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Ambulância do Hospital Geral de Porto Príncipe com marcas de um ataque (Imagem ilustrativa de 05/2024 - Giles Clarke - Ocha)

Haiti: grupos rivais se juntam em ataques contra governo; elites financiaram violência no país

Gangues que até recentemente disputavam territórios lançaram ataques coordenados a instituições, provocando o deslocamento da população e agudizando a crise no Haiti
Observatorio en Comunicación y Democracia
CLAE / Centro Latino-Americano de Análise Estratégica
Porto Príncipe

Tradução:

Ana Corbisier

O Haiti, primeira república negra independente (1804), vive hoje uma das maiores crises de sua história devido à instabilidade política agravada pelo assassinato do presidente Jovenel Moïse em 2021. Quatro em cada dez haitianos vivem na pobreza extrema, graças à colonização francesa e estadunidense.

As gangues criminosas – financiadas e instrumentalizadas pelos poderes dominantes – controlam grande parte da capital, provocando medo e deslocamentos de população. Em Porto Príncipe registram-se 130 mil deslocados internos.

O Haiti pagou um preço muito alto por sua independência: em 1825, viu-se obrigado a pagar à França 150 milhões de francos de ouro para compensar, por suas perdas, os antigos colonos que tinham dominado os escravos, em troca do reconhecimento de sua existência como nação-estado independente. A sanção foi imposta sob ameaça de uma invasão militar: uma frota de 14 navios de guerra atracou na costa de Porto Príncipe, pronta para intervir para a restauração da escravidão em caso de insubordinação.

Depois dos franceses, chegaram os estadunidenses, ocupando o país desde 28 de julho de 1915, quando 330 marines desembarcaram em Porto Príncipe sob a autoridade do presidente Woodrow Wilson, para salvaguardar os interesses das empresas estadunidenses. No dia 17 de dezembro anterior, instados pelo National City Bank e o BNRH, marines dos EUA entraram no banco nacional e assumiram a custódia da reserva de ouro do Haiti, cerca de 500 mil dólares estadunidenses (o equivalente a 14 milhões de dólares atualmente, ou 80 milhões de reais).

Violência só aumenta

A violência das gangues aumentou drasticamente no final de fevereiro. Em vez de enfrentarem-se por controle territorial, como vinham fazendo há anos, os bandos criminosos G9 e Gpèp, os mais poderosos que operam em Porto Príncipe e seus arredores, fizeram um pacto de não agressão para estabelecer uma frente unida contra as autoridades.

Os dois grupos rivais lançaram ataques coordenados contra edifícios governamentais e infraestruturas críticas, assaltaram dezenas de delegacias de polícia, as duas maiores penitenciárias do país (das quais fugiram cerca 4.600 presos), os principais portos marítimos e o aeroporto internacional de Porto Príncipe, que só agora está retomando muito lentamente suas operações.

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Antes tinham travado uma batalha brutal pela hegemonia, utilizando uma violência indiscriminada contra a população civil, inclusive violações coletivas de mulheres e menores.

Esta nova federação, Viv Ansanm (“viver juntos” em dialeto haitiano), também saqueou e incendiou escolas, centros de saúde, lojas e residências privadas, exacerbando as profundas privações que já sufocavam o país.

Pressões externas

À medida que a crise foi se agravando nos últimos três anos, os países vizinhos do Caribe, junto com os Estados Unidos, o Canadá e a União Europeia, pressionaram os políticos haitianos para que chegassem a um acordo para compartilhar o poder e restaurar as instituições democráticas, romper o domínio das gangues e fazer frente à emergência humanitária do país.

Em abril, surgiu uma saída ao prolongado estancamento político. O primeiro-ministro Ariel Henry, que fora chefe de Estado de fato desde o assassinato de Jovenel Moïse, renunciou sob a pressão de Washington, e os grupos políticos mais importantes do Haiti uniram-se com representantes do setor privado e da sociedade civil para formar um governo de transição com um plano idealizado com apoio internacional.

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A primeira tarefa do novo governo foi facilitar a implantação da missão de segurança multinacional liderada pelo Quênia e autorizada pelo Conselho de Segurança da ONU em outubro de 2023 para ajudar a polícia a enfrentar as gangues, e preparar o terreno para as eleições. Porém, as primeiras semanas do governo de transição viram-se empanadas por discórdias internas.

O governo de transição deve organizar eleições gerais para que as autoridades locais, regionais e nacionais possam assumir seus cargos em fevereiro de 2026, quase uma década depois das últimas eleições. Antes, deve-se nomear um conselho eleitoral provisório, que avalize o sistema de votação do país. Também deve encabeçar um processo de reforma constitucional antes que se realizem as eleições.

Elites são responsáveis pela situação atual

As elites haitianas utilizaram durante muito tempo grupos armados não estatais como instrumentos para impor sua autoridade política e econômica. Mesmo se a missão enfrentar bem estes desafios, é pouco provável que haja uma mudança positiva a longo prazo, a menos que sejam combatidas as raízes da expansão das gangues.

Proporcionaram às gangues recursos, armas e impunidade conforme era necessário, em troca da ajuda dos grupos para reprimir protestos, garantir a vitória de determinados candidatos nas eleições e proteger territórios para negócios legais e ilegais.

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Mas os laços entre os bandos e as elites foram se desgastando, e as ambições pessoais dos líderes mais destacados das gangues e a feroz concorrência entre as coalizões de gangues, entre outras questões, obrigaram os grupos a buscar novas fontes de financiamento, tais como extorsão, sequestro e, mais recentemente, o tráfico de drogas e armas.

Estados Unidos e Canadá trataram de romper os laços entre as gangues e as elites haitianas, mas estas medidas perderam eficácia com o tempo, apesar de imporem sanções a alguns dos políticos mais influentes e poderosos empresários, inclusive dois ex-presidentes, dois ex-primeiros-ministros e vários ex-senadores acusados de ter apoiado direta ou indiretamente as gangues.

As Nações Unidas também estabeleceram um regime especial de sanções em outubro de 2022 para cortar os vínculos entre as gangues e seus patrocinadores externos. Mas até agora, os membros do Conselho de Segurança só concordaram em incluir cinco líderes de gangues, sobre os quais as sanções financeiras e as proibições de viajar têm um impacto extremamente limitado.

A crise do Haiti é multifacetada, mas o perigo maior para a vida de muitas pessoas são as gangues criminosas. Com o governo desestabilizado depois do assassinato de Moïse, as gangues ampliaram suas fileiras e aumentaram seu arsenal.

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Em conjunto, as coalizões de gangues têm atualmente cerca de 5 mil membros. Buscam controlar pontos estratégicos para diversos fins ilícitos, entre eles extorquir empresas e residentes, estabelecer pedágios improvisados nas estradas e afirmar o controle de áreas maiores onde mantêm as pessoas que sequestram.


As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

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