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Cannabrava | Independência é de morte

Brasil ainda não se configurou como nação independente; urge alcançar a libertação nacional e descolonizar o pensamento
Paulo Cannabrava Filho
Diálogos do Sul Global
São Paulo (SP)

Tradução:

Brasil é hoje uma colônia de quinta categoria, exportadora de produtos primários, sem qualquer controle sobre seus centros de decisão, sejam econômicos ou mesmo políticos e militares, de segurança nacional.

Fracassou como Reino – dependente da Inglaterra. Fracassou como Império – não soube livrar-se da oligarquia fundiária escravagista, nem resolver a questão militar. Preferiu mandar prender Mauá a seguir seus conselhos e atrasou por séculos a modernidade. 

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Aquela Belíndia, vista como uma Bélgica desenvolvida e uma Índia subdesenvolvida, transformou-se num gigantesco Haiti. Que me perdoe Toussaint L’Ouverture, seu povo paga até hoje o pecado de ter sido o primeiro quilombo libertado e independente. País inviabilizado pelas potências imperialistas.

O que é o Brasil do século 21?

Somos o legado do século 20 – Brasil fracassado como República. Temos hoje todos os centros de decisão submetidos aos interesses do capital ou subordinados à potência hegemônica, o imperialismo estadunidense e seus cúmplices da Otan. 

Vivemos a ditadura do pensamento único imposto pelo capital financeiro. A universidade deixou de pensar e a mídia é a porta-voz do pensamento único. A produção industrial é menor do que a que tínhamos nos anos 1950. 

Cannabrava | A oficialização do mal e a midiatização da mentira

Desindustrialização e desemprego. Desestatização, privatização e desnacionalização. Desregulamentação, penúria, desalento. 

Colheita de grãos batem todos os recordes. O que se ganha com exportação de soja se gasta na compra de fertilizante e agrotóxicos. O grão e o pasto, a mineração predatória, destroem as florestas, poluem os rios, matam os povos originários e ribeirinhos. Alimentamos o mundo com a nossa carne, literalmente, pois 33 milhões de pessoas passam fome, 110 milhões, metade da população, subnutrida, em insegurança alimentar. Que país é esse?

A campanha eleitoral mostra o fracasso também do pacto de 1988. Outra transição mediatizada sem que se tenha resolvido a questão militar. Partidos políticos são meros balcões de negócios e as campanhas políticas são campanhas de publicidade, vendem candidatos como se vende produto de consumo. Não há projeto de país nem programa de governo. 

Brasil ainda não se configurou como nação independente; urge alcançar a libertação nacional e descolonizar o pensamento

Daniel Zanini H. – Flickr

2 de outubro abrem-se novos horizontes. Há que aproveitar o impulso, o entusiasmo para organizar a grande frente de libertação nacional

Descaradamente compra-se votos.

Quanto vale um voto num país em que a renda média é de pouco mais de 2 mil reais? Em que 70% ganha menos que a renda média? Em que 33 milhões ganham menos que um salário mínimo de R$ 1.212 quando deveria ser pelo menos R$ 6.290. Só esses dados já mostram o fracasso desta república.

70% de analfabetismo funcional, metade da população ativa fora do mercado de trabalho. Estamos em pleno processo eleitoral e as pessoas sequer se deram conta de que somos um país ocupado, que o que temos em Brasília é um governo de militares, tropas pretorianas do império, e que há muito o que fazer para que se entenda que a luta é de libertação nacional.

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Darcy Ribeiro previu: sem educação campeia o fascismo 

Darcy Ribeiro, o antropólogo que definiu o povo brasileiro, viu e descreveu uma crise civilizatória. Isso ainda na década de 1980. Antes, fazendo exercício de futurologia, no fim da década de 1960, no exílio no Uruguai, discorrendo sobre o Processo Civilizatório, ele previu a 

Utilização exaustiva dos novos e prodigiosos sistemas de comunicação em massa para conformar uma opinião pública submissa e disciplinada, mediante uma doutrinação que a torne incapaz de qualquer opção radical. (…) No afã de perpetuar-se como classe dirigente, conduziram seus povos, muitas vezes, a processos de degradação extrema, com apelo ao despotismo e ao militarismo. Esses riscos são hoje muito mais graves…  (…) porque pequeno grupo de elite pode apropriar-se da máquina do Estado para conduzir os assuntos nacionais segundo seus interesses e até mesmo contar com o apoio caloroso de enormes parcelas da população, suscetíveis de serem ganhas para as fases mais irracionais como recorda a experiência de Hitler.

A alusão a Hitler me remete a Heinrich Himmler, chefe da segurança do 3º Reich, que para submeter a Polônia, disse bastar deixar as crianças fora da escola, privada de qualquer instrução além das primeiras letras e somar.

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A alusão a Hitler me remete a Heinrich Himmler, chefe da segurança do 3º Reich, que para submeter a Polônia, disse bastar deixar as crianças fora da escola, privada de qualquer instrução além das primeiras letras e somar.

É também de Darcy o reconhecimento de que a má escola no Brasil é projeto de uma oligarquia que quer perpetuar-se no poder. Os tempos são outros. Hoje temos uma lumpen-oligarquia, uma ralé destituída de sentido de pátria e do próprio conceito de Estado soberano. Só vê o próprio umbigo.


Retrato de um país ocupado pelo imperialismo

A que ponto chegamos… 

Doutores em medicina e generais que nunca leram um livro. Entre 2015 e 2020, 800 bibliotecas foram fechadas, 538 em São Paulo, 160 em Minas Gerais. Pra que livros se ninguém lê? A soma dos dez principais jornais impressos não chega a um milhão de exemplares. A revista Veja, que chegou a imprimir 800 mil exemplares, hoje não chega a 100 mil.

Mais de cinco milhões de crianças estão fora da escola. 650 mil jovens entre 19 e 21 anos saíram da escola. 44 milhões de crianças atendidas pelo programa Merenda Escolar estão repartindo um ovo entre quatro. Para a maioria dessas crianças, a merenda constituía a única refeição decente do dia. A União envia, quando envia, R$ 1,07 para as creches, R$ 0,53 para a pré-escola e R$ 0,36 para o fundamental. Quem vai ao supermercado sabe que não compra um pauzinho por esse valor.

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Desnutrida, a população adoece. A contrapartida é a desmontagem do SUS e o corte de R$ 1,2 bilhão da Farmácia Popular, que já não atende a demanda de remédios de uso contínuo de maior demanda, como para hipertensão e glicemia, e até mesmo frauda geriátrica.


Desenvolvimento só com educação e projeto

Educação é a chave para o Desenvolvimento. Aqui recorremos de novo ao mestre Darcy – Educação continuada de alto padrão ao longo de toda a vida produtiva. 

Sabemos que isso não basta. 

Há que ter uma estratégia de educação e esta tem que estar inserida em uma estratégia de desenvolvimento, orientada para a libertação nacional. Independência com soberania, desenvolvimento em harmonia com a vida. 

Tempo integral na escola desde a creche à universidade. É a única solução. Contudo, não se conseguiu realizar. As consequências estão à vista de todo o mundo.

Como tirar o atraso? Como recuperar o tempo perdido, incluir mais de uma geração de marginalizados? Como vencer o analfabetismo funcional?

Só há um jeito. Devolver todo mundo, de todas as idades, para a escola. Esse conceito de continuada e por toda vida requer o engajamento de toda a população. Onde houver espaço com gente, tem que ser transformado em escola. O chão de fábrica, o escritório da empresa, todos envolvidos em elevar a consciência de nosso povo.


Vargas indicou o caminho e as coisas aconteceram

O Brasil dos anos 1930 venceu as oligarquias e rapidamente se transformou num país em desenvolvimento. Subdesenvolvido, mas em desenvolvimento. Chegamos a constituir o sétimo parque industrial do planeta. Havia uma revolução cultural em curso.

A desmontagem do projeto e a desnacionalização do parque industrial começam com o regime militar de 1964/85. Rapidamente, a indústria dinâmica, aquela de retorno mais rápido do investimento, nas mãos estrangeiras. O Estado ainda se manteve a cargo da infraestrutura e da indústria de base, necessária na então divisão do trabalho do imperialismo.

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Nova transição feita de novo pelos militares, de um lado. Do outro lado, o culturicídio de várias gerações e a alienação das novas gerações formadas na escola, como projeto de perpetuação do status quo, cimentam o alicerce sobre o qual se constrói o país no novo século.

O neoliberalismo como doutrina de Estado, tal qual num Estado teocrático, impõe-se a ditadura do pensamento único imposta pelo capital financeiro, a gestão do Estado através das cartilhas do Consenso de Washington.

A má escola volta a ser projeto. Para os neoliberais, manter uma criança todo o dia na boa escola custa muito dinheiro e o dinheiro é o que mais importa.

Sem visão estratégica, criaram muitas universidades sem ter alunos e professores preparados para seu funcionamento. Universidades que continuam formando continuadores do status quo, quando deveriam formar os quadros que requerem um projeto de país e uma estratégia de desenvolvimento.

Juventude formada sem noção de pátria, sem noção de independência e soberania. Não se dá conta de que o maior feito da política externa dos Estados Unidos foi a conquista do Brasil sem dar um tiro, sem o desembarque de suas tropas. 

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O imperialismo mantém o domínio pela força do poder econômico agro-minero-exportador, dos bancos e financeiras e das forças armadas, tropas pretorianas a manter a ordem e a sabujice. 

A pátria transformada em colônia de quinta categoria: terra de ninguém, porteira aberta para a destruição ambiental, o saque e o genocídio; desestatização, privatização, desnacionalização; desregulamentação, precarização, desemprego, desalento, desesperança.

2 de outubro abrem-se novos horizontes. Há que aproveitar o impulso, a alegria, o entusiasmo para organizar a grande frente de libertação nacional, esta sim, capaz de levar-nos à verdadeira independência, com soberania.

Paulo Cannabrava Filho, jornalista editor da Diálogos do Sul e escritor.
É autor de uma vintena de livros em vários idiomas, destacamos as seguintes produções:
• A Nova Roma – Como os Estados Unidos se transformam numa Washington Imperial através da exploração da fé religiosa – Appris Editora
Resistência e Anistia – A História contada por seus protagonistas – Alameda Editorial
• Governabilidade Impossível – Reflexões sobre a partidocracia brasileira – Alameda Editora
No Olho do Furacão, América Latina nos anos 1960-70 – Cortez Editora

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As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, a opinião da Diálogos do Sul do Global.

Paulo Cannabrava Filho Iniciou a carreira como repórter no jornal O Tempo, em 1957. Quatro anos depois, integrou a primeira equipe de correspondentes da Agência Prensa Latina. Hoje dirige a revista eletrônica Diálogos do Sul, inspirada no projeto Cadernos do Terceiro Mundo.

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