ocidental estado de Darfur, região de que procede a grande maioria de integrantes destas milícias, e onde ganharam fama internacional pelos abusos cometidos contra a população quando eram conhecidos como Janjaweed e eram aliados de Omar Hasán Ahmad al Bashir, o militar que governou o país por três décadas até ser deposto em abril de 2019 depois de uma histórica revolução popular.
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À espera de saber se as FAR ocuparão finalmente Singa, o que se pôde comprovar, confirmava Al Jazeera, é que ante os enfrentamentos, milhares de habitantes começaram a abandonar suas casas, somando-se aos dez milhões de deslocados que já existem no país. Recentemente, a Agência da ONU para a Coordenação de Assuntos Humanitários calculava em 55 mil as pessoas que tinham saído da cidade.
Brutalidade dos grupos em conflito
A brutalidade dos atores que se enfrentam, antigos aliados, espalhou o terror por todo o Estado; as FAR são famosas por seu vandalismo e pela execução de delitos de violência sexual, e a FAS não só levou a cabo bombardeios aéreos sem se importar com golpear objetivos civis, mas em 27 de junho se revelava como membro do exército. Nos combates no estado de Sennar, assassinaram quatro soldados oponentes, exibindo depois seus corpos mutilados como troféus, para acabar lançando-os em um canal do Nilo Azul. Depois, um membro das FAS qualificaria as vítimas de “comida para os crocodilos”. Assim documentava o projeto que monitora as violências cometidas por ambos os bandos.
Do Sudão, o War Monitor mostra os maus-tratos contra os soldados assassinados, dos quais primeiro tiram os sapatos, uma prática considerada humilhante no Sudão, e insultam chamando-os de “etíopes” e “chadianos”, de maneira racista. As FAS acusam seus oponentes de serem mercenários estrangeiros, ignorando que a maioria provém de Darfur. Os autores da investigação indicam que a profanação dos corpos do inimigo pode ser considerada um crime de guerra, tanto pela convenção de Haia, como pela convenção de Gênova e pelo Estatuto de Roma. Também vai contra a tradição jurídica islâmica.
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Esta não é a primeira vez que as FAS se veem retratadas nestas práticas; em fevereiro se denunciava que as forças armadas teriam decapitado prisioneiros, por exemplo. O assassinato de civis segundo seu pertencimento étnico, as torturas e a fome contra prisioneiros, são outras das acusações contra o exército, mas também contra seus oponentes, as FAR, que não apenas são acusadas de torturar e executar prisioneiros de guerra como também de ter cometido limpeza étnica em Darfur. A União Africana e a Autoridade Intergovernamental de Desenvolvimento convocaram para o diálogo as partes implicadas no conflito em um novo encontro em Adis Abeba, entre 10 e 15 de julho.
Os Emirados tentam lavar sua imagem
Desde que começou a guerra, os Emirados Árabes Unidos, sócios de Hemedti, foram acusados de armar as FAR. Recentemente, os EAU assinaram um acordo com a ACNUR para doar 20 milhões de dólares às vítimas da guerra no Sudão, o que deveria ser ajuda humanitária a deslocados e refugiados no país e nos estados fronteiriços. Com esta doação, a ajuda humanitária ao Sudão proveniente dos Emirados chegaria a 3,5 bilhões de euros na última década.
As FAS acusaram repetidamente os Emirados de armar seu oponente, uma acusação que também foi feita por diplomatas estadunidenses, ou outros atores, que mostram os interesses deste país do Golfo Pérsico no comércio de ouro, negócio que os uniu a Hemedti durante anos, junto à utilização das FAR como mercenários às ordens dos interesses dos Emirados na guerra do Iêmen.
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De Abu Dabi negam estas acusações; a disputa escalou quando, no dia 19 de junho, o representante do Sudão na ONU denunciou uma vez mais o apoio dos Emirados às FAR. EAU contra atacaram, afirmando que a narrativa do exército é uma jogada para justificar ações como a obstrução da ajuda humanitária ou a negativa a participar em conversações de paz. Por sua vez, o German Institute for Global and Area Studies (GIGA), indica que o país está rodeado de vários eixos de tráfico de armas de que se serviriam as FAR para continuar se abastecendo. “Combustível, munição, armas, e outras mercadorias são objeto de contrabando pela Líbia, Chade, República Centro Africana, e o Mar Vermelho. As armas também chegam de Uganda e do Sudão do Sul. Os EAU e o grupo Wagner cooperam estreitamente para abastecer a guerra por meio destes países”, conclui este instituto em um informe, apoiando as acusações contra os Emirados.
Uma crise humanitária esquecida
Desde que começou a guerra, a população de Darfur está revivendo os massacres cometidos contra ela durante o conflito que começou em 2003 e durou 17 anos, deixando 300 mil pessoas mortas. O que aconteceu na região, especialmente durante os primeiros anos daquela guerra, foi qualificado como o primeiro genocídio do século 21. Desde que em 15 de abril de 2023 começou este novo conflito, Darfur se tornou uma frente fundamental da contenda. Atualmente, só a capital do norte, Al Fasher, ainda não foi dominada pelas FAR, mas o assédio a que foi submetida nos últimos meses está provocando um êxodo massivo, tanto de habitantes locais, como daqueles que tinham chegado ali fugindo dos combates no resto da região.
Como denunciam os Médicos Sem Fronteiras há semanas, a situação em Al Fasher é terrível, com a população civil retida entre os enfrentamentos, e à qual não pode chegar nenhuma ajuda. MSF, que é uma das poucas organizações humanitárias internacionais que resiste na cidade, denunciava como as FAR atacam diretamente as infraestruturas médicas, golpeando em 21 de junho último a farmácia do hospital Saudita, um dos que os MSF apoiam, matando uma trabalhadora e danificando o edifício, outra ameaça à continuidade da ajuda no terreno.
“As partes beligerantes não cumprem sua responsabilidade de proteger a população civil”, declarava Michel-Olivier Lacharité, responsável de Emergência dos MSF, explicando como ambas as partes estão pondo em risco os hospitais, em um cruzamento de violência que já dura quase dois meses, e em que morreram pelo menos 260 pessoas e mais de 1.630 ficaram feridas. “Não sabemos se os hospitais são um alvo deliberado, mas sua proteção é um imperativo que deve ser respeitado”, afirmava, dizendo que até finais de junho já tinham sido atacados oito vezes os hospitais da cidade, ataques que, por exemplo, levaram ao encerramento do Hospital Pediátrico, nesta ocasião bombardeado pelas FAS. A organização instava ambos os contendentes a permitir que se continue atendendo a população da cidade, e a do campo de Zamzam, onde reina uma crise enorme de desnutrição.
Sem asilo para refugiados do Sudão
A guerra que começou no ano passado deixou um saldo de 304 pessoas sudanesas que solicitaram asilo na Espanha, segundo informa o Comitê Espanhol de Ajuda ao Refugiado (Cear). A taxa de reconhecimento foi alta, 92%, o que evidencia que estas pessoas são merecedoras de asilo, um asilo que, no entanto, a duras penas conseguem solicitar, dada a inexistência de vias legais e seguras. Assim, optar pelo asilo será ainda mais complicado, pois como denuncia o Cear, indiferente à situação que se vive no país, a Espanha tornou ainda mais difícil para as pessoas sudanesas encontrarem refúgio no país.
Segundo comunicava o Cear, em 27 de junho passado, o governo decidiu impor um visto de trânsito às pessoas provenientes do Sudão e do Chade, país vizinho que, sendo um dos países mais pobres do mundo, dá refúgio a mais de um milhão de sudaneses, aos quais a Espanha também quer tornar mais difícil optar pelo asilo. A medida implica em que as pessoas que provenham de ambos os países deverão contar com um visto para passar por aeroportos espanhóis, embora seu destino seja outro. Uma medida que o Cear considera “preventiva e punitiva”, e que levará as pessoas a não terem outra saída senão saltar valas ou afogar-se no mar. Como lembra a organização, a maioria dos que morreram no dia 24 de junho em Melilla procediam do Sudão e do Chade.
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O Cear explica que a exigência de vistos de trânsito, a que também recorre a França, “impede chegar de forma legal e segura muitas pessoas de países em conflito como a Síria, a Palestina, o Iêmen ou agora o Sudão, entre outros”. Uma medida que acompanha a política de externalização de fronteiras: tomada ante a chegada de voos procedentes do Marrocos até aeroportos espanhóis como Barajas, e tem como consequência fechar a única forma que tinham estas pessoas, que fogem da guerra, de pedir proteção internacional em território europeu.
Em uma nota de imprensa emitida pela organização, seu diretor, Mauricio Valiente, explicava como este último movimento nas políticas migratórias estatais faz parte do “eixo principal do novo Pacto Europeu de Migração e Asilo, com o qual os países europeus tentam impedir por todos os meios que as pessoas migrantes e refugiadas possam chegar a suas fronteiras”. Frente à esperança de que a Espanha pudesse fazer uma aplicação mais garantidora de direitos deste marco normativo comunitário que foi considerado como uma ameaça ao direito de asilo na UE, decisões como a que impõe os vistos de trânsito dissipam qualquer expectativa positiva, lamentava o diretor do Cear.
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De fato, indicam na organização, com a inclusão do Sudão e do Chade na lista de países dos quais se exige visto de trânsito — algo já instaurado para as pessoas provenientes da Síria, Palestina, Iêmen, ou no princípio deste ano, Quênia e Senegal, países todos eles afetados por guerras ou crises de diversa índole — são já 25 os estados dos quais a Espanha exige este documento, o que a situa, junto com a França, à cabeça dos países da UE que exigem esta documentação.