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ToggleA máxima de que “sempre pode piorar” parece se aplicar no Chile: o autoproclamado governo feminista do presidente chileno Gabriel Boric passa por seu pior momento após uma funcionária denunciar judicialmente que foi abusada sexualmente e violentada por seu superior hierárquico, o agora ex-subsecretário do Interior, Manuel Monsalve, responsável pela segurança pública, uma prioridade da população.
O caso envolveu pessoalmente Boric, pois ele recebeu uma versão dos fatos diretamente de Monsalve em 15 de outubro. Em vez de destituí-lo de imediato, Boric o manteve no cargo por mais dois dias, até que em 17 de outubro a situação vazou para a imprensa, momento em que o agora ex-funcionário renunciou.
A situação, que supera outros péssimos momentos da administração, causa comoção: a figura à frente do combate à criminalidade, o membro do governo mais valorizado pela opinião pública, está envolvido em um delito grave e, de quebra, lança mais desconfiança sobre a credibilidade das instituições — Parlamento, Judiciário, partidos políticos, etc. —, gravemente debilitada.
Em meio às eleições municipais ocorridas nesta domingo (27), a oposição direitista aproveitou a situação, comparando o caso com escândalos de corrupção que a afetam. O pleito municipal serve como uma prévia para as eleições legislativas e presidenciais de 2025, frequentemente antecipando resultados.
Enquanto a direita explora o caso a seu favor, dentro do governo e das coalizões políticas que o sustentam, as recriminações estão na ordem do dia; fala-se abertamente de traição e pedem-se cabeças, especialmente das ministras do Interior, Carolina Tohá — superior direta de Monsalve — e da Mulher, Antonia Orellana.
Boric tenta se explicar
Boric se complicou, pois, sabendo do possível delito cometido por seu subordinado, evitou comunicar o fato ao Ministério Público, segundo manda a lei para qualquer cidadão.
Tentando se explicar, na contramão de qualquer manual básico de comunicação política, o governante optou por dar explicações durante uma visita a campo em 18 de outubro, respondendo durante 57 minutos a mais de 30 perguntas da imprensa, a muitas das quais disse não ter resposta. Apesar de sua diretora de comunicações pedir que ele parasse, Boric se recusou e a contradisse publicamente.
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Longe de esclarecer as dúvidas e conter os danos, a coletiva errática os intensificou, gerando especulações de que o presidente tentou proteger Monsalve, além de envolver-se pessoalmente e arrastar o caso para dentro de seu gabinete, fornecendo detalhes alheios à sua posição.
Entre 15 de outubro, quando deu sua versão a Boric, e a renúncia, o acusado usou um avião da polícia para viajar até a região do Bio-bío, sua terra natal, supostamente para informar sua família. Na manhã do dia 17, quando o caso começava a repercutir, ele compareceu a uma comissão legislativa que discutia o orçamento de 2025 para a pasta ainda sob sua responsabilidade.
Cronologia e gravidade do caso
Os fatos teriam ocorrido em 22 de setembro em um hotel na capital, onde Monsalve costumava se hospedar, e a denúncia ao Ministério Público foi feita em 14 de outubro. Segundo informações, com o pretexto de uma reunião de trabalho, ele jantou naquela noite com a vítima, de 32 anos, em um restaurante próximo e, sob efeito de álcool, a levou de táxi até o Hotel Panamericano, no centro de Santiago, após dispensar sua escolta para ficar sozinho com a mulher.
Confirmou-se também que, dias depois, ele ordenou que a polícia retirasse as gravações das câmeras de segurança do hotel, cujos registros permanecem desconhecidos.
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Monsalve, que ainda não foi formalmente acusado, contratou como defensora a advogada criminalista María Inés Horvitz, até recentemente membro do Conselho de Defesa do Estado, que declarou em 22 de outubro que “ele confia em sua inocência”.
Militante do Partido Socialista — que o suspendeu —, médico de profissão, casado e pai de duas filhas, especulava-se que ele deixaria o governo em novembro para concorrer ao Senado em 2025.
“Eu acredito nela”, diz Boric
“Nosso dever é acreditar, eu acredito nela”, disse Boric na última quinta-feira (24) sobre a vítima. “É dever da justiça, sem qualquer pressão, determinar de forma imparcial a culpa ou não do acusado”, continuou, acrescentando:
“Quando uma mulher denuncia algo tão grave como uma violação, é inimaginável o que deve ter passado para tomar a decisão de denunciar, sobretudo contra alguém que ostenta mais poder”, disse Boric em um evento público.
O caso colocou o governo em uma situação difícil e ganhou gravidade ao ser revelado que Monsalve usou as prerrogativas de sua posição como autoridade política responsável pela segurança pública para acessar provas que poderiam incriminá-lo e também para dissuadir sua subordinada de denunciá-lo.
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“Sem privilégios”, diz Boric
“Ninguém está isento de que alguém cometa crimes, traia a confiança, infrinja a lei ou os direitos. A questão é como reagimos a isso, e temos que reagir com firmeza, sem privilégios, sem defesa corporativa”, acrescentou.
Na última quarta-feira (23), em uma audiência judicial, o promotor Xavier Armendáriz relatou como Monsalve ordenou à unidade de inteligência da Polícia de Investigações que interviesse após os fatos.
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“O primeiro detetive que falou com a vítima foi uma pessoa dentro do curso dessas diligências”, que consistiam em revisar os registros das câmeras de segurança do restaurante e do hotel, acrescentando que “o acusado Monsalve informou à Polícia de Investigações — e sabemos disso pela declaração de uma funcionária — que ele pediu para se aproximarem da vítima”, relatou.
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